A ressaca que acometeu o mercado de capitais em 2022, depois de um ano espetacular em termos de operações de IPOs e follow-ons que foi 2021, está se provando muito mais forte do que se esperava incialmente.
A esperada aversão a risco trazida pelo calendário eleitoral foi potencializada pela alta de juros no Brasil e no mundo, levando a uma redução significativa na quantidade de operações - até o momento, não tivemos IPOs e apenas 14 follow-ons, enquanto na primeira metade de 2021 foram registrados 22 IPOs e 16 follow-ons.
O endurecimento das circunstâncias, porém, não reduziu o ritmo de trabalho nas divisões de banco de investimento e de mercado de capitais e renda variável do Citi Brasil. As áreas, responsáveis por estruturar e levar adiante as ofertas públicas, trabalham para preparar as companhias que avaliam abrir capital na próxima janela viável, que deve se abrir em 2023.
"Estamos trabalhando normalmente", afirma Marcelo Millen, chefe da área de mercado de capitais e renda variável do Citi Brasil, que, ao lado de Eduardo Miras, head do banco de investimentos, concedeu uma entrevista ao NeoFeed. "Neste ano, estamos muito mais focados no trabalho de originação e conversa com o mercado."
Ainda que o começo de ano tenha sido duro para operações, o Citi Brasil participou de sete dos 14 follow-ons que ocorreram. Ele liderou a operação da BRF, que levantou R$ 5,4 bilhões, e foi o único coordenador internacional da oferta de R$ 2,8 bilhões da Equatorial.
A expectativa é de que, com a conclusão das eleições, os números de operações possam melhorar. "A nossa visão é de que, de agora até o começo de novembro, é bastante improvável que tenha IPO", afirma Millen. "No caso de follow-ons, a gente acredita que vai ter sim, o mercado está funcional para casos e setores específicos."
Enquanto ofertas públicas é algo para o futuro, o Citi Brasil vê o mercado aquecido para operações privadas de compra de participação e, principalmente, fusões e aquisições. Segundo Miras, a pujança vista na Bolsa nos dois últimos anos fez com que muitas empresas chegassem a este ano capitalizadas e prontas para as compras.
"O mercado de M&A está demandando muito da gente aqui, tem nível de atividade bastante grande aqui, e tem algumas outras para serem anunciadas nos próximos meses", afirma Miras.
O Citi Brasil esteve envolvido em ao menos cinco grandes operações em 2022. Entre elas, a fusão entre Fleury e Pardini, a combinação de negócios entre Cesp e Votorantim Energia e o aporte de R$ 1,6 bilhão pelo banco espanhol BBVA na fintech Neon. No ano passado, o banco registrou um total de 15 operações de M&As.
A retomada das operações no mercado de capitais ainda deve ser lenta, envolvendo apenas grandes nomes, com grandes ofertas, segundo Millen e Miras. Mas a perspectiva é positiva, a ponto de o Citi Brasil estar expandindo sua equipe para fazer frente ao crescimento que espera para o mercado brasileiro.
"O mercado continua em desenvolvimento e a gente vai precisar de profissionais qualificados em todos os níveis", diz Millen. "A gente está otimista para esse ciclo de 2023 a 2026."
Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
Como vocês avaliam 2022 em termos de quantidade operações de IPO e follow-on? Está dentro do esperado?
Millen - Está dentro do esperado, porque é um ano desafiador. Quando começamos o ano, sabíamos que seria um ano desafiador, por todos os aspectos não só estruturais, como também conjunturais. Qualquer ano de eleição no Brasil complica. Em 2018, por exemplo, você teve IPO até abril. Em 2010, você teve IPOs e follow-ons, mas a dinâmica global era muito diferente, a situação do Brasil era diferente. Outros elementos tornaram o ano desafiador. Basicamente a situação geopolítica global, com a guerra desde fevereiro, deixando os mercados mais voláteis. Um segundo ponto importante é a inflação, e a guerra ajudou acelerar o processo de inflação. Com isso, você teve um aumento de juros pelo mundo. Um último elemento, muito particular de Brasil, é a performance dos IPOs de 2020 e 2021, abaixo do esperado.
Ainda assim, tivemos algumas operações…
Millen - Isso que falei é quando você olha a “caixinha” de IPOs. Na caixinha de follow-ons, o mercado esteve absolutamente funcional. Tivemos dez operações precificadas no ano, dos mais diferentes setores. Foram operações grandes, acima de R$ 1 bilhão, que vieram para financiar crescimento das companhias ou adequar a estrutura de capital, e transações que tiveram apoio grande dos acionistas e investidores de longo prazo. Os follow-ons estão funcionais inclusive olhando para M&A, com empresas levantando recursos para fazer aquisições. Companhias que quiseram fazer IPO e não conseguiram viraram alvo de aquisições. Quando você olha a Equatorial, que fez follow-on, a Echoenergia era uma empresa que queria fazer IPO. Não conseguiu e acabou no mercado de M&A.
Diante disso, como fica a perspectiva para operações até o fim do ano?
