Há menos de duas semanas, a startup americana Farmers Business Network (FBN), uma gigante do setor de agronegócio, anunciou uma rodada series G de US$ 300 milhões, liderada pela Fidelity Investments e acompanhada pela Archer Daniels Midland (ADM).
Com a rodada, a companhia atingiu um total de US$ 870 milhões captados desde a sua fundação, em 2014, e alcançou um valuation de US$ 3,9 bilhões. Trata-se de um dos maiores unicórnios do agronegócio mundial, dona de uma base que, literalmente, vale uma fortuna.
A empresa conta com 33 mil produtores agrícolas dos Estados Unidos, Canadá e Austrália conectados em sua plataforma e tem dados precisos de 85 mil acres (34,3 mil hectares) cobertos. Mas, se depender de um brasileiro que mora em Chicago, a empresa invadirá o território brasileiro.
O executivo Felipe Yazbek, head de new business development, responsável por descobrir novas oportunidades de mercado para a companhia, esteve recentemente no Brasil visitando fazendas no Mato Grosso com uma equipe da FBN e tem estudado a entrada no mercado nacional.
“O meu trabalho é o de encontrar novas oportunidades para a FBN”, diz Yazbek ao NeoFeed. “Estamos olhando o Brasil e a Índia, que são dois grandes players em agricultura”, diz ele. O Brasil, uma potência do agronegócio, que movimentou R$ 1,98 trilhão em 2020, não pode ser descartado.
O terreno para a entrada da FBN no Brasil está sendo preparado com a ajuda de Antonio Moreira Salles e Julio Benetti, fundadores e gestores do Mandi Ventures, fundo de venture capital especializado em agronegócio e investidor da FBN.
“É um investidor estratégico que está nos ajudando nesse processo de análise para entrar no mercado brasileiro”, diz Yazbek. Indagado pelo NeoFeed, Moreira Salles confirmou que está assessorando a FBN nesse desafio.
“Estamos explicando para eles as questões legais, jurídicas e regulatórias. Além disso, estamos colocando-os em contato com os profissionais que entendem de agro no Brasil, municiando de estudos de mercado, análise de concorrência”, diz Moreira Salles.
A FBN é um grande ecossistema composta de três plataformas. Começou, em 2014, com analytics, depois, em 2016, partiu para a venda de insumos direto ao produtor e, por último, em 2018, entrou na venda de produtos financeiros. Desses três pilares, o analytics é o único serviço que é gratuito.
O que o sistema faz é reunir as informações das várias máquinas que uma fazenda tem, um trator, uma colheitadeira e assim por diante. Cada marca tem uma plataforma de dados e a FBN reúne todas as informações, até então separadas, em um único ambiente.
Além disso, a startup complementa com novos insights como imagens de satélites e compara a produção com as de produtores próximos, sem identificar quem são. Todos os dados são anônimos, mas exatos de cada região.
Com isso, é possível saber se o fazendeiro colheu bem ou mal, como cada herbicida funcionou, se o plantio foi bem executado, qual a variedade de semente que funcionou melhor e assim por diante. “Não é rocket science, o que fizemos foi unir todos os dados disponíveis numa só plataforma e tornar acessível para os produtores”, diz Yazbek.
A partir daí, ao ter os dados e acesso a milhares de produtores, em 2016, a startup passou a explorar outro segmento: o de insumos. A companhia montou um marketplace, com todas as sementes do mercado, para oferecer aos fazendeiros. Seria mais um canal de distribuição aliado a inteligência de mercado.
Ao ver que a FBN estava vendendo diretamente aos produtores, as grandes indústrias do setor cortaram os fornecimentos de sementes e defensivos para “cortar o mal pela raiz”. Ou seja, matar a concorrência na largada.
“O problema é que a gente já tinha levantado galpões, montado toda a infraestrutura logística com equipes distribuindo”, diz Yazbek. Nos três países em que opera, a startup tem 25 galpões e 500 representantes comerciais.
Diante da resistência dos fabricantes de insumos, com o negócio já montado, a FBN resolveu pivotar o negócio e a empresa se tornou uma concorrente ainda mais poderosa. “De oitenta a noventa por cento dos defensivos usados por fazendeiros já têm patentes que expiraram”, afirma Yazbek.
A FBN, então, foi atrás dos registros de patentes que já tinham autorizações dos órgãos americanos. Desembolsou milhões de dólares nesse processo. Uma das empresas compradas foi a Willowood. Com os papéis em mãos, foi para a China terceirizar a produção e criou a sua marca própria.
Só para soja e milho, por exemplo, a companhia tem mais de 20 registros. A startup também comprou empresa de sementes, de vacinas para gado, de sais minerais para gado, entre outras. Com os seus produtos genéricos, acabou se tornando uma opção para um batalhão de consumidores conectados. Dos 33 mil membros, pelo menos, 70% fazem uma transação por ano.
De olho nesse potencial, a empresa acabou criando uma fintech. “Mas não fazia sentido a gente montar um banco, tomar risco, levantar capital. O que fazemos é montar produtos junto com os bancos e ser um canal de distribuição”, diz Yazbek. E conseguir precificar o risco para os bancos.
Afinal, sabe tudo sobre o produtor: quando planta, quando colhe, quanto colhe, quanto gasta, todo o fluxo de caixa dos fazendeiros. São informações valiosíssimas para as instituições financeiras que concedem crédito e vendem seguro aos produtores.
“A disrupção a gente já fez, agora é operacionalizar essa disrupção”, diz Yazbek. No fim das contas, funciona como um marketplace financeiro e ganha com o spread. “Estamos hoje entre os três maiores distribuidores de seguro agrícola nos Estados Unidos.”
Só para soja e milho, por exemplo, a companhia tem mais de 20 registros. A startup também comprou empresa de sementes, de vacinas para gado, de sais minerais para gado, entre outras
No Brasil, a FBN não vai encontrar um competidor único. Para se estabelecer, terá de brigar em várias frentes. No campo dos insumos, vai encontrar desde as gigantes mundiais como empresas nacionais como uma Ourofino. Em marketplaces, a Bayer já tem uma operação, a Orbia, e outra empresa que atua no setor é a Agrofy. Em fintechs, a Terra Magna, entre outras.
Yazbek, 33 anos, nascido e criado em São Paulo, formado em engenharia elétrica na Escola Politécnica da USP, vem de uma família de cafeicultores da região de Marília (SP).
Ele trabalhou na área de long and short do fundo Verde, por onde ficou seis anos, e acabou deixando o mercado financeiro para transformar as propriedades deixadas pelos avós e torná-las lucrativas.
Entre 2016 e 2017, focou nas fazendas. Em 2018, partiu para um MBA na University of Chicago. “Nesses dois anos, ia e voltava para o Brasil”, diz ele.
Acabou mudando a produção dos 70 hectares da família. No lugar dos pés de café entrou a lavoura de mandioca, o que trouxe lucratividade para a família.
No MBA, fazia parte do clube Full Environment Agriculture Development, que estudava as disrupções no mercado de agronegócio. Em um dos estudos sobre o mercado, acabou parando na sede da FBN, na Califórnia.
Foi ali que ele conheceu o cofundador da companhia, o americano descendente de indianos, Amol Deshpande. Agora, do mesmo jeito que ele transformou as fazendas de sua família, pode abrir as portas do mercado brasileiro para a FBN.