Um inédito leilão ocorrido na quinta-feira, 13 de novembro, na B3, vencido pelo Consórcio Acqua Vias SP, liderado pela Internacional Marítima - empresa armadora maranhense que oferece serviços de apoio portuário, travessias e construção naval -, promete melhorar um serviço que sempre foi alvo de críticas dos paulistas pelas filas e longa demora: o de operação de balsas para transportes de veículos e passageiros no litoral, na região metropolitana e em Paraibuna.

Até hoje a cargo de empresas estatais, o Sistema de Travessias Hídricas no estado de São Paulo vai ganhar um novo modelo de gestão, por meio de uma parceria público-privada (PPP). A proposta vencedora ofereceu desconto de 12,6% - o maior sobre as contraprestações, ou seja, os pagamentos do poder público à operadora. Além da Internacional Marítima, o Consórcio Acqua Vias SP inclui a Rodonave Navegações, a Zetta Infraestrutura, a BK Consultoria e Serviço e a Innovia.

O leilão não teve disputa viva-voz, uma vez que a diferença entre o valor da proposta vencedora e das demais concorrentes ultrapassou 20%. A segunda colocada, Consórcio Travessias SP, ofereceu desconto de 8,1%, seguido da CS Infra (desconto de 5,53%) e Comporte Participações (desconto de 2,53%).

Com 20 anos de duração, a concessão prevê R$ 2,5 bilhões em investimentos nos próximos 20 anos nas 14 linhas de balsas do estado, que movimentam atualmente 11 milhões de passageiros e 10 milhões de veículos por ano. De acordo com o governo paulista, o sistema atende cerca de 40 mil pessoas por dia. A concessionária vai receber 20% da arrecadação das tarifas. Os outros 80% serão pagos pelo governo estadual.

O pacote inclui travessias consideradas estratégicas no litoral do estado, como Santos-Guarujá e São Sebastião-Ilhabela. Além disso, abrange o sistema de balsas da Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), que conta com três balsas para atender a região metropolitana de São Paulo (Bororé, Taquacetuba e João Basso) e o serviço de balsa no reservatório de Paraibuna, com três travessias na região do Vale do Paraíba: Porto Paraitinga, Porto Natividade da Serra e Porto Varginha.

Além da maior expectativa da população - a diminuição das filas nas balsas -, a PPP prevê a substituição da frota atual por 45 novas embarcações, das quais 41 terão motorização elétrica, além da construção e padronização de terminais com infraestrutura moderna, climatização, banheiros acessíveis e áreas de alimentação e informação.

O edital prevê que a concessionária reforce a frota em feriados e períodos de alta temporada, assegurando mais viagens e redução nas filas de espera.

Algumas novidades cercam a linha Santos-Guarujá - considerada a maior travessia marítima do mundo, com média diária superior a 20 mil veículos. Uma delas é a isenção de tarifa para os pedestres, o que não ocorre atualmente. Outra novidade é a estimativa do governo paulista de um aumento de 25% na capacidade operacional da linha, ampliando o número de balsas - hoje são 8 em operação.

O tempo de espera para a travessia deve reduzir ainda mais a partir de 2028, quando deverá ser inaugurado o túnel Santos-Guarujá, que deverá desafogar o uso das balsas. Com 1,5 quilômetro de extensão, o túnel reduzirá o tempo de travessia para cerca de 5 minutos - hoje a balsa leva cerca de 18 minutos quando não há filas.

Em discurso após o leilão, o governador Tarcísio de Freitas afirmou que o leilão de Travessias Hídricas foi mais desafiador para o governo estadual do que a do túnel Santos-Guarujá.

“O projeto é inédito e diferente, nunca tivemos concessão de serviço de balsas, sabíamos que o leilão do túnel Santos-Guarujá iria atrair investidores”, disse Tarcísio, comemorando o total de R$ 373 bilhões de investimentos contratados em todo o pipeline de concessões de infraestrutura do governo estadual na atual gestão.

Sobre a PPP de travessias hídricas, ele destacou os ganhos de sustentabilidade. “Teremos a conversão para embarcações elétricas de praticamente toda a frota, até agora saíamos defumados da balsa durante a travessia pelo cheiro do diesel, a experiência de viajar numa embarcação elétrica será parecida a de entrar num datacenter, um serviço silencioso e sustentável”, afirmou.

Novo marco

Leticia Queiroz, sócia do escritório Queiroz Maluf Reis Advogados, que participou da modelagem da disputa, diz que o leilão de travessias hídricas representa um marco na política de concessões do governo paulista.

"A forte concorrência nesse leilão, de um modal que nunca foi alvo de desestatização, é sinal de grande maturidade nos modelos regulatórios de transportes no estado de São Paulo, para torná-los cada vez mais eficientes para a sociedade e para o ambiente, já que serão utilizadas embarcações movidas à propulsão elétrica nas balsas”, afirmou a especialista.

Segundo ela, o projeto de concessão é o primeiro no Brasil a obter o selo Blue Dot Network, da OCDE, ainda na fase de estruturação, antes mesmo do leilão, um marco inédito na área de infraestrutura sustentável.

“O principal desafio é sempre o de viabilizar um projeto robusto, com a renovação da frota de embarcações, que agora será elétrica, mantendo a política tarifária atual, ou seja, melhorar a vida da população sem cobrar mais por isso”, acrescentou.

Queiroz observa que o Brasil é muito desenvolvido em modelos de negócios de concessões. “Por isso, não foram adotados modelos de negócios internacionais para formatar o edital, mas nos valemos de benchmarks internacionais para precificação das embarcações”, revelou.

Sobre o impacto da concessão na linha Santos-Guarujá quando o túnel submerso for inaugurado, Queiroz afirma que os estudos de demanda das travessias consideraram que haverá uma redução de tráfego das balsas quando o túnel entrar em operação: “Foi criado um mecanismo contratual para lidar com essa redução de demanda.”