A China obteve um superávit comercial global recorde de US$ 1 trilhão em 2024, um dado surpreendente e que deve fortalecer a intenção do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que toma posse na próxima semana, de elevar as tarifas de importações chinesas em até 60% para combater a “concorrência desleal” do país asiático, com sua política de exportações em massa.
De acordo com a Administração Geral de Alfândegas da China, que anunciou nesta segunda-feira, 13 de janeiro, o resultado da balança comercial do país, a China exportou US$ 3,58 trilhões em bens e serviços no ano passado, enquanto importou US$ 2,59 trilhões.
O superávit de quase US$ 990 bilhões quebrou o recorde anterior chinês, de US$ 838 bilhões, em 2022. Ajustado pela inflação, o superávit comercial da China do ano passado excedeu – e de longe – o de qualquer outro no mundo desde o século passado, mesmo os de potências exportadoras como Alemanha, Japão ou EUA.
Para se ter uma ideia, o recorde da Alemanha atingiu o pico em 2017, com uma soma igual a US$ 326 bilhões em dinheiro de hoje, um terço do superávit chinês atual. O recorde do Japão, ocorrido em 1993, foi de US$ 185 bilhões em valores atualizados - menos de um quinto do superávit chinês de 2024.
A China produz cerca de um terço dos manufaturados do mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial. Isso é mais do que a soma dos EUA, Japão, Alemanha, Coreia do Sul e Grã-Bretanha.
Os números de 2024 reforçam a aposta do governo chinês em inundar o mundo com seus produtos industrializados como forma de compensar o impacto para a economia do país com o estouro da bolha do mercado imobiliário nos últimos anos, que também levou a uma redução do consumo interno.
Milhões de trabalhadores da construção perderam seus empregos, enquanto a classe média da China viu grande parte de suas economias virar pó com a crise imobiliária.
A estratégia de massificar as exportações - a China não tem déficit comercial desde 1993 - foi ampliada ao longo de 2024, levando vários países a reagirem com medidas retaliatórias.
O Brasil decidiu aumentar a taxa de importação de produtos chineses de dois setores – têxtil e automobilístico – após pressão de varejistas do País, em especial por causa das vendas online de roupas a preços baixos por plataformas chinesas.
Antes da implementação da “taxa das blusinhas”, em julho deste ano, foram registradas cerca de 19 milhões de remessas de até US$ 50, com valor total declarado de R$ 1,812 bilhão. Já em agosto, quando passou a ser cobrado 20% de imposto de importação sobre os itens com este valor, as compras despencaram para 11 milhões, uma queda de aproximadamente 42%.
No mesmo mês, a taxa de importação de veículos elétricos (VEs) no Brasil aumentou de 10% para 18%, também como resposta à invasão de VEs chineses. O objetivo é que a tributação aumente de forma progressiva até 2026, quando a tarifa deve chegar a 35%.
Em outubro, a União Europeia impôs tarifas de até 45% sobre veículos elétricos fabricados na China, dizendo que os fabricantes se beneficiaram de subsídios injustos. O governo Joe Biden também decretou no ano passado uma tarifa de 100% sobre os EVs chineses, além de duplicar as tarifas sobre painéis solares e triplicar as taxas sobre certos produtos de aço e alumínio.
Mesmo assim, as exportações chinesas para os EUA (responsáveis por um terço do superávit comercial chinês em 2024) cresceram 6,9% no ano passado.
Isso também ajudaria a explicar superávit chinês global de US$ 104,8 bilhões em dezembro, empurrado pelo aumento de 10,7% de exportações para os EUA, suscitando a suspeita de que o governo chinês quis antecipar o envio de produtos às pressas para os EUA antes que Trump pudesse assumir o cargo e começar a aumentar as tarifas, no novo capítulo da guerra comercial entre os dois países.
Esses US$ 104,8 bilhões do superávit chinês de dezembro, por sinal, também são recorde em um único mês. A título de comparação, o valor é maior que o recorde de superávit de um ano inteiro já registrado pela balança comercial brasileira, que foi de US$ 98,9 bilhões em 2023.
Erro e risco
"A China está cometendo um grande erro ao produzir duas a três vezes a demanda doméstica em várias áreas, seja aço, robótica ou veículos elétricos, baterias de lítio, painéis solares e, em seguida, exportar o excesso para todo o mundo", disse ao jornal The New York Times Nicholas Burns, embaixador dos EUA na China.
A atual estratégia teve início há duas décadas, quando o país asiático buscou a autossuficiência industrial por meio de sua política, denominada Made in China 2025 - para a qual o governo injetou US$ 300 bilhões para promover a manufatura avançada.
Os efeitos são visíveis: enquanto as importações de produtos industriais da China desaceleraram drasticamente, as exportações deram um salto nos últimos anos.
Dados do Banco do Povo (o banco central da China) indicam que os novos empréstimos para a indústria subiram de US$ 83 bilhões em 2019 para US$ 670 bilhões no ano passado – uma margem inversamente proporcional aos empréstimos líquidos para imóveis, que foram de US$ 800 bilhões em 2019, mas encolheram para US$ 75 bilhões no ano passado.
As exportações chinesas de tudo, de carros a painéis solares, têm sido uma bonança econômica para o país, criando milhões de empregos não apenas para trabalhadores de fábricas, cujos salários ajustados pela inflação quase dobraram na última década, mas também para engenheiros, designers e cientistas de alta renda.
A estratégia de massificar as exportações, porém, agora enfrenta outros riscos, além da ameaça de sobretarifas de Trump. As fábricas estão lutando para lidar com o excesso de capacidade e a demanda interna fraca, o que está desorganizando a economia chinesa.
A inflação chinesa está bem abaixo do nível de 2% anuais que a maioria dos bancos centrais considera saudável para suas economias - foi de apenas 0,2% em novembro em relação ao ano anterior, em comparação com um aumento de 2,7% nos EUA.
O baixo consumo interno contribuiu para dois anos de queda dos preços dos produtos manufaturados, esmagando as margens de lucro das empresas e empurrando muitas empresas para o vermelho.
Com isso, sob ameaça de deflação, as empresas chinesas estão em situação pior para lidar com o aumento das tarifas do que há meia década, quando Trump atingiu a China pela primeira vez com sobretaxas de importação.
Economistas dizem que um aumento acentuado nas tarifas sobre as exportações para os EUA poderia causar um impacto no Produto Interno Bruto (PIB) chinês no ano seguinte à sua imposição entre 0,5% e 2,5%, dependendo da resposta chinesa. O governo chinês espera um crescimento do PIB de 5% em 2025.