Na contramão dos maiores bancos centrais do mundo que ainda transitam por um ciclo de elevação dos juros, o Banco Central da China cortou, nesta segunda-feira, 15 de agosto, sua taxa básica em 0,10 ponto percentual, para 2,75%. A instituição não deu pistas desse corte sequer no Relatório de Inflação divulgado na semana passada.
A redução do juro surpreendeu os mercados e, embora discreta, diz muito sobre o esforço do governo chinês para evitar uma desaceleração mais forte da atividade. A meta de crescimento para 2022 é de 5,5%.
“Esse 0,10 ponto percentual de corte de juro tem um caráter mais simbólico. Não é sinal de início de um ciclo de corte, inclusive, porque o espaço para cortar juro por lá é muito estreito", diz Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management. "Quem reduz juro quando os EUA elevam sua taxa está provocando depreciação da sua moeda.”
Em entrevista ao NeoFeed, Olivares lembra que a última redução de taxa ocorreu em janeiro deste ano e não se repetiu nos últimos meses porque a China não tem problema de inflação.
Entretanto, diz ele, desde a sexta-feira passada, 12 de agosto, até esta segunda-feira, 15 de agosto, uma bateria de indicadores chineses só trouxe má notícia. “Caíram a produção industrial, as vendas no varejo, os preços das casas, a confiança dos consumidores e aumentou o desemprego especialmente entre os jovens”, observa Olivares.
“Nesse ambiente, a redução do juro é um sinal de preocupação com a atividade. Temos que esperar para quanto a China vai reduzir sua perspectiva de crescimento, que não será de 5,5%.”, afirma o economista da Azimut Wealth.
Ele lembra o fato de a China ter papel importante como oferta e demanda na economia global. “E não é tarefa trivial calcular o efeito líquido do que a China representa [no caso de uma desaceleração relevante]”.
Olivares ressalta que a China demanda commodities. A desaceleração da atividade ou o sinal que veio do corte de juro reduz os preços das commodities e, nesse sentido, “a China tem contribuição desinflacionária para o mundo”.
Entretanto, o país também é um grande fornecedor de produtos e, em caso de desaceleração da atividade, pode restringir a oferta do que o mundo requer. “Nesse caso, o efeito é inflacionário, como ficou claro com os lockdowns decorrentes da política de Covid Zero”, diz Olivares.
Francisco Nobre, economista da XP, destaca ao NeoFeed que, embora a inflação chinesa tenha avançado neste ano, de 2,1% para 2,5%, e, posteriormente, para o 2,7%, “o indicador está contido”.
“A inflação está no padrão histórico", afirma Nobre. "E isso é bom porque permite tanto ao BC chinês quanto ao governo promover estímulos para a atividade.” O economista pondera que a meta de crescimento de 5,5% é ambiciosa. “Nosso cenário aponta para 3,2% com estímulos. Sem eles, a expansão seria de cerca de 1,4%.”
Em sua avaliação, as consequências da desaceleração da atividade na China dependem, porém, do grau de persistência do desaquecimento.
“Preocupante seria uma desaceleração prolongada ou um contágio da inflação chinesa pelos índices em alta no mundo. Essa condição manteria o BC e o governo chinês de mãos atadas quanto aos estímulos à atividade”, diz Nobre.
Para a XP, se o componente externo do PIB chinês (exportação e importação) seguir resiliente, os efeitos sobre outros países, incluindo o Brasil, são menores. “Acreditamos que a economia por lá se recupera em 2023, quando poderá avançar mais de 5,5%.”
No curto prazo, porém, a atividade chinesa mais fraca tem impacto nos preços das commodities que vêm em forte ciclo de alta e, mesmo recuando mais recentemente, se mantêm em patamares elevados. “E commodities com preços altos favorecem o Brasil e a América Latina, onde os países são exportadores”, avalia o economista.
Quanto ao cenário global, Nobre pondera que se a pressão inflacionária persistir, o PIB global tende a ser bem baixo em 2022 e 2023. A XP não trabalha, porém, com cenário de recessão nos EUA.
“A queda do PIB americano por dois trimestres acusa recessão técnica, mas a inflação já começou a desacelerar, deve desacelerar mais e não vemos o Federal Reserve (Fed) elevando sua taxa acima de 3,25%", acrescenta Nobre.