Brasília – No dia 17 de dezembro de 2022, um sábado, o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil na Câmara, seguiu até um hotel, em Brasília, para um encontro com o recém-eleito presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Poucos dias antes, Elmar tinha sido escolhido como o relator da PEC da Transição, a Proposta de Emenda à Constituição que havia se tornado a pedra de toque na área econômica para o novo governo petista que se iniciaria em duas semanas. Na reunião, trataram da tramitação da PEC, possíveis parcerias com nomes do Centrão e trocaram amenidades.
Interlocutores afirmam que Lula gostou tanto do encontro que, ao deixar o hotel, Elmar Nascimento voltou para casa com a promessa de que assumiria um ministério no novo governo, possivelmente a pasta da Integração. O plano só não avançou porque outro parlamentar baiano, o hoje líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), interveio junto a Lula.
Elmar, então, trabalhou para a indicação de outro nome do União Brasil, seu partido, o recém-eleito deputado Juscelino Filho, que se licenciaria do mandato para comandar a pasta das Comunicações. Juscelino assumiu. Na semana passada, foi indiciado pela Polícia Federal, em investigação que apura supostos desvios de verbas federais, mas Lula ainda não afastou, sob o argumento de que seu ministro "tem o direito de provar que é inocente".
Seja qual for o desfecho de seu indicado para as Comunicações, o fato é que os resultados colhidos por Elmar Nascimento em sua aproximação com o governo Lula dão um sinal da elasticidade política e da influência de sua legenda junto ao governo. Por semanas, o NeoFeed fez contato com Elmar Nascimento para uma entrevista. O deputado chegou a marcar um encontro, mas desmarcou horas antes da conversa e, depois, não respondeu mais ao pedido da reportagem.
Preferido de Arthur Lira (PP-AL) para assumir seu posto no comando da Câmara a partir de 2025, Elmar não pegou a relatoria da PEC da Transição por acaso. Hoje, no Congresso, sua atuação é reconhecida pela defesa ferrenha do controle do orçamento federal pelo Legislativo, o que inclui o apoio integral à concentração de dinheiro em emendas parlamentares e à destinação de recursos para bases eleitorais.
“Elmar Nascimento é um deputado muito representativo deste Congresso que tem se colocado como principal gestor do orçamento público. Ele simboliza esse grupo mais localista, quando se trata de gastos. Isso pode até favorecê-lo em uma disputa, dada a atual composição do Congresso”, diz Graziella Testa, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV EPPG).
Os dados confirmam o perfil “localista” de Elmar. Neste ano, o município de Campo Formoso (BA), cidade de 71 mil habitantes e seu principal reduto eleitoral, recebeu mais emendas parlamentares de Salvador. Entre janeiro e junho de 2024, Campo Formoso conseguiu R$ 32 milhões em emendas parlamentares, de acordo com informações do sistema Siga Brasil e divulgadas pelo site Metrópoles. Salvador teve, no mesmo período, R$ 14 milhões. As cifras englobam desde emendas destinadas pelo próprio Elmar, como por comissões da Câmara e relatores do Orçamento da União de anos anteriores.
“É um deputado que encarna o papel que esse Congresso busca em relação ao Orçamento. Apesar de sua capacidade de articulação com o governo, esse perfil é um desafio a mais para a gestão Lula”, comenta Graziella Testa.
O nome de Elmar Nascimento, no entanto, está longe de ser uma unanimidade entre os 513 deputados. Muitos de seus pares têm a leitura de que o preferido de Arthur Lira teria um perfil mais impositivo que o de seus concorrentes, como Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Antonio Brito (PSD-BA), além de ser pouco dado às diplomacias diárias que o cargo exige. "É uma pessoa de difícil trato, mal cumprimenta os outros", diz um deputado da base governista.
Elmar tem atuado para provar o contrário. Em sua mobilização para angariar votos, Elmar disse a um líder do PL, poucos dias atrás, que seu nome não teria nenhuma restrição junto ao governo Lula. Lideranças petistas, no entanto, dizem que há resistência do governo à sua indicação.
Na esfera estritamente econômica, Elmar costuma buscar o pragmatismo. Votou com o governo em projetos como a aprovação do arcabouço fiscal, em agosto de 2023; a reforma tributária, em dezembro de 2023; e a taxação dos “super-ricos”, que prevê a taxação de renda obtida com investimentos no Exterior, por meio de offshores, e fundos exclusivos de investidores.
