A interminável discussão sobre quando afinal o Banco Central vai começar a baixar as taxas de juros ganhou mais um elemento complicador com o agravamento da crise de crédito.

Com a inflação persistente e longe da meta e os juros num patamar elevado, de 13,75% ao ano desde agosto, o crédito escasso curiosamente joga a favor do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para que o BC comece a baixar os juros. O que significa que a pressão pela queda de juros deve aumentar também pelo lado da atividade produtiva.

A falta de crédito é visível em pelo menos três frentes. Em uma delas, a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) registrou uma queda de 64% de emissão de debêntures em fevereiro em relação ao mês anterior - maior queda desde 2020.

A emissão de debêntures é uma das maneiras que uma empresa capta dinheiro no mercado de capitais. Os juros altos e a incerteza fiscal elevaram o grau de risco dos fundos de renda fixa que costumam comprar debêntures – e são esses fundos a segunda frente da crise de crédito.

De acordo com levantamento do banco Itaú BBA, desde o estouro do Caso Americanas, investidores retiraram R$ 66 bilhões de fundos locais com pelo menos 15% de sua carteira investida em crédito privado. A fuga ocorre em meio à percepção de aumento de riscos e com investidores pedindo juros maiores para emprestar recursos.

A terceira frente são os bancos tradicionais, também impactados pelo Caso Americanas, que gerou R$ 40 bilhões de prejuízo. A maioria decidiu fechar a torneira para o crédito.

Gustavo Belger, sócio e diretor de riscos da gestora Empírica, diz que começou a detectar a piora de inadimplência a partir o segundo trimestre 2022. “Começou com a perda de renda real das famílias por causa da inflação e o endividamento pelos juros”, diz.

Segundo ele, em seguida, a dificuldade de acesso ao crédito passou das famílias para as empresas. “O que assustou nesse processo foi a velocidade”, acrescenta.

A partir de 2021, os fundos de renda fixa se tornaram grandes compradores de debêntures. Os juros baixos estimularam o mercado de crédito. Com os juros altos prolongados e maior risco, o jogo mudou.

“O gestor desses fundos precisou vender os papéis e não tem dinheiro sobrando para comprar debêntures de empresas, com isso o mercado primário de crédito se fechou”, diz Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy Capital.

Ono diz que o drama da falta de crédito é que, mesmo que as empresas tenham uma programação financeira, acabam tendo problemas quando vence uma dívida, recorrendo ao caixa. “Ninguém se programa para ficar sem crédito por muito tempo”, diz.

Juros

A suposta aliança com o setor produtivo para baixar os juros não significa que o BC vai alterar sua política monetária.

Mas o governo tem trunfos, entre eles o calendário. Haddad deve anunciar o pacote fiscal antes da reunião do Copom, do BC, em 22 e 23 de março - que vai definir se mantém, sobe ou desce a taxa Selic.

De acordo com o economista Mauro Rochlin, professor da FGV-RJ, tudo vai depender da proposta fiscal do governo. “Pode ser um gol de placa se sair algo sólido, levando o Copom a rever seus conceitos”, diz. “Mas se o mercado achar que a regra não é flexível ou factível, será um gol contra do governo.”

Rochlin vê avanços recentes, que favorecem um recuo da inflação. Ele cita os últimos dois relatórios do Focus, do BC, que não apresentaram piora de expectativas e a desaceleração do índice de inflação de commodities, medido pelo BC pelo índice conhecido como ICBR. “A inflação de metais e energia foi negativa nos últimos 12 meses, e a de alimentos está em forte desaceleração”, diz.

Para a economista Ariane Benedito, da Esh Capital, a pressão sobre o BC é contraproducente. “Não adianta o governo ou o setor produtivo querer baixar os juros se aquilo que o BC precisa seguir está desancorado”, afirma, citando inflação e desequilíbrio fiscal.

Segundo ela, a taxa de juros tem uma pequena parcela de influência no crédito que impacta as empresas e a renda das famílias. “A maior parcela é formada pela expectativa de mercado, gerada pela percepção de risco. Ou seja: baixar os juros não significa necessariamente crédito mais barato para a economia.”