Cruzeiros são frequentemente descritos por alguns como "hotéis flutuantes". Agora, essa concepção é mais precisa do que nunca. Redes hoteleiras de luxo como Marriott, Four Seasons, Belmond, Aman e Accor estão entrando com tudo no segmento em parceria com estaleiros, especialmente no nicho dos megaiates.
O formato dessas embarcações, ao contrário dos grandes navios, oferece muito mais espaço por passageiro, ampla oferta de alta gastronomia e serviços de primeira linha, exatamente o que busca o público dessas grifes da hotelaria.
"Esse tipo de cruzeiro é uma das maiores tendências do turismo de luxo para 2023 e provavelmente para os próximos dois anos também", contou ao NeoFeed Simon Mayle, diretor de eventos da ILTM, o principal evento internacional de turismo de luxo. "Iates e navios de pequeno porte oferecem uma maneira mais tranquila de viajar o mundo. Sobretudo pelos desafios atuais dos deslocamentos aéreos e crescente custos dos voos."
Na última semana, a Orient Express anunciou o lançamento do Silenseas, o “maior veleiro do mundo” e majoritariamente financiado por bancos comerciais (a participação do grupo Accor, detentor da marca, no projeto deve ser de apenas 20% ).
Construído em parceria com a Chantiers de l'Atlantique (o principal estaleiro da França), deverá começar a navegar em 2026 com design interior do arquiteto Maxime d'Angeac, o mesmo responsável pelos luxuosos trens da marca. Com itinerários pelo Mediterrâneo e pelo Caribe, terá apenas 54 suítes, incluindo uma presidencial de 1.415m².
“Esta ultramoderna embarcação contará com um revolucionário sistema de propulsão a vento e vai revolucionar as viagens marítimas, aliando novas tecnologias à sustentabilidade", disse Sébastien Bazin, CEO da Accor, no lançamento do projeto.
Em comum, todas as redes hoteleiras baniram o uso da palavra "cruzeiro" na divulgação de seus novos iates. O CEO do Aman Group, Vlad Doronin, chegou a ser explícito, defendendo que seu projeto chamado de Sama "não é um cruzeiro e sim uma categoria totalmente nova de viagens de descoberta na água".
Apesar da aversão ao termo, todas elas estão obviamente se associando a profissionais e empresas veteranas da indústria tradicional de cruzeiros de luxo. Afinal, a logística das operações marítimas é diferente de um resort em terra. E, como na hotelaria em geral, também investidores internacionais para viabilizar cada projeto.
"As redes hoteleiras estão de olho no life cycle do seu público. As pessoas estão se alinhando hoje com os valores e propostas de uma marca da hospitalidade que não precisa ser necessariamente um hotel, mas pode ser também um lodge, um glamping, um trem ou um iate", acredita Mayle.
Os custos totais desta nova leva de iates não são divulgados pelas redes. Cada suíte do novo Four Seasons Yacht, por exemplo, receberá investimento de US$ 4,2 milhões na construção, mais do que o dobro dos mais luxuosos novos navios da atualidade (como o Silver Endeavour, que acaba de ser inaugurado pela Silversea).
O pontapé deste movimento teriam sido os primeiros anúncios de construção do Scenic Eclipse, o primeiro iate de cruzeiros de expedição do mundo, que começou a navegar em 2019.
Parte da frota da Scenic Luxury Cruises & Tours, foi projetado pelo australiano Glen Moroney - com direito todas as cabines com varanda e mordomo dedicado, minissubmarino e dois helicópteros próprios a bordo - para que seus amigos "não milionários pudessem se sentir milionários por uma semana".
O sucesso da empreitada não apenas gerou novos negócios para a armadora (lançam neste 2023 o Scenic Eclipse II), mas também acendeu a chama para grandes grupos hoteleiros que resolveram buscar uma fatia desse promissor nicho.
"O Scenic Eclipse surgiu para atuar em um nicho de mercado completamente novo e a hotelaria não quis ficar para trás", diz Ricardo Alves, diretor-executivo da Velle Representações, representante no Brasil de diversas armadoras de cruzeiros de alto padrão. Alves acredita que os novos iates das grandes marcas hoteleiras vão colaborar para a evolução do nicho.
Donna MacNamara, vice-presidente e líder global de marca The Ritz-Carlton, a primeira das grandes redes a investir no nicho, disse ao NeoFeed que encontraram “uma abertura no mercado de cruzeiros de luxo” e permitir que hóspedes possam "experimentar a marca" de hotelaria de "uma maneira nova".
Mar aberto e rio acima
Apesar de novos no mercado, esses iates devem começar suas operações com algumas vantagens: uma ampla lista de potenciais cruzeiristas (seus hóspedes mais fiéis) e a facilidade de associar seus itinerários marítimos com estadias pré e pós-cruzeiro em seus próprios hotéis - a exemplo do que a Belmond já faz há muito tempo com seus trens.
Só na região de Fort Lauderdale, Flórida, por exemplo, ponto de partida de diversos cruzeiros do novo iate da Ritz-Carlton, a bandeira possui nada menos que cinco hotéis.
A Ritz-Carlton Yacht Collection, joint venture da Marriott International, Oaktree Capital e The Yacht Portfolio, foi a pioneira do setor e seu Evrima, com 149 suítes e 623 pés, já começou a navegar no fim de 2022.
Com valores a partir de US$ 5,1 mil por pessoa em itinerários pelo Caribe, oferece excursões privativas, spa com produtos ESPA e 111SKIN, gastronomia estrelada, espaço Ritz Kids para famílias e até suítes duplex.
O grupo prevê ainda o lançamento de outros dois iates - Ilma e Luminara, para 456 passageiros cada -, com entregas programadas para 2024 e 2025, e que ficarão disponíveis também para charters.
A Aman Resorts lançou o projeto Aman Sama (joint venture com a Cruise Saudi, que tem o Fundo de Investimento Público da Arabia Saudita como shareholder), com apenas 50 suítes e itinerários focados em saúde e bem-estar. A embarcação de 600 pés promete trazer dois helipads, diferentes restaurantes, Aman Spa, um enorme beach club e o primeiro jardim japonês dos mares.
A Belmond inaugura neste primeiro semestre de 2023 o Coquelicot, a Belmond Boat, uma luxuosa embarcação de apenas três suítes que emergiu após uma reforma completa no barco Hirondelle, de 1928. Com apelo fluvial, terá roteiros a partir de US$ 81,5 mil por semana para até seis pessoas navegando juntas. O foco será a região de Champagne, incluindo uma parceria inédita com a Maison Ruinart em suas viagens.
O grupo Four Seasons, que já tinha levado a hospitalidade para além da hotelaria com seu Four Seasons Jet, se uniu agora à gigante Marc-Henry Cruise Holding para lançar uma embarcação de 679 pés.
À bordo, serão até 11 oportunidades gastronômicas, piscina, beach club, base para variados esportes aquáticos e 95 luxuosas suítes que poderão ser conectadas e transformadas em imensos apartamentos em alto mar (grandes famílias poderão inclusive reservar um deck inteiro somente para elas).
O projeto inclui a opção de dois iates adicionais e promete quase 50% mais espaço por viajante e proporção de funcionários por hóspedes maior que qualquer outro cruzeiro de ultra luxo em operação.
Vale lembrar que, na contramão dos navios e iates de ultra luxo que operam atualmente, a maioria das embarcações projetadas pelas grandes redes hoteleiras não operará em sistema tudo incluído.