O Banco Central (BC) manteve a taxa Selic inalterada em 15% pela quarta reunião consecutiva no último encontro do Copom de 2025, na segunda semana de dezembro. Mas o patamar de juros — o maior em 20 anos — não deve durar por muito tempo, segundo as projeções da Legacy Capital.
A gestora, que é uma das referências no mercado de renda fixa, com mais de R$ 16 bilhões sob gestão, aposta que os cortes de juros terão início já na próxima reunião, em janeiro de 2026.
“A inflação está caindo de cabeça. Se não cortar muito rápido agora, o BC começa a apertar a política monetária mesmo sem fazer nada”, afirma Gustavo Pessoa, head de renda fixa e cofundador da Legacy.
A projeção da casa é de que, com a inflação convergindo para a meta, há espaço para a Selic cair “facilmente” 300 basis points (três pontos percentuais). “Depois, vai depender mais de quem vai ganhar a eleição”, projeta.
A vitória de um candidato à direita, avalia Pessoa, pode favorecer cortes mais agressivos. Mas pouco disso está nos preços. O cofundador da Legacy estima que, com Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, o juro real neutro do Brasil poderia cair de 8% para 3%.
“O Tarcísio não é candidato e ninguém crê que o [senador] Flávio Bolsonaro será candidato. O único candidato crível para ganhar do [presidente] Lula, aos nossos olhos, é o Tarcísio.”
Com poucas certezas sobre o futuro das eleições, Pessoa crê que o melhor ativo para se ter no Brasil sejam os títulos do governo indexados à inflação, as NTN-Bs. “Com Lula, as inflações implícitas provavelmente vão subir e aí você está mais protegido nas NTN-Bs. E, se for o caso de Tarcísio, acho que o juro real fecha demais.”
O menor ritmo de emissões e o ciclo de afrouxamento monetário, segundo Pessoa, também devem favorecer a valorização desses títulos no ano que vem. “Geralmente, em cenário de queda de juros, as NTN-Bs são o melhor ativo para se ter”, diz. “Acreditamos que é o melhor ativo no Brasil.”
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista ao NeoFeed.

Como vê o cenário para 2026: há espaço para o fechamento das NTN-Bs?
Nas NTN-Bs houve dois fatores: o Tesouro Nacional passou a emitir mais e teve menor demanda por esses ativos, que passaram a concorrer com os títulos de infraestrutura. Então, teve uma forte abertura das taxas. E, com a inflação comportada, as NTN-Bs estão rodando abaixo da Selic, algo como 11%. Para o meio do ano que vem, o mercado já precifica a inflação abaixo de 3%. É um carrego muito ruim.
E esse cenário tende a mudar?
Acreditamos que as emissões privadas vão reduzir, assim como as do Tesouro, e que o Banco Central vai começar a cortar juros a partir de janeiro, o que melhora o carrego das NTN-Bs em relação ao CDI. Acreditamos que é o melhor ativo no Brasil.
Mesmo com o carrego ainda baixo, você acredita que é o melhor ativo para se ter, devido à reprecificação esperada para o ano que vem?
Geralmente, em cenário de queda de juros, as NTN-Bs são o melhor ativo para se ter. Elas já estão sendo negociadas abaixo do juro real e o mercado precifica inflação de 2,90% para o meio do ano que vem, então há pouco espaço para cair mais.
No Boletim Focus, as expectativas de inflação para o fim de 2026 estão acima de 4%. Esse número deve ser revisado para baixo?
Já está sendo revisado. Há uma resistência fora do normal, especialmente porque 2026 é um ano eleitoral. Então, estão reticentes em colocar que a inflação converge 100% para a meta, porque, se o resultado não for favorável, o prêmio de inflação pode subir muito. Se tiver uma eleição favorável, a inflação vai colar na meta muito rápido. Esse Focus descolado da meta é o prêmio de eleição.
Como deve ser o ciclo de cortes de juros do Banco Central?
A inflação está caindo de cabeça, de 4,70% [em outubro] para 2,90% [em meados do próximo ano]. Então, o Banco Central terá uma chance única para começar os cortes de juros. Se não cortar muito rápido agora, ele começa a apertar a política monetária mesmo sem fazer nada, devido ao efeito da desinflação.
"O BC terá uma chance única para começar os cortes de juros. Se não cortar muito rápido agora, ele começa a apertar a política monetária"
Há espaço para a expectativa de inflação cair ainda mais?
Daqui para frente, eu acho que as expectativas vão cair mais lentamente, porque as pessoas vão continuar colocando um risco eleitoral nas projeções. Será difícil ancorar as expectativas.
Como avalia o risco eleitoral?
Com a dívida muito alta, a dinâmica fiscal à frente é crucial para definir o que vai acontecer. O mercado não vai gostar se o Lula for eleito e vai precificar uma inflação maior e um fiscal mais fora de controle. Se for alguém do campo da direita, mais responsável fiscalmente, o mercado vai acreditar em um ajuste fiscal e que a inflação continuará baixa. O juro real neutro talvez seja 8% com o Lula. Com o Tarcísio, pode ser 3%. Quando coloca isso na trajetória da dívida, muda tudo.
O quanto desse cenário positivo está no preço?
