A política fiscal do governo federal em 2026 deverá permanecer expansionista até a eleição, sustentando o crescimento econômico em torno de 2%.
Apesar de o quadro fiscal permanecer insuficiente para garantir a sustentabilidade da dívida pública, os candidatos presidenciais tendem a evitar discutir o tema durante a campanha eleitoral, o que deve empurrar um ajuste fiscal mais profundo apenas para 2027.
Essas e outras previsões para 2026, incluindo a queda dos juros e as perspectivas para a economia dos Estados Unidos, foram debatidas por Fabio Kanczuk e Jeferson Bittencourt, especialistas em macroeconomia do ASA, nesta terça-feira, 16 de dezembro, em conversa com os jornalistas.
Bittencourt, head de macroeconomia do ASA, acredita que o ambiente político polarizado deverá criar um clima desfavorável para uma ampla discussão sobre ajuste fiscal pelos candidatos presidenciais.
“Entendo que a eleição de 2026 será similar à de 2022, com chance praticamente nula de os candidatos entrarem num debate que tende a lhes desgastar, ou seja, assumirem um compromisso de ajuste fiscal do tamanho que o País precisa”, diz Bittencourt, acrescentando que, seja quem for eleito, só irá se preocupar em fazer ajustes a partir de 2027.
Ele cita o caso do compromisso de gratuidade do transporte público já sugerido pelo atual governo, que não deve ser implementado até a eleição. “Adotar agora essa medida traria uma dificuldade adicional para implementar um ajuste fiscal, que está nas previsões do mercado apenas para 2027”, diz.
De acordo com Bittencourt, o atual governo se antecipou aos problemas enfrentados pela gestão anterior, de Jair Bolsonaro, que anunciou programas na reta final de campanha que acabaram gerando questionamentos em relação à própria limitação da lei eleitoral, como o auxílio a caminhoneiros e a taxistas.
Desta vez, segundo ele, o governo Lula criou um pipeline de anúncios semelhante ao de uma linha de produção. “Em janeiro, começa a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, depois virá o novo Vale-Gás, haverá uma eventual ampliação do Programa Pé-de-Meia e o projeto Desenrola para pessoas jurídicas, enfim, uma série de anúncios compatíveis com o patamar de aprovação do governo e sem ferir a lei eleitoral”, diz.
Já Kanczuk, diretor de macroeconomia do ASA e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, abordou de forma aprofundada a política monetária do BC e tendência do início do ciclo de queda de juros já em janeiro.
Segundo ele, o BC já abriu caminho para começar a cortar os juros ao retirar todas as amarras em seus últimos comunicados para permitir essa flexibilização.
Entre elas, está a troca da expressão que justificava o juro alto por um período “bastante prolongado” pela expressão “em curso” – saída para se referir ao período "que já passou" e não ao "futuro". Outro trava retirada foi a flexibilidade da convergência da inflação para a meta de 3%, sinalizando a projeção de inflação do BC no horizonte relevante, que caiu de 3,3% para 3,2%.
“Ao retirar essas amarras, tanto do texto quanto das projeções, o BC ficou livre para cortar juros”, afirma Kanczuk, acrescentando que a data de início dos cortes vai depender da análise de dados.
Mesmo assim, o ASA prevê o início do ciclo de corte da Selic já em janeiro, com 0,25 ponto percentual (p.p.), acelerando para 0,50 p.p. em março. O início em janeiro é atribuído ao cenário mais calmo, com dólar abaixo de R$ 5,40. A estimativa é que a Selic encerre 2026 em 11,50%.
Kanczuk observa que a política monetária do BC já opera em terreno contracionista. No entanto, afirma que esse efeito demorou a chegar.
“A política monetária só se tornou contracionista em março, quando a taxa de juro real chegou em 8%, ou seja, se a economia desacelerou drasticamente nos últimos três anos, mesmo com juros nominais altos, comprova que o juro neutro deveria mesmo ser de 8% e não de 5%”, ressalta, referindo-se ao juro neutro mais baixo necessário estimado pelo BC.
Essa diferença se deve ao atual aumento dos gastos fiscais, o que faz com que a economia só entre em equilíbrio — sem elevar a inflação ou reduzir o crescimento do PIB — com uma taxa real significativamente maior do que o consenso de mercado.
Em relação à inflação, Kanczuk afirma que é preciso observar atentamente o cenário na segunda metade de 2026, que pode refletir uma política fiscal mais expansionista por causa da eleição.
“É necessário observar a assimetria dos riscos inflacionários: há muito mais chance de a inflação surpreender acima de 4,5% do que cair abaixo de 1,5%”, adverte, referindo-se ao limite das bandas de tolerância da meta de inflação.
Kanczuk também abordou as perspectivas para a economia americana em 2026. Ele projeta um crescimento do PIB de 2,5% em 2026, acima do consenso de 2%, puxado por uma política fiscal expansionista do governo Trump e forte investimento em IA, com risco de inflação acima de 3% e eventual bolha em ativos ligados à tecnologia.
“O efeito fiscal da "Big Beautiful Bill" de Trump (pacote legislativo aprovado em julho), com redução de impostos, deve impulsionar a economia no primeiro trimestre de 2026”, estima ele, citando ainda os efeitos no PIB da possível política de transferência de renda de Trump para combater o alto custo de vida.
Entre os riscos, cita o da inflação. “A expansão fiscal pode elevar a inflação acima de 3%, e há receio de que Trump domine o Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) ao trocar seu presidente, embora o ASA acredite que o comitê resistirá à pressão por corte de juros”, acrescenta. “A discussão sobre uma possível bolha no mercado de ações deve se intensificar no ano que vem”, conclui.