Os péssimos indicadores da economia do Reino Unido estão levando analistas britânicos a temer pelo agravamento da crise causada pela inflação elevada e juros recordes, o que poderia levar ao surgimento de uma espiral estagflacionária – uma combinação de alta inflação e uma economia em recessão – seguida de um calote em massa no pagamento de hipotecas residenciais.
Em paralelo, a falta de resultados da política monetária do Banco da Inglaterra (BoE), o banco central britânico, em conter a inflação (que permanece acima da média dos países da zona do euro) acirrou o debate sobre os culpados pela situação. Entre os alvos, o próprio BoE e, claro, o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016.
O pessimismo geral entre os britânicos começou a ganhar corpo na quarta-feira, 21 de junho, com o anúncio da inflação de maio, que subiu 8,7% em relação ao ano anterior (mesmo índice de abril), frustrando as expectativas dos economistas – que apostavam num leve recuo.
No dia seguinte, novo choque. Embora um novo aumento da taxa de juros fosse esperado, a decisão do BoE de elevar os juros em 0,5 ponto percentual (pp) pegou os britânicos de surpresa. Nos 12 aumentos consecutivos anteriores, o BC britânico havia elevado a taxa em 0,25 pp.
Com inflação estacionada e os juros de 5% ao ano – os maiores em 15 anos –, o conjunto de indicadores mostra que a inflação está longe de uma trajetória de queda.
O núcleo do indicador, que exclui os preços de energia e alimentos, subiu para 7,1% no ano até maio, o ritmo mais rápido desde 1992. Embora em desaceleração desde o pico de outubro, quando chegou a 11%, a inflação segue acima de outros países do Primeiro Mundo.
Nos Estados Unidos, o Índice de Preços ao Consumidor subiu 4% em maio em relação ao ano anterior e, na zona do euro, a inflação média foi de 6,1% no mês passado para os 20 países da UE que usam a moeda.
O Federal Reserve, o BC dos EUA, interrompeu seus aumentos nas taxas de juros e os investidores estão apostando que o Banco Central Europeu (BCE) aumentará as taxas apenas mais uma ou duas vezes.
Na Grã-Bretanha, porém, a City de Londres acredita que o banco central será forçado a aumentar as taxas por mais tempo para acabar com a inflação. Fala-se até em juros a 6% no começo do próximo ano.
Impacto nas hipotecas
O anúncio dos juros rompendo a barreira dos 5% teve forte impacto sobre os 1,4 milhão de mutuários britânicos.
Pelo sistema em vigor no país, mutuários de hipotecas britânicas são capazes de fixar suas taxas de juros por apenas alguns anos de cada vez.
Como o BoE manteve as taxas de juros próximas de zero de fevereiro de 2009 a março de 2020, reduzindo-as ainda mais durante a pandemia de Covid, os mutuários seguiram pagando suas prestações sem prever novos aumentos.
Desde dezembro de 2021, quando os juros começaram a subir, o jogo mudou: juros mais altos começaram a incidir na prestação.
Para tranquilizar os mutuários, o governo fechou acordo com bancos e parte do setor imobiliário pelo qual os mutuários poderão fazer uma alteração temporária nos termos de suas hipotecas e, em seguida, poderão retornar ao acordo original em seis meses.
A solução, porém, passa pela queda dos juros – o que deve demorar mais que seis meses.
O risco de estagflação, por sua vez, é atribuído a uma consequência do Brexit – a escassez de mão-de-obra, agravada com a pandemia. Além de o Brexit tornar mais difícil para os cidadãos da UE irem trabalhar na Grã-Bretanha, a pandemia registrou um êxodo de meio milhão de trabalhadores do país.
Com isso, o desemprego atingiu um nível historicamente baixo de 3,8% em abril, de acordo com o Escritório de Estatísticas Nacionais, com o número de vagas em níveis recordes no ano passado.
A escassez de mão-de-obra cria pressão inflacionária, pois as empresas precisam competir mais oferecendo salários mais altos, principalmente em cargos mais elevados. O drama é que a maior falta de trabalhadores se situa em empregos sem qualificação, antes ocupados por não-britânicos.
“O Brexit está alimentando a crise do custo de vida da Grã-Bretanha”, afirmou o ex-vice-presidente do Banco da Inglaterra, Sir Charlie Bean, atribuindo ao mercado de trabalho apertado o aumento da inflação.
Mark Carney, ex-presidente do BoE, também culpou o Brexit pela inflação alta: “Houve outros choques econômicos ao mesmo tempo, como o aumento dos preços da energia após a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas o Brexit é uma parte 'única' do ajuste que levará anos para ser resolvido.”
O problema de fato é complexo. Pesquisadores da London School of Economics descobriram que a burocracia extra do Brexit poderia ter acrescentado 250 libras às contas de alimentação de uma família média entre dezembro de 2019 e março de 2023.