Está pouco no preço. O Tarcísio não é candidato e ninguém crê que o Flávio Bolsonaro será candidato. O único candidato crível para ganhar do Lula, aos nossos olhos, é o Tarcísio. As simulações de algum Bolsonaro contra o Lula, todos perdem feio. Se vier o Flávio como candidato dos Bolsonaro, ele vai para o segundo turno, mas perde feio depois. Acho muito difícil ele conseguir reverter essa rejeição, que é até maior que a de Lula. Parece que ninguém está apoiando ele, nem mesmo o partido.
Uma não candidatura do Tarcísio pode fazer o mercado jogar a toalha, no sentido de uma piora de preço?
Acredito que sim. Mas o mercado continua acreditando que os Bolsonaro vão compor com o Tarcísio, com o Tarcísio sendo cabeça de chave. Eles, provavelmente, serão os mais prejudicados se perderem a eleição. Mas não tem como saber se a candidatura do Flávio é pensada ou só com o coração.
"O Lula perdeu o goodwill do mercado. O mercado quis acreditar que ele seria fiscalmente mais responsável. Mas o que aconteceu foram gastos desmedidos, com muito mais impostos"
Com Lula sendo eleito, o que deve ser esperado?
O Lula perdeu o goodwill do mercado. O mercado quis acreditar que ele seria fiscalmente mais responsável e que teria pessoas mais gabaritadas na Fazenda, com um plano fiscal crível. Mas o que aconteceu foram gastos desmedidos, com muito mais impostos. O mercado já não acredita que ele possa ser responsável. Em um novo mandato, seria muito difícil acreditar. Difícil até encontrar um nome para credibilizar o governo dele. Se não tiver a boa intenção do presidente, principalmente, é muito difícil que o Congresso passe qualquer coisa.
Apesar de tudo, a bolsa está indo bem, a inflação controlada e o desemprego em baixa.
Estamos surfando essa onda lá de fora. A inflação está baixa no mundo todo. Você olha os outros países emergentes, muito bem. Os outros países que não estão com o fiscal desarrumado como o nosso estão com os juros bem menores.
Era para estarmos muito melhor?
O Brasil era para estar super bem posicionado, mas a gente tem que fazer o dever de casa: tem que ajustar as contas públicas e ser mais amigável ao capital, ter mais previsibilidade tributária e setorial também.
No México, o juro está a 7%.
Então, você pega a trajetória, a história de dívida do Brasil esperada versus esses outros países emergentes: a gente está muito pior, muito, e isso condena o País. Todos os países, este ano, quase todos já cortaram os juros. Esse juro de 15% não existe.
"Todos os países, este ano, quase todos já cortaram os juros. Esse juro de 15% não existe"
Quando começa a cair?
Acho que o Brasil alguma hora vai cair essa ficha. A gente acha, inclusive, que é em janeiro que começa a cair. Tem espaço para cair 300 bps facilmente. Depois, vai depender mais de quem vai ganhar a eleição.
Com o real relativamente estável e esse patamar de juro real, imagino que o carry trade tem sido uma boa aposta no mercado. Quanto a queda de juros tira dessa atratividade?
O Brasil “alarma” como é o maior carrego do mundo. E, assim: se você pega carrego dividido pela volatilidade — que geralmente é a métrica usada — o Brasil salta mais ainda, porque a volatilidade do real também está super baixa. Mesmo com a queda da taxa de juros, seguirá muito alto em relação aos outros países.
Muito se fala dos efeitos sazonais no câmbio: que o fim do ano tende a favorecer a queda do real e o início a alta. Acredita que o real pode cair ainda mais no começo de 2026?
Tem tido um movimento muito grande de dividendos, por causa da mudança tributária para o ano que vem. Parte tem sido usada na compra de dólar para enviar para fora do País. Mas, quando começar o ano que vem, passa esse fluxo, e a safra tende a ser boa, o que alimenta o fluxo de dólar. Isso deve dar uma ancorada no real. Se a eleição ficar aí dividida, acho que o real continua bem ancorado, principalmente nesse mundo de dólar fraco.
Dado o risco eleitoral, as NTN-Bs são a melhor aposta?
Com Lula, as inflações implícitas provavelmente vão subir e aí você está mais protegido nas NTN-Bs. E, se for o caso de Tarcísio, acho que o juro real fecha demais. O juro real pode fechar muito mais do que abrir.
O que explica essa onda favorável de menor inflação no Brasil e no mundo?
Existem três vetores: dólar fraco, a China inundando o mundo de bens de consumo e a inteligência artificial. Isso está acontecendo especialmente nos Estados Unidos, mas o resto do mundo também começa a se beneficiar: produzir mais com a mesma mão de obra disponível. A IA vem sendo implementada de forma mais intensa nos Estados Unidos. Dá para ver claramente o mercado de trabalho americano perdendo dinamismo, desacelerando, com o desemprego subindo, mesmo com a economia indo bem.
A inteligência artificial pode tornar a taxa de desemprego estruturalmente mais alta?
O motorista de Uber, em algumas cidades com carros autônomos, tem que fazer outra coisa, então aparece mais oferta de mão de obra. E esse mercado de trabalho dos Estados Unidos, o desemprego está aumentando mesmo com menos imigrantes entrando no País. Muitos trabalhos vão ser impactados. Pode chegar a um ponto em que a gente vai ter mais inteligência artificial e menos mão de obra. É difícil saber qual vai ser esse mix para cada setor, para cada atividade.
A tendência é que tenha menos inflação nos próximos anos, então, pensando em nível global?
O que a gente vai fazer é aumentar a produtividade, aumentar a oferta, como se fosse uma mão de obra artificial relacionada a isso — serviços e produtos relacionados a isso.