Millen - A nossa visão é de que, de agora até o começo de novembro, é bastante improvável que tenha IPO, porque os elementos que tornaram o ano desafiador não vão desaparecer. Vamos ter o resultado da eleição presidencial, mas tem os elementos relacionados ao novo governo, sobre o que ele vai implementar. No caso de follow-on, a gente acredita que vai ter sim, o mercado está funcional para casos e setores específicos. A gente imagina que dentro dos parâmetros das operações até agora, ofertas líquidas, companhias líquidas no mercado secundário, com plano claro de uso de recursos para utilizar em crescimento ou adequação de estrutura de capital, sim aí pode ter transações no segundo semestre.
"De agora até o começo de novembro é bastante improvável que tenha IPO, porque os elementos que tornaram o ano desafiador não vão desaparecer"
Miras - Essa situação de mercado, de IPOs fechados, dessa vez, diferente de outras situações que vimos no Brasil, não é peculiar ao País. É um fenômeno mundial. Temos visto essas mesmas variáveis, tirando eleições, impactando os mercados globais. Quando a gente aponta que o mercado de capitais global está aproximadamente 80% para baixo, estamos comparando com uma base extraordinariamente alta, que foi 2021. Talvez, o melhor ano em termos de volume da história. O que está acontecendo é que estamos voltando para volumes próximos do que tínhamos em 2019 e até 2020. Quando se fala da queda dos volumes, quando comparados com 2021, está se fazendo uma comparação que não é justa, porque aquele foi um ano atípico, de juro real negativo, política monetária expansiva para combater a pandemia.
Vocês estão tendo consulta de empresas interessadas em fazer follow-ons e IPOs neste ano?
Millen - Estamos trabalhando normalmente. Nosso trabalho é como se fosse um pêndulo, migrando de originação para execução. Neste ano, estamos muito mais focados no trabalho de originação e conversa com o mercado do que execução. Nos últimos anos, você tinha trabalho de originação e execução de IPOs e follow-ons ao mesmo tempo. Quando você olha condições de mercado para IPOs, elas não estão boas para este ano. Essas operações são para o futuro.
O que esses interessados querem entender da atual conjuntura para levar adiante ou não uma oferta?
Millen - São temas que sempre aparecem. Quando você está falando sobre follow-on, a dúvida que sempre está na cabeça dos emissores é se é melhor fazer um follow-on ou um aumento de capital privado. Toda vez que o mercado está desafiador, sempre vem essa discussão. Outra pergunta que aparece é se a empresa tem profundidade no mercado para realizar um follow-on. Para quem está olhando IPO, a dúvida é que tipo de condições eles deveriam ver nas variáveis que impactam um IPO, para entender se essa operação se encaixa no plano de crescimento dele, de necessidade de recursos.
Miras - Um IPO não é um processo que se executa em dois, três meses. Os IPOs que tiveram mais sucesso foram aqueles em que as companhias vêm se preparando há anos, conversando com os investidores, mesmo em momentos de janela fechada como agora. A gente tem muito trabalho aqui em manter as companhias que trouxemos ao mercado a frente dos investidores, de apresentar novas companhias para os investidores, porque o investidor não está parado, olhando a performance no final do dia. Ele também está buscando alternativas, reposicionando portfólio, rotação setorial. Então, a gente trabalha em fazer a ponte entre empresas e investidores, mesmo no contexto de não transação. Historicamente, os IPOs de maior sucesso foram aqueles que pegaram o início da janela, por isso elas precisam estar preparadas.
Quando veremos uma retomada consistente nas operações de IPO? Quando vocês imaginam que o mercado se normaliza e se abre para operações?
Millen - Estamos otimistas e achamos que essa retomada vem em 2023. Acho que não vai ser para qualquer companhia. As características que os investidores gostariam de ver, para voltar a olhar para IPO, são companhias maduras, transações grandes, empresas com administradores com nível de qualidade e histórico de execução forte e que estão performando bem independente da economia. Deverão ser companhias com um sponsorship, um acionista que está lá e vai ficar na empresa no longo prazo, companhias de conglomerados fortes. Essas companhias existem e, em um mercado que deixou a eleição para trás, com a volatilidade se reduzindo, os resgates dos fundos de renda variável diminuindo, certamente esses nomes vão voltar a olhar o mercado de capitais.
Qual a previsão do Citi para quantidade de IPOs e follow-ons neste ano e no próximo?
Millen - Eu tenho dificuldades em fazer previsões. Talvez, outros profissionais do mercado tenham mais facilidade. Tenho dificuldade em dizer quantas serão e o volume. O que consigo dizer é que, do ponto de vista qualitativo, a gente está otimista, trabalhando, reforçando os times em todos os níveis, tanto no banco de investimentos quanto no equity capital markets, no research, na corretora. A gente está otimista para esse ciclo de 2023 a 2026.
"Os IPOs de maior sucesso foram aqueles que pegaram o início da janela, por isso elas precisam estar preparadas"
Esses investimentos partem do pressuposto de que o mercado de capitais brasileiro vai crescer mais?
