O Chile amanheceu ainda mais polarizado nesta segunda-feira, 17 de novembro, um dia após a definição do segundo turno da eleição presidencial – que terá, de um lado, a candidata comunista Jeanette Jara e, de outro, o ultraconservador José Antonio Kast.
Até a votação do segundo turno, marcada para 14 de dezembro, os dois candidatos devem discutir uma agenda de temas que inclui desemprego, aumento de criminalidade e da imigração ilegal - por sinal, esses dois últimos problemas recentes no Chile, um país considerado estável econômica e socialmente.
O Produto Interno Bruto cresceu cerca de 2,2% em 2024 e a inflação anualizada, depois de fechar 2024 em 4,5%, recuou para 3,4% em outubro de 2025. O desemprego, porém, que está em cerca de 9%, é a maior preocupação econômica dos chilenos.
Jara recebeu 27% dos votos no primeiro turno, contra 24% de Kast. Mas analistas chilenos acreditam que a disputa no segundo turno deverá ser equilibrada e até com leve favoritismo para Kast. O candidato ultraconservador já recebeu apoio de outros três candidatos de direita – incluindo o populista Franco Parisi, que obteve 19% dos votos no primeiro turno.
A possibilidade de Kast sair vencedor no segundo turno explica o fato de o índice da bolsa de valores IPSA ter subido 3,4% e o peso chileno registrar uma valorização de 1,8%, atingindo o nível mais forte em um ano.
A tendência, porém, é que a polarização política ultrapasse as fronteiras do país, tendo como pano de fundo a briga entre China e Estados Unidos por influência global.
A forma com que o vencedor ou a vencedora da disputa vai conduzir o país será acompanhada de perto pelas duas grandes potências, que estão de olho nas riquezas minerais do país andino – que detém cerca de 23% das reservas mundiais de cobre e responde por 25% da produção global de lítio.
Nessa área, os investimentos chineses dos últimos anos estão dando resultados, com capital chinês controlando aproximadamente dois terços do setor energético chileno, principalmente por meio de aquisições financeiras de empresas que operam na região.
As exportações chilenas para a China em 2024 foram compostas principalmente por minerais, totalizando US$ 27,95 bilhões, o que representa quase 75% do comércio bilateral total.
Empresas chinesas também têm investido ativamente na mineração de lítio e se preparam para explorar a fragilidade da Codelco, a mineradora estatal chilena que desempenha um papel crucial no setor de cobre e lítio do Chile. Com dívidas acima de US$ 20 bilhões e produção atingindo baixas históricas em duas décadas, a Codelco já virou tema de campanha, com os dois candidatos prometendo adotar diretrizes diferentes para a estatal.
Kast pretende abrir a Codelco ao capital privado na esperança de impulsionar a produção e restaurar o crescimento da receita. Seu plano inclui a venda de ativos não essenciais para quitar as dívidas da Codelco, priorizando a eficiência operacional em detrimento da receita estatal. Dado o histórico de investimentos da China em recursos naturais chilenos, empresas chinesas provavelmente estariam interessadas em participar do processo de licitação.
Por outro lado, Jara se opõe ao acordo prestes a ser fechado entre a Codelco e a empresa privada SQM - uma joint-venture para a exploração e produção de lítio no Salar do Atacama - defendendo, em vez disso, a criação de uma nova empresa estatal com função semelhante para os recursos de lítio. Isso também teria implicações para a China, dada sua participação minoritária na SQM.
Especificamente em relação à política externa, Jara enfatizou que "não deseja que o Chile seja subordinado a governos estrangeiros ou a modelos externos" e destaca a importância dos direitos humanos e a diversificação do comércio e do multilateralismo, com foco na expansão dos laços com a China, a Índia e a América Latina.
Comunista “moderada”
O fato de a disputa se concentrar entre candidatos de extremos opostos do espectro político facilita a polarização.
Jara é a primeira candidata de um Partido Comunista a liderar uma coalizão na disputa à presidência de um país sul-americano desde a eleição de Hugo Chávez, na Venezuela, em 1998 – que também tinha o PC venezuelano como parte da coligação.
De 51 anos, Jara milita no Partido Comunista desde os 14 anos. Foi ministra de Trabalho e Previdência do atual governo, do socialista Gabriel Boric, do qual foi a responsável pelas duas principais vitórias governistas no Congresso: a redução da jornada semanal de 45 para 40 horas e a reforma da previdência.
Nascida num bairro do norte de Santiago, Jara estudou administração pública e direito e ficou conhecida na campanha pelo carisma e por ter se distanciado de pautas históricas da esquerda, buscando atrair o voto centrista ao seu programa de governo.
Apesar de ser uma militante histórica do PC chileno, Jara faz parte de uma ala social-democrata do partido, mais moderada. Na campanha, enfatizou seu apelo ao diálogo. “O Chile é igual a uma família: nem todos pensam igual, nem todos se amam igual, mas nem por isso deixa de ser família”, discursou num comício na reta final da campanha.
O maior desafio de Jara é se desvencilhar de Boric, o impopular presidente chileno, cujo índice de aprovação não passa dos 30%. Boric não teve habilidade política para cumprir sua maior promessa de campanha – aprovar uma nova Constituinte chilena. Ele falhou em duas tentativas de obter aprovação para uma nova Carta para substituir a atual, herança da ditadura de Augusto Pinochet.
Advogado de 59 anos, Kast é filho de um ex-soldado do Exército nazista e admirador confesso do ditador Augusto Pinochet, que governou o Chile entre 1973 e 1990. Sua principal plataforma de campanha se resume a uma dobradinha: combate à violência e aos imigrantes ilegais.
Sua primeira medida se for eleito, assegura, será decretar um governo de emergência para atacar os dois problemas, em especial o crescimento vertiginoso da criminalidade - os homicídios cresceram 140% na última década, alcançando 6 por 100 mil habitantes, enquanto os sequestros aumentaram 76% em quatro anos.
Para Kast, esse aumento de violência está relacionado ao fluxo de imigrantes após a pandemia, especialmente venezuelanos. O número de residentes estrangeiros no Chile aumentou quase 50% nos cinco anos até 2023, e atingiu 1,9 milhão de pessoas, ou cerca de um décimo da população total, de acordo com estatísticas do governo.
Por isso Kast vive prometendo expulsar os imigrantes ilegais e construir muros nas fronteiras chilenas. Sua maior ameaça é a elevada taxa de rejeição, de 65%. Candidato a presidente pela terceira vez, Kast perdeu no segundo turno da eleição passada para Boric por suas posições misóginas - fez campanha contra o aborto e prometeu eliminar o Ministério da Mulher.
Desta vez, Kast aposta no apoio de Trump não só para ser eleito como para montar uma nova frente conservadora na América Latina, juntamente com Argentina, Equador, Peru e Paraguai. Ele está particularmente em sintonia com posições trumpistas, como a remoção do Chile do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e a oposição à imigração, aos direitos LGBT ou a quaisquer políticas que ele considere "comunistas".