Desde o início de janeiro, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, o empresariado nacional tem se perguntado o que o governo fará em diversas áreas econômicas e, sobretudo, se vai revogar reformas que já foram feitas. Dentre elas, a Trabalhista.

Para tirar essa e outras dúvidas sobre uma área crucial para o desenvolvimento do País, o NeoFeed entrevistou, com exclusividade, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. E, ao que parece, muitas mudanças virão pela frente em políticas do FGTS, salário mínimo, fortalecimento de sindicatos e até nas relações dos entregadores de aplicativo.

Na conversa, Marinho explica por que é a favor da extinção do saque-aniversário do FGTS e vai defender essa proposta na reunião do Conselho Curador, marcada para 21 de março. Ele também fez duras críticas ao trabalho contratado pelos aplicativos que definiu como “similar ao trabalho escravo”.

Sobre esse segmento da nova economia, ele disse que, se depender dele, terá regras específicas. “É preciso regular, sim, inclusive do ponto de vista tributário, da Receita. Muitas vezes esse aplicativo está faturando milhões sem colaborar com o País e sem proteger esse trabalhador, gerando emprego de baixíssima remuneração e qualidade”, afirmou.

O ministro diz que “empregados domésticos, trabalhadores de aplicativos e os jovens que não trabalham nem estudam terão uma atenção especial em sua gestão.” E, indagado sobre a constante reclamação de empresários, de que há um excesso de regulamentações na legislação trabalhista, contestou essa tese.

“Se o mercado resolvesse, não precisaria de o Estado estar chamando a atenção. Se o mercado desse boa remuneração e boa proteção social, não precisaria o Estado legislar. Agora, por que o Estado está falando? Porque tem uma grita na sociedade”, afirmou.

Segundo ele, esse debate existe porque muitos empresários só olham para o seu negócio. “Um cidadão que tem um empregado nessas condições, dizer que o Estado está se metendo indevidamente, ele não sabe qual é a sua situação de empregador. Ele devia ter vergonha de fazer uma afirmação dessa natureza.”

O ministro disse também que terá até maio para construir, com todas as entidades envolvidas, uma política de valorização permanente do salário mínimo que será apresentada ao presidente Lula e ao Congresso Nacional.

“Não seremos irresponsáveis de nos jogarmos numa aventura. A política de valorização do salário mínimo, de correção do Imposto de Renda, tem que corresponder ao bom funcionamento da economia. Mas você não combate à inflação com arrocho salarial e com aumento de juros e restrição de crédito”, afirmou.

A seguir os principais trechos:

Ministro, o senhor já tem uma ideia, as diretrizes que vão pautar a política de valorização do salário mínimo?
Somos um governo do diálogo, vamos construir essa política à mesa com as partes envolvidas. Será diferente, portanto, do que fizemos lá atrás no governo Lula no Fórum do Trabalho onde procuramos construir todos os detalhes de uma proposta completa, global, e as diferenças acabaram atrapalhando os entendimentos. Agora, vamos construir os entendimentos e a partir deles vamos fazer os encaminhamentos.

Como fará isso?
Nós instituímos um grupo interministerial com as entidades, das centrais sindicais, um grupo para apresentar uma proposta de uma política de valorização permanente para o salário mínimo que será apresentada antes de maio.

Foram formados outros dois grupos de trabalho?
Sim. Um para discutir propostas de valorização da contratação coletiva, da negociação coletiva, fortalecendo o papel das entidades sindicais, da organização sindical e, quando falo sindical muitos pensam em trabalhadores, mas falamos de trabalhadores e empregadores. Ou, melhor, que não seja feita como a do governo anterior que acabou destruindo a negociação coletiva em prol da negociação direta, sabendo que há a menor possibilidade do trabalhador de um grande banco, uma grande empresa se auto representar. É preciso ter uma entidade representativa, forte que possa fazer negociação coletiva.

“É preciso ter uma entidade representativa, forte que possa fazer essa negociação coletiva”

E o outro?
É para tratar desse trabalho precário e vulnerável dos aplicativos, das plataformas e sem nenhuma segurança, além da baixa remuneração que praticam. Temos depoimentos de jovens trabalhadores que bateram seu carro, caíram da moto, se acidentaram e o que aconteceu? No período em que ficaram afastados não tiveram nenhuma proteção social, nenhum socorro. Suas famílias ficaram vulneráveis, no desespero. É evidente que com esses três grupos de trabalho, iniciaremos um processo e levaremos uma proposta ao presidente e ao