A nomeação do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad para chefiar o Ministério da Fazenda, anunciada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na manhã desta sexta-feira, 9 de dezembro, não surpreendeu nem aliados do governo e tampouco o mercado financeiro.

Haddad, de 59 anos, tem mestrado em Economia e é considerado o homem de confiança de Lula, que o escolheu candidato do PT à Presidência na eleição de 2018, quando estava preso.

Além disso, o presidente eleito vinha emitindo sinais de que pretendia colocar na Fazenda um político com capacidade de negociar com o Congresso Nacional, como fez em 2003 com o hoje desafeto Antonio Palocci.

“Agradeço ao presidente Lula pela confiança ao me nomear ministro da Fazenda”, postou Haddad no Twitter. “Os desafios são grandes e as oportunidades maiores ainda. Vamos fazer o Brasil crescer com responsabilidade e justiça social.”

O novo ministro da Fazenda, porém, deverá enfrentar desconfiança de boa parte do empresariado e do setor financeiro. Há o temor de que Haddad siga à risca a cartilha desenvolvimentista do PT, expandindo o gasto público. Isso ajudaria a prolongar o longo ciclo de juros altos no Brasil, impactando na relação dívida/PIB, que deve fechar o ano na casa dos 76%.

Além de retração da atividade produtiva, causada pela inflação acima do teto e juros elevados, outro efeito temido pelo mercado financeiro é a desvalorização de papéis, como ações e fundos imobiliários, e a fuga de capital.

A ampliação do teto de gastos do governo em R$ 145 bilhões (aprovada no Senado e que agora segue para a Câmara) deverá permitir ao novo governo cumprir algumas promessas de campanha, como pagamento Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) e, talvez, aumento do salário mínimo.

Mas parte do empresariado adverte que a agenda de promessas sociais é grande demais diante do Orçamento enxuto previsto para 2023. Ou seja, o mercado teme que Haddad vai ceder ao ímpeto de gastos do PT, inviabilizando a realização de reformas estruturais a curto prazo.

Para o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School, os efeitos da pandemia mostraram que a condução da política econômica passou a exigir mais do que metas rígidas de controle fiscais e superávits primários. Parte do mercado, segundo ele, admite esse novo cenário.

Por outro lado, o fato de a PEC da Transição dar um fôlego de dois anos, vai exigir uma constante negociação entre o governo e o Congresso. “Mas falta ao Haddad maior capacidade articulação política e junto ao mercado”, adverte Honorato.

Ele acredita que a reforma tributária, que está sendo muito debatida, não vai mudar radicalmente a estrutura fiscal do governo, mas deve ao menos melhorar a competitividade, dar mais dinâmica à economia e atrair investimentos.

O desafio maior do governo será como controlar os gastos. “Guedes não conseguiu fazer reforma administrativa, Lula dificilmente fará, portanto é essencial que Haddad seja disciplinado para evitar a expansão fiscal”, afirma Honorato.

Gestão fiscal enxuta

Para reverter essa desconfiança, o principal nome da economia do novo governo tem alguns trunfos. O ministro Haddad pode, por exemplo, citar a gestão do prefeito Haddad em São Paulo (20213-2016), marcada pelo equilíbrio fiscal.

Durante os quatro anos de seu governo, o peso da dívida pública da capital paulista caiu de 196,9% da receita corrente líquida em 2012 para 182,3% em 2015.

O então prefeito também mostrou atenção com a Lei de Responsabilidade Fiscal em relação à folha de pagamentos dos servidores municipais - fechou em 37,1% da receita em 2016, bem abaixo da meta máxima tolerada, de 54%.

De quebra, Haddad encerrou seu mandato à frente da Prefeitura com uma renegociação dos débitos do município com a União, reduzindo um passivo de R$ 73,1 bilhões para R$ 27,7 bilhões.

De acordo com o Tribunal de Contas do Município (TCM), Haddad deixou a Prefeitura com R$ 3,15 bilhões em caixa, ou seja, com superávit.

