A recente atuação de Donald Trump frente à indústria de semicondutores revela uma mudança profunda na forma como o governo dos Estados Unidos se relaciona com o setor privado. Na segunda-feira, 11 de agosto, a Nvidia e a Advanced Micro Devices (AMD) concordaram em repassar 15% da receita de suas vendas de chips feitas na China para a administração pública.

Em menos de um ano de mandato, Trump abandonou qualquer vestígio da doutrina liberal que por décadas guiou o Partido Republicano e assumiu um papel de negociador direto, intervencionista e, por vezes, imprevisível.

O presidente transformou a Casa Branca em uma espécie de “balcão de negócios”, onde CEOs de gigantes da tecnologia como Nvidia, Intel e Apple se revezam em reuniões que misturam diplomacia, pressão política e barganha comercial.

O episódio envolvendo Jensen Huang, CEO da Nvidia, dá o tom dessa lógica de “negociador-chefe” de Trump.

De acordo com o The New York Times, durante uma reunião no Salão Oval, Trump condicionou a liberação de licenças de exportação de chips de inteligência artificial para a China ao pagamento de uma porcentagem sobre as vendas.

“Quero 20%”, disse Trump. Após uma breve negociação, o valor foi ajustado para 15%, e a licença foi concedida para as empresas de semicondutores.

A transação é sem precedentes na história recente da política industrial americana e levanta dúvidas sobre a legalidade do modelo - além dos limites da atuação presidencial.

Porém, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse à Bloomberg que essa prática pode ser estendida e repetida em outros setores da economia.

“Acho que, no momento, isso é único, mas agora que temos o modelo e o teste beta, por que não expandi-lo?, questionou Bessent.

Capitalismo de Estado

Mais do que uma exceção, o caso Nvidia representa uma nova lógica de governança. Trump tem pressionado empresas a investirem em território americano, ameaçado com tarifas de até 100% sobre chips estrangeiros e exigido contrapartidas bilionárias para evitar sanções.

A TSMC, maior fabricante de semicondutores do mundo, anunciou US$ 100 bilhões em investimentos nos Estados Unidos. A Micron, especializada em chips de memória, prometeu outros US$ 150 bilhões. A Apple, por sua vez, comprometeu-se com mais US$ 100 bilhões, parte dos quais destinados a fornecedores locais.

Essa guinada intervencionista contrasta com a postura de Ronald Reagan (1911-2004), que defendia um Estado mínimo e deixava o mercado operar com autonomia. Trump, ao contrário, tem se envolvido diretamente na gestão das empresas.

Nem George H.W. Bush (1924-2018) nem George W. Bush adotaram essa abordagem de participação direta nos lucros empresariais, preferindo incentivos fiscais e desregulamentação.

Trump, ao contrário, tem se envolvido diretamente na gestão das empresas. O caso da Intel é outro exemplo. Após críticas públicas ao CEO Lip-Bu Tan por supostos vínculos com a China, Trump exigiu sua substituição. Embora tenha recuado após uma reunião com o executivo, deixou claro que continuará monitorando a empresa de perto.

Donald Trump e Tim Cook, CEO da Apple, na Casa Branca em 6 de agosto de 2025 após o anúncio de investimentos de US$ 100 bilhões (Foto: Daniel Torok/White House)

Donald Trump e Jensen Huang, CEO da Nvidia, na Casa Branca em 30 de abril de 2025 no evento “Investing in America” (Foto: Joyce N. Boghosian/White House)

“Não é uma política industrial racional. É uma intervenção direta, personalizada, que ameaça empresas com penalidades se não seguirem a vontade do presidente”, afirmou Anne E. Harrison, professora da Universidade da Califórnia, ao NYT.

A indústria de chips, avaliada em US$ 600 bilhões, é estratégica não apenas para o setor tecnológico, mas também para a segurança nacional. Chips estão presentes em sistemas de inteligência artificial, armamentos, eletrodomésticos e praticamente tudo que possui um botão de ligar.

A maioria dos chips avançados é produzida em Taiwan, o que aumenta a vulnerabilidade dos Estados Unidos diante de uma possível escalada geopolítica com a China. Trump tem usado esse argumento para justificar sua atuação direta, alegando que “os americanos não podem se dar ao luxo de uma administração ausente”.

"Não há preocupações com a segurança nacional aqui. Não venderíamos nenhum dos chips avançados”, disse Bressant à Bloomberg.

No entanto, o estilo Trump tem gerado instabilidade. Fabricantes, que dependem de previsibilidade para planejar fábricas e desenvolver tecnologias, agora vivem sob a lógica da improvisação. “

A nova dinâmica também alterou completamente o modelo de influência empresarial em Washington. O lobby tradicional, com seus escritórios na K Street e processos formais, perdeu espaço para relações pessoais e diretas com o presidente.

Executivos têm buscado proximidade com Trump, oferecendo presentes simbólicos e acompanhando-o em viagens internacionais.

Huang, por exemplo, participou de uma missão ao Oriente Médio e ajudou a negociar a venda de 500 mil chips para os Emirados Árabes Unidos — um dos maiores acordos do setor.

Essa transformação marca um novo modelo onde a Casa Branca opera como um verdadeiro escritório de participações e o presidente Trump assume o papel de sócio-investidor da economia americana.