Em meio a recuperação judicial da Americanas, com dívidas de R$ 43 bilhões e inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões, a pergunta do mercado é: como uma cifra bilionária passou sem ser notada por auditoria, diretoria e o conselho de administração por tanto tempo?
No meio desses questionamentos, o trio do 3G, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, que controlaram a varejista por muitas décadas e hoje são acionistas de referência com aproximadamente 30%, também estão sendo questionados sobre as práticas contábeis da varejista e como não notaram o rombo.
Agora, pela primeira vez, em nota, o trio se manifesta sobre o caso. “Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal”, diz um trecho da nota assinada por Lemann, Sicupira e Telles.
Os três estavam sendo pressionados pelos bancos credores da Americanas a botar dinheiro em uma capitalização da empresa. Nas negociações, o trio do 3G indicou que colocaria R$ 6 bilhões na empresa. Os bancos acreditavam ser necessário mais de R$ 10 bilhões.
Diante do impasse – e de decisões da Justiça a favor dos bancos que foram bloqueando o acesso a recursos pela Americanas – a companhia pediu recuperação judicial.
A nota, no entanto, adota um tom genérico e não responde a algumas das principais perguntas sobre o caso. Entre elas: como não conseguiram enxergar um rombo por tanto tempo que o novo CEO, Sergio Rial, conseguiu descobrir em apenas nove dias?
Sobre os prejuízos de credores e investidores, a nota diz que o trio lamenta as perdas sofridas e que eles, como acionistas, também sofreram prejuízos.
Em outro trecho, dizem que vão trabalhar para recuperar a empresa com a “maior brevidade possível”. Mas um processo de recuperação judicial é longo e envolve negociações difíceis com os credores. A Oi, uma das maiores recuperações judiciais do país, demorou seis anos até sair de sua RJ.
Do trio, Sicupira era a pessoa que estava no dia a dia da Americanas e designou homens de sua confiança para tocar a empresa. Miguel Gutierrez, por exemplo, CEO da varejista por 20 anos – ele trabalhou na empresa por 30 anos.
De acordo com uma reportagem publicada pelo NeoFeed, que traçou um perfil de Gutierrez, fontes disseram que ele não fazia nada sem consultar Sicupira, conhecido como Beto. “Eles não faziam nada sem o OK do Beto”, diz uma pessoa que trabalhou com o ex-CEO da Americanas. “Presenciei inúmeras situações que, antes de tomar uma decisão, eles consultavam o Beto.”
Confira a íntegra da nota:
No dia 11 de janeiro de 2023, por meio de “fato relevante”, a Americanas S.A. tornou pública a existência de significativas inconsistências em sua contabilidade. Desde então, sempre com transparência e imediatismo, vários esforços vêm sendo feitos para o correto tratamento dos desafios que hoje se colocam à empresa. Usamos dessa mesma clareza para esclarecer de modo categórico e a bem da verdade que:
1) Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal. Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo, gerando empregos, construindo negócios e contribuindo para o desenvolvimento do país.
2) A Americanas é uma empresa centenária e nos últimos 20 anos foi administrada por executivos considerados qualificados e de reputação ilibada.
3) Contávamos com uma das maiores e mais conceituadas empresas de auditoria independente do mundo, a PwC. Ela, por sua vez, fez uso regular de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas, incluindo os bancos que mantinham operações com a empresa. Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade.
4) Portanto, assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto.
5) O comitê independente da companhia terá todas as condições de apurar os fatos que redundaram nas inconsistências contábeis, bem como de avaliar a eventual quebra de simetria no diálogo entre os auditores e as instituições financeiras.
6) Manifestamos mais uma vez nosso compromisso de integral transparência e de total colaboração em tudo que estiver ao nosso alcance para esclarecer todos os fatos e suas circunstâncias.
7) Lamentamos profundamente as perdas sofridas pelos investidores e credores, lembrando que, como acionistas, fomos alcançados por prejuízos.
8) Reafirmamos o nosso empenho em trabalhar pela recuperação da empresa, com a maior brevidade possível, focados em garantir um futuro promissor para a empresa, seus milhares de empregados, parceiros e investidores e em chegar a um bom entendimento com os credores.