Mesmo assim, Haddad colecionou críticas por sua gestão. Como prefeito cumpriu apenas 67 das 123 metas propostas. Entregou apenas um CEU (Centro Educacional Unificado) entre 20 prometidos e 1 um hospital (a meta era de 3).

Desgastado com a crise econômica do governo Dilma e com o impeachment da presidente, Haddad não chegou sequer ao segundo turno na eleição de 2016, em que tentou o segundo mandato.

Segundo o DataFolha, apenas 16,7% dos paulistanos consideraram seu governo como ótimo ou bom, 34,5% como regular e 46,5% consideraram a gestão petista ruim ou péssima

Fator Alckmin

Duas iniciativas, que ainda são uma incógnita, podem ajudar a amenizar a rejeição a Haddad por parte do capital privado. Uma delas é que o primeiro escalão de seu ministério seja ocupado por técnicos alinhados à economia de mercado.

A outra depende de Lula: a nomeação de um economista de renome no Ministério do Planejamento, com canal de diálogo com o empresariado, para “contrabalançar” um petista na Fazenda. Persio Arida ou Andre Lara Resende, que fazem parte do governo de transição, são citados como bons nomes com esse perfil.

Há, por fim, uma desconfiança sobre sua capacidade de negociar com o Congresso. Haddad tem fama de ser difícil de ser convencido quando acha que tem razão. Nesse aspecto, a experiência e articulação do vice-presidente, Geraldo Alckmin, podem ajudar.

Haddad, por sua vez, está longe do perfil de radical que tanto assusta os empresários. Na campanha presidencial de 2018, Haddad se apresentou como um candidato do PT “mais Lula, menos Dilma”. Sua candidatura – imposta por Lula –, por sinal, foi alvo de críticas internas no PT na época.

Haddad chegou a ser chamado de “tucano enrustido”, por suas posições econômicas bem mais ao centro do que a política desenvolvimentista executada no primeiro mandato de Dilma Rousseff pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Algumas ideias expostas pelo novo ministro da Fazenda nos últimos anos reforçam essa diferença com a ala mais à esquerda dos economistas do PT.

Embora Haddad sempre tenha defendido a diretriz adotada por Lula de apoiar as empresas de capital nacional, com o BNDES à frente, sempre foi crítico às desonerações fiscais adotadas por Dilma Rousseff para estimular a economia.

O novo ministro afirmou recentemente defender uma reforma tributária que contemple a revisão da tributação indireta sobre o consumo, com a adoção de um Imposto sobre Valor Adicional dual (federal e estadual). Mas tem evitado em fazer promessas de mais abertura.

Os sinais de moderação emitidos durante encontros recentes com empresários ajudaram a mudar um pouco a imagem negativa de Haddad. Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, por exemplo, elogiou a escolha do ex-prefeito de São Paulo para a Fazenda.

“Mostra a intenção do novo governo de mediar os naturais conflitos existentes na condução econômica de um país complexo como o Brasil pela via do pragmatismo”, disse.  Segundo ele, essa estratégia justifica Haddad ter como prioridades a reforma tributária e os desafios do crescimento econômico.

Trajetória

Haddad conta com experiência na administração pública. Além de ter sido prefeito da maior cidade do país, Haddad foi ministro da Educação nos governos Lula e Dilma, sem estourar o orçamento e demonstrando muita articulação política.

Formado em Direito, Haddad tem mestrado em Economia e doutorado em Filosofia pela USP, onde é professor de Ciência Política.

Trabalhou como analista de investimento no Unibanco e, de 2001 até 2003. Depois, foi subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo , na gestão de Marta Suplicy.

No primeiro mandato de Lula, integrou o Ministério do Planejamento durante a gestão de Guido Mantega (2003–2004), período no qual elaborou o projeto de lei que instituiu as parcerias público-privadas (PPPs) no Brasil.