Millen - É uma constatação de que é um mercado que continua em desenvolvimento e a gente vai precisar de profissionais qualificados em todos os níveis. Para trabalhar com banco de investimentos, cobertura de empresas, execução, originação, trading, vendas. Os investimentos são para crescer em termos de participação de mercado, da evolução do mercado e da fome e ambição que o banco tem de ser uma plataforma cada vez maior.
Enquanto o mercado está fechado para ofertas públicas, quais as opções que as companhias têm recorrido para se financiarem?
Miras - Um mercado que não está fechado é o mercado privado, que a gente chama aqui de private placement. São transações mais customizadas, em geral menores, em que estamos em discussões com investidores, tanto com investidores financeiros mais tradicionais, como são os private equities, como os investidores mais institucionais de mercado público. Eles têm bolso para investir em transações privadas, sejam brasileiros ou estrangeiros, e estão olhando para companhias que têm potencial de virem ao mercado nos próximos dois, três anos. Tem liquidez no mercado, nesse segmento. Não necessariamente dependemos do mercado público para ter atividade. A gente viu um ciclo robusto de venture capital nos últimos anos, mas estamos falando agora de companhias mais estabelecidas, do que chamamos de growth equity, companhias que estão na rodada C, D, E que continuam levantando capital, são líderes de mercado, têm planos de negócios interessante e têm essa alternativa de mercado.
No caso de M&As, como está a demanda por assessoria para este tipo de operação? A situação atual aqueceu a procura por esse tipo de operação?
Miras - O mercado de M&A está aquecido, o nível de atividade é bastante alto. Esse mercado tem um ciclo de maturação mais longo que as transações de mercado de capitais. Então, muitas das transações que estão fechando agora vêm sendo discutidas há meses, algumas delas há anos. O mercado [de capitais] pujante que vivemos nos últimos dois anos acaba tendo consequências sobre o mercado de M&A hoje. Companhias que levantaram dinheiro nas ofertas ano passado e retrasado estão colocando esse dinheiro para trabalhar. E estamos vendo uma mudança nos patamares de avaliação. Então, tem investidores capitalizados, desalavancados e que conseguem se favorecer desse mercado com avaliações mais baixas. O mercado de M&A está demandando muita da gente aqui, tem nível de atividade bastante grande aqui e tem algumas outras para serem anunciadas nos próximos meses.
Que tipo de companhias estão recorrendo a M&As? O que elas têm buscado?
Miras - Você tem companhias que estão revendo seus portfólios, companhias que precisam levantar capital para investir no seu core business e vão se desfazer de alguns ativos, players internacionais que, do ponto de vista geopolítico, começam a olhar com um pouco mais de atenção ao Brasil, porque o mercado chinês está mais complexo, o mercado russo está fechado. Vemos de tudo. Companhias globais olhando para o Brasil, companhias globais vendendo ativos no Brasil, grupos locais consolidando suas posições, companhias se juntando para se tornarem mais fortes e gerar sinergias. É um mercado que está ativo e que estamos muito otimistas. É a beleza da economia brasileira, que é grande, diversificada e que nos últimos anos teve muito empreendedorismo.
"O mercado de M&A está demandando muita da gente aqui, tem nível de atividade bastante grande aqui"
E quais setores estão mais movimentados? Vimos muitas notícias na área de saúde, mas em operações privadas, quais áreas apresentam alto nível de M&A?Miras - Em M&A, como no mercado de capitais, não temos visto grandes concentrações setoriais. Mas o setor elétrico é um setor que tradicionalmente é muito ativo e continua muito ativo. Dada a magnitude dos ativos, as transações tendem a ser relativamente grandes no setor elétrico. A gente continua vendo movimentações relevantes no setor de infraestrutura. O setor de saúde é muito pulverizado e em setores pulverizados a consolidação acaba sendo latente, então deve ver atividade. No setor de commodities, dada a capitalização dessas empresas, o caixa que estão gerando, temos visto atividade. E tem setores que sofreram durante a pandemia e sofrem com economia mais fraca, como educação, que pode passar por consolidação. Mesmo o setor financeiro, seja em fintechs ou na parte mais tradicional. Está muito diversificada a atividade de M&A.
Falando sobre outras formas de financiamento, como vocês estão vendo a demanda das companhias por recursos, considerando a situação do mercado de capitais?
Miras - Essa é uma área que eu e o Millen acompanhamos junto com os nossos colegas, não é a nossa responsabilidade aqui dentro. O que posso comentar é que, no contexto de transações de M&A, continuamos vendo demanda por parte dos nossos clientes. Eles estão acessando o mercado bancário e doméstico local para financiar suas aquisições, e aí acaba sendo uma combinação de mercado bancário, debêntures e equities, no caso daquelas que podem realizar follow-on. O mercado que a gente denomina de acquisition finance está bastante ativo, estamos fazendo muita transação. Os clientes que a gente tem relacionamento, na maioria, são de porte médio para grande, e a maioria saiu da pandemia capitalizada e com alavancagem relativamente baixa. Não temos visto situações de maior estresse em termos de alavancagem, como vimos em outros momentos. O mercado está funcional, não tem nenhuma grande disruptura com a magnitude do aumento da taxa de juros.