A jogada arriscada do governo federal de tentar elevar a arrecadação aumentando a taxação de papéis do mercado financeiro, em especial as debêntures incentivadas, por meio da Medida Provisória (MP) 1.303/2025, baixada em junho deste ano, se transformou na terça-feira, 23 de setembro, num impasse político no Congresso Nacional.

A MP foi sugerida pelo Ministério da Fazenda como alternativa ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Além das debêntures incentivadas, a MP eleva a tributação de outros papéis, como as LCAs (Letra de Crédito do Agronegócio) e LCIs (Letra de Crédito Imobiliário), os CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) e de fundos de investimento, como FIIs, Fi-Infra e Fiagros.

A reação negativa à elevação de tributos das debêntures por parte de outras pastas setoriais dentro do governo Lula e do mercado de infraestrutura – que usam as emissões de debêntures como maior fonte de financiamento de longo prazo para concessões e obras de infraestrutura – já havia levado o relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a prometer mudanças.

As alterações anunciadas à tarde, porém, não resolveram o impasse. Zarattini propôs um aumento da alíquota da tributação das LCAs e das LCIs, de 5% originalmente previstos para 7,5%, e a manutenção da isenção de Imposto de Renda (IR) sobre os demais investimentos, como as debêntures incentivadas, os CRIs e os CRAs.

O objetivo era obter alguma compensação pelas isenções, mantendo a taxação ao menos das LCAs e LCIs, que têm maior potencial de arrecadação.

O NeoFeed apurou que a bancada do agronegócio na Câmara dos Deputados, como era esperado, avisou Zarattini que vai indicar a derrubada do relatório na reunião de quarta-feira, 24 de setembro.

“O deputado Zarattini ficou de indicar uma solução, mas do jeito que está, não vejo chance de esse acordo ser fechado”, afirmou um integrante da bancada do agro, que preferiu não se identificar. “Não aceitamos nem a tributação de 5% prevista originalmente pela MP, queremos isenção para todos os papéis.”

A expectativa era que o relatório fosse apresentado nesta terça-feira, na comissão mista do Congresso Nacional. No entanto, a pedido do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a apresentação foi adiada para que o texto pudesse ser discutido durante a reunião de líderes da tarde.

Na véspera, o governo tentava negociar a elevação da alíquota para 7,5% apenas sobre LCI, LCA e também sobre LCDs (Letras de Crédito do Desenvolvimento), emitidas pelo BNDES. Em contrapartida, continuariam isentos de IR os CRI, CRA, FII (Fundos de Investimento Imobiliário) e Fiagro (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio).

Aparentemente, a oferta foi rejeitada e só depois Zarattini anunciou uma nova proposta, que também acabou recusada.

A mobilização do setor de infraestrutura foi fundamental para esse novo tropeço do governo. O texto original da MP previa que, a partir de 2026, debêntures incentivadas não ofereceriam mais isenção de imposto de renda ao investidor pessoa física, que passaria a ser tributado em 5% – mesma regra prevista para os outros títulos hoje isentos (LCA, LCI e os CRAs).

Já a alíquota de Imposto de Renda para empresas que investem em debêntures incentivadas – que emitem 90% desses papéis – aumentaria de 15% para 25%.

Um estudo da consultoria Pezco Economics estima que a manutenção da MP original geraria uma queda de 50% nas emissões de debêntures já a partir do ano que vem. De acordo com o estudo, o Tesouro Nacional teria de aportar R$ 335 bilhões no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) até 2030 para suprir a perda de recursos privados no setor de infraestrutura.

Migração de mercado

Com a resolução do impasse adiada, o mercado financeiro pelo menos respirou aliviado com a perspectiva de que a taxação das debêntures incentivadas não ocorrerá.

“Mantendo a isenção das debêntures e dos outros papéis, como CRIs e CRAs, o mercado de obras de infraestrutura, especificamente, perde aquele temor que estava sentindo, detectamos até recuos de emissões de debêntures após a edição da MP”, afirma Ewerton Henriques, sócio-diretor da SH Consultoria, que atua no mercado financeiro assessorando projetos de infraestrutura.

Segundo ele, alguns projetos de infraestrutura que têm ligação com questões imobiliárias ou projetos de energia fotovoltaica, por exemplo, utilizam mecanismos de CRI para financiamento. Portanto, manter a isenção desses componentes ajuda muito.

Analisando apenas a proposta apresentada por Zarattini – que deve ser alterada –, Henriques adverte que a tendência seria de grande mudança na movimentação desses títulos no mercado.

“Em tese, tenderia a concentrar muito mais agora nesses três papéis que se mantiveram isentos, não só a infraestrutura, até para outros investimentos”, diz.

Isso porque aumentar a taxação de LCAs e LCIs, com certeza, vai dificultar a captação de recursos utilizando essas fontes. “Mas mantendo o CRI e o CRA, há uma tendência de deslocamento do que é possível, que é emitir LCI e LCA para o CRI”, afirma.

Na prática, prossegue ele, haveria uma tendência de movimentação dessas letras para os títulos de crédito. Henriques argumenta que são componentes diferentes, com amarrações diferentes de financiamento. Mas, se os estruturadores estão de olho, possivelmente tentarão migrar de um para o outro.

“É um efeito indireto, porque tanto a LCI quanto a LCA são letras de crédito imobiliário, emitidas por bancos. Então, o banco capta o recurso através de LCI e LCA, utiliza o fundo garantidor como âncora da operação e empresta para a ponta final”, afirma.

Como resultado, automaticamente, vai encarecer o financiamento bancário e imobiliário e agrícola – o que explica a resistência da bancada do agro. “O efeito disso é a tendência de esses agentes saírem do mercado bancário em direção ao mercado financeiro, por meio dos CRIs e dos CRAs.”