Em 1968, Andy Warhol (1928-1987) profetizou que todos teriam direito aos seus 15 minutos de fama no futuro. Para entender como pensava e vivia o artista de vanguarda que abraçou a cultura popular, deixando a arte mais acessível, a Netflix apresenta “The Andy Warhol Diaries”.
Com estreia em 9 de março, a série documental de seis episódios resgata os relatos que Warhol fez à escritora Pat Hackett, de 1976 até a sua morte. Sua voz foi recriada por inteligência artificial para narrar as passagens do livro que ela publicou em 1989, “Diários de Andy Warhol”, lançado no Brasil pela L&PM Editores.
É uma janela para a mente do artista, responsável por criar uma autoimagem que era tão importante quanto os trabalhos que realizava. A série já começa com a citação que resumia o seu modo de ver a mecanização da sociedade, algo sempre refletido em seu trabalho: “Máquinas têm menos problemas. Eu gostaria de ser uma delas. Você não?”.
A ideia do programa é acompanhar o dia a dia do artista, um dos ícones da Pop Art. O movimento iniciado nos anos 1950 procurava aproximar a arte e o cotidiano, apresentando trabalhos relacionados à produção em grande escala, como se fossem fabricados em série, ou ligados aos meios de comunicação de massa, como campanhas de publicidade ou programas de televisão.
O exemplo mais emblemático é a série de pinturas “Campbell’s Soup Cans” (1962), uma prova da sua fascinação pela cultura do consumo. Na série, o irmão do artista, John Warhola, conta que a obra que evoca o conceito de produção em massa foi inspirada na comida preferida de Warhol na infância: sopa de tomate com sanduíche de queijo. “Na hora em que a vida acontece, não há muito significado, até que isso se torne uma memória”, conta Warhol, nos diários.
O que se vê aqui é um registro amplo de sua vida, com detalhes sobre vários aspectos, incluindo o que ele comia, o que conversava com os amigos e também com quem ele se relacionava romanticamente. Mas nada muito explícito com relação aos namorados, abordando apenas o modo como o artista se sentia.
Como Warhol telefonava para Pat todas as manhãs, para contar o que tinha acontecido no dia anterior, tudo dá uma ideia de como era a sua vida, além de oferecer a sua visão do mundo e da própria arte. E nas palavras do próprio.
Muitos dos relatos correspondem ao que ele fazia na noite de Nova York, quase sempre na companhia de figuras da cena artística e também gay. “Estou cansado de pessoas elegantes. Só quero estar com os jovens”, conta aqui o artista, que era conhecido por um estilo nada convencional. Ele ainda era fascinado por celebridades (de preferência, jovens) e pela energia erótica da juventude.
“Andy Warhol era obcecado por famosos, pela fama e pelas diferentes qualidades e hierarquias desse meio. Ele teria amado os dias de hoje por causa do show de horrores que é a cultura contemporânea”, diz o ator Rob Lowe, na série.
O ator conheceu o artista em 1983, quando foi entrevistado para a “Interview”, revista com revelações íntimas de celebridades, intelectuais ou milionários fundada por Warhol, em 1969. Na época, a publicação era a que melhor dava ao leitor a sensação de proximidade com o entrevistado, um modelo que muitas revistas copiaram depois.
“O que amo na arte de Andy é o fato de não ser só a pintura. Era uma noção ampliada do que o artista poderia ser, do que uma figura cultural poderia ser. Assim, Andy não criava apenas arte. Criava uma cultura contemporânea”, afirma o galerista Jeffrey Deitch.
Vários outros amigos e profissionais do mundo da arte e do entretenimento também dão depoimentos. Entre eles estão a modelo Jerry Hall, a cantora Debbie Harry e a atriz Mariel Hemingway, que tiveram seus retratos pintados por Warhol, a partir de fotografias de polaroides impressas. A mesma técnica foi empregada no célebre quadro de Marilyn Monroe (1962), em uma homenagem póstuma.
Os testemunhos gravados para a série produzida por Ryan Murphy e dirigida por Andrew Rossi ajudam a entender o artista e, consequentemente, o seu trabalho. Até porque Warhol gostava de criar muito mistério sobre si mesmo, respondendo laconicamente aos jornalistas que o entrevistavam.
Inicialmente, o artista dava a impressão de ser assexual, encorajando todos a pensarem o mesmo. Mas os relatos revelam que ele era gay, ao falar apaixonadamente nos seus diários do designer de interiores Jed Johnson, do executivo da Paramount Pictures Jon Gould e do pintor Jean-Michel Basquiat.
“Existia algo sobre Warhol que ele queria esconder. Mas nos diários há momentos em que ele para de encenar, dando pistas de relacionamentos íntimos e paixões”, diz Jessica Beck, curadora do museu The Andy Warhol. “Acho que a biografia do artista é importante para o entendimento de sua arte porque a intimidade e a singularidade estão sempre presentes em seu trabalho.”
Nos diários, há divagações do próprio artista sobre o que a sua obra representava. “Você se transforma em um negócio. E tudo deixa de ser só diversão. Daí você se pergunta: o que é a arte? É algo que sai de dentro de você? Ou é só um produto?”, questiona Warhol aqui, aparentemente sem se dar conta de que seria eternizado como um dos artistas mais influentes do século 20.