Em votações envolvendo temas sociais, porém, o deputado não esteve com o governo. Foi o que se viu, por exemplo, na derrubada dos vetos de Lula, para voltar a proibir a “saidinha” de presos para visita à família. Em abril, Lula tinha vetado o texto, na tentativa de permitir que presos visitassem familiares, em ações que visam à reinserção social.
O deputado também foi contra o governo e somou desgastes ao puxar o coro e votar, com outros 128 deputados, contra a prisão do deputado Chiquinho Brazão (RJ-Sem partido), ex-filiado ao União Brasil, acusado de ser o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em 2018.
Apesar de ter um perfil ideológico que o aproxima da direita e da extrema-direita no Congresso, Elmar também encara resistência em parte da bancada evangélica. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que já foi líder da bancada evangélica, não vê espaço para Elmar assumir o comando da Câmara, devido ao que já se passa no Senado.
“O que mais joga contra Elmar Nascimento é o fato de que Davi Alcolumbre (AP), que é do União, já está praticamente certo de assumir o posto de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à frente do Senado. Não seria inteligente que os maiores partidos do Congresso, PL e PT, entregassem o comando das duas Casas ao mesmo partido, o União Brasil”, disse Sóstenes, ao NeoFeed.
Aliado do pastor Silas Malafaia e próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Sóstenes Cavalcante também critica a corrida pela cadeira de Arthur Lira, um processo que, em sua avaliação, foi muito antecipado pelos nomes atuais interessados no posto.
“Acho que Elmar acabou se inviabilizando por ter começado a fazer campanha muito cedo. A realidade é que ele e os demais (Marcos Pereira e Antonio Brito) queimaram a largada. Ainda temos as eleições municipais neste ano e isso vai ter um peso fundamental para definir as candidaturas”, afirmou.
Perguntado em quem votará, Sóstenes prefere não dar nomes, mas diz que o momento atual favorece novos nomes que ainda não estão consolidados no páreo. “Lira não quer perder. Se ele achar um nome no Progressistas, por exemplo, que agrade PT e PL, está liquidado. Tenho convicção de que teremos surpresas.”
Em abril, Valdemar Costa Neto, o presidente do PL, chegou a publicar uma foto ao lado de Antonio Brito, o candidato preferido do Palácio do Planalto, dizendo que teve “a honra de receber a visita do deputado federal” em sua casa, em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo. Para Sóstenes, porém, não passou de mera cordialidade.
“Elogiar não quer dizer apoiar. Brito é um bom nome, mas é muito ligado ao governo. Ele também é do partido do Gilberto Kassab (PSD), com quem Bolsonaro anda muito irritado, por conta da postura de seus senadores”, disse.
A eventual dobradinha do União Brasil à frente da Câmara e do Senado também é vista como um obstáculo por Bruno Bolognesi, professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O especialista, porém, também chama a atenção para o histórico de comandos equilibrados pelas regiões do país.
Hoje, o Nordeste está representado com Lira na Câmara, enquanto o Sudeste tem Pacheco no Senado. Historicamente, diz Bolognesi, essa situação costuma ser invertida – com o Nordeste no Senado e o Sudeste na Câmara –, mas quase nunca se concentra numa mesma região. Ter Alcolumbre e Elmar à frente das duas casas, avalia, seria deixar todo o Sul e Sudeste sem essa representatividade.
“Essa negociação por um nome não vai escapar disso, para que as duas regiões que historicamente lideram as Casas sejam respeitadas. Na minha avaliação, isso está fora de cogitação. Nem me lembro quando algo assim ocorreu”, afirma Bolognesi.
Para o especialista, a tendência hoje é de que o governo siga um nome apontado por Arthur Lira, e sem impor resistência ou preferência. O atual presidente da Câmara já sinalizou que vai divulgar quem apoiará antes das eleições municipais de outubro.
“A verdade é que Lira acumulou poder e tende a emplacar o próximo presidente, a despeito do que o governo pensa, porque sofre com dificuldades de articulação política. Então, se o governo aderir, ótimo, estará com o candidato de Lira. Se não topar, ele vai eleger quem quiser, do mesmo jeito”, diz Bolognesi.
Como o Congresso já deu provas de que tudo pode ocorrer nas negociações políticas, a cientista política Graziella Testa pondera que o fato de Davi Alcolumbre e Elmar Nascimento serem do mesmo partido não seria um fator decisivo contra a vitória de ambos.
“Vamos lembrar que, por muito tempo, o MDB (antigo PMDB) teve o Senado e a Câmara ao mesmo tempo”, comenta a especialista. “Tenho a impressão de que os parlamentares olham para o Congresso de uma forma mais individualista e menos partidária. Esses políticos podem até mudar de legenda, se esse caminho for o melhor para ele.”