No final dos anos 1970 e começo dos 1980, Hugh Hefner, o fundador da revista “Playboy”, se dedicava quase que unicamente ao seu esporte predileto: o hedonismo. A edição mensal da publicação masculina, alicerce do seu império erótico, era criada praticamente na sua cama.
É o que conta Stefan Tetenbaum no livro de memórias “The Dark Secrets of Playboy”, que acaba de ser lançado em inglês como e-book na Amazon, para leitura no Kindle (R$ 24,99). De 1978 a 1981, o autor foi mordomo na Playboy Mansion, o icônico imóvel de 29 cômodos povoado pelas coelhinhas da revista seminuas.
“A rotina de Hefner raramente mudava. Sexo. Assistir a cenas de sexo. E criar a ‘Playboy’ do próximo mês na sua cama”, conta Tetenbaum, hoje na faixa dos 80 anos, no livro. “Era no seu quarto que Hef (como o empresário era chamado pelos mais íntimos) recebia os artigos e as fotos de Chicago (cidade sede da revista) para a edição do material”, completa ele.
As tarefas do mordomo incluíam abastecer os aposentos de Hefner de Pepsis e M&Ms – diariamente, ele bebia cerca de 40 refrigerantes e consumia mais de um quilo da guloseima. Seu trabalho também consistia em recolher todos os brinquedos sexuais usados pelo patrão no quarto, como dildos, clipes de mamilo e chicotes, e levá-los para a higienização.
Mas nada impedia que Tetenbaum presenciasse algumas reuniões editoriais mensais da revista, que foi a primeira a apresentar nudez feminina e conteúdo sexual dentro de um conceito editorial mais sofisticado.
Fundada em 1953 e símbolo da revolução sexual que viria depois, no início da década de 1970, a publicação até hoje é uma das marcas mais conhecidas do mundo, representada pela cabeça de um coelho usando gravata borboleta de smoking.
As reuniões que Tetenbaum acompanhou duravam longas horas e, por vezes, levavam mais de um dia. Quando elas envolviam muitos funcionários, passavam do quarto de Hefner para a sala de jantar da mansão, onde as edições das revistas concorrentes eram colocadas à mostra – como a “Penthouse”, criada em 1965, para bater de frente com a “Playboy”.
Caixas de luz eram trazidas para que Hefner avaliasse sobre elas os slides com as imagens das mulheres nuas que incendiariam a imaginação masculina na próxima edição. Havia sempre grande expectativa para a escolha da Playmate de cada mês – quando os editores se desesperavam para encontrarem a garota certa e, assim, ganharem crédito com o chefão.
“Havia uma generosa taxa de descoberta, de US$ 25 mil, além de presentes adicionais, se a garota trazida entrasse para o harém (as mulheres que Hefner mantinha na mansão, localizada nas colinas de Los Angeles)”, recorda Tenenbaum, no livro.
Em uma dessas reuniões da revista, quando Hefner analisava as fotografias, o mordomo conta que o chefe pediu a seus assistentes “um pouco mais de cor nos mamilos” de uma das modelos. “E essa cicatriz, precisamos nos livrar dela”, dizia Hefner, com um cachimbo na boca, conforme Tetenbaum escreve em suas memórias.
“Essa foto aqui não vai funcionar. Não queremos que os pelos pubianos da garota pareçam fritos, como palhas de aço da Brillo (marca americana). Fotografem de novo”, mandava ele, enquanto seus assistentes tomavam nota de tudo.
Quando Tetenbaum trabalhou para Hefner, a “Playboy” já não era a mesma. Em 1972, ano de compra da mansão, por exemplo, a revista tinha alcançado com uma única edição o recorde de mais de sete milhões de cópias vendidas nos EUA.
“Eram muitos os esforços para criar a revista mais popular e manter as garotas mais bonitas do mundo em sua empresa. As vendas da revista Playboy estavam em declínio”, conta o ex-mordomo.
Muitas vezes, Tetenbaum acompanhava de perto o trabalho de Hefner para ter as belas mulheres na revista. O fundador era a alma da publicação, que apostava na imagem do homem “bon vivant” (baseada no próprio Hefner) e tratava o sexo feminino como mercadoria.
“Há anos, Hef era quem dirigia os fotógrafos, além de pedir aos mesmos os retoques posteriores, sempre em busca da perfeição”, diz, lembrando que o patrão era também quem escolhia o tamanho dos implantes das modelos, assim como o corte de cabelo e a cor.
Novas garotas sempre chegavam à mansão, vindas de todas as partes do mundo. “A cada mês, um novo grupo de potenciais Playmates era trazido para a apreciação profissional de Hefner e, posteriormente, para o seu prazer sexual”, recorda o ex-mordomo. “Hef tinha sempre a última palavra no que dizia respeito à revista.”
Conforme o relato de Tetenbaum, uma boa parte da seleção das mulheres era feita pelo correio, por Mary O’Connor, a secretária pessoal e confidente de Hefner. “Ela recebia as fotos por correspondência e escolhia as meninas mais bonitas, fazendo uma pasta para Hef. Ele marcava as favoritas do lote para que Mary organizasse suas vindas, com telefonemas e passagens aéreas. Uma limusine sempre as esperava no aeroporto de Los Angeles”, lembra.
O livro de Tetenbaum também inclui denúncias de abusos, incluindo estupros, praticado por Hefner com as candidatas a Playmates. Isso explica o ex-mordomo só ter publicado o livro agora, depois da morte Hefner, em 2017, aos 91 anos. “Como as pessoas envolvidas ainda estavam vivas, os departamentos legais das editoras sempre o recusavam”, conta Tetenbaum.
Pelo tempo de convivência com Hefner, o ex-mordomo o define como um “intelectual muito bem-educado e um amante da boa vida e das mulheres bonitas”. “Ele se considerava um artista e não um homem de negócios, como os demais da empresa”, diz, referindo-se aos membros do conselho administrativo da Playboy Enterprises. Na época, a companhia incluía clubes, resorts e cassinos. “Nenhum deles tinha a sua sensibilidade criativa”, destaca.