O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tentou esfriar a controvérsia com o governo federal sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), em tramitação no Congresso Nacional, que reclassifica o BC como uma empresa pública com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e, principalmente, financeira.

Em palestra na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na segunda-feira, 4 de março, na qual fez uma apresentação mostrando gráficos e resultados da trajetória da política monetária do BC desde a pandemia, Campos Neto não tocou no tema da ampliação da autonomia.

Mas, ao ser questionado pelos conselheiros e convidados da ACSP, entre deputados e ex-parlamentares, o presidente do BC evitou se alongar sobre o tema.

“Trata-se de um tema técnico, não quero gerar ruído com a imprensa”, disse Campos Neto. “Cerca de 90% dos bancos centrais do mundo que são autônomos também têm autonomia financeira.”

Campos Neto admitiu, porém, que a autonomia financeira é importante para ajudar a melhorar o plano de carreira do corpo técnico do banco. “Precisamos tirar o BC do orçamento da União para fazer melhores entregas para a sociedade”, assegurou.

A polêmica em torno da PEC ganhou corpo no final da semana passada, causando reação entre os membros do governo Luiz Inácio Lula da Silva, afetando até o diálogo direto entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o presidente do BC.

Na sexta-feira, 1º de março, Campos Neto assegurou ter conversado com Haddad sobre a PEC. "Eu tentei dar conforto para ele, que o BC tem flexibilidade, que a gente pode discutir, que nada vai ser feito à revelia", disse ele, em entrevista publicada sábado pelo jornal Folha de S.Paulo. “A PEC é um início de debate, um esqueleto, que pode ser aprimorada, mudada", acrescentou.

No final de semana, a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), alimentou a discussão ao fazer um post na rede social X (ex-Twitter), afirmando que a proposta visa "submeter o Brasil a uma ditadura monetária".

Temores

A proposta da PEC causa dois temores ao governo. Um deles é que a mudança no BC abra uma exceção para outros órgãos públicos buscarem o mesmo tipo de autonomia — o que pode criar diferentes orçamentos paralelos e reduzir o controle do governo sobre a gestão pública.

Há também receio de que a PEC seja alterada na tramitação, dando aos senadores maior poder na escolha dos nomes para as diretorias do BC, tirando poder do Executivo. Essa possibilidade, porém, é afastada por defensores da PEC. Nos países onde o BC tem autonomia orçamentária, isso não acontece.

A proposta prevê o uso de receitas da chamada senhoriagem para o financiamento de suas despesas. Senhoriagem é o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros.

O relator da PEC, Plínio Valério (PSDB-AM), nega que vá incluir no seu relatório poder para o Senado indicar a diretoria do BC ou tirar qualquer atribuição do governo na relação com o órgão. Valério disse no final de semana que a PEC prevê um gatilho para permitir que o próprio BC tenha poder para definir plano de carreira e reajustes dos funcionários da instituição.

Campos Neto tem enfatizado sua preocupação em manter o corpo técnico do BC, afirmando que muitos deles têm escolhido ir para o mundo privado, atraídos por remunerações melhores, citando inclusive um movimento de devolução de cargos de comissão.

Na palestra da ACSP, Campos Neto defendeu a PEC como uma ferramenta para fortalecer o BC e seu quadro de funcionários.

“Com nossas iniciativas digitais, como ampliação do PIX e introdução do Drex (moeda digital), precisamos de um corpo técnico qualificado e de capacidade comparável ao mundo privado”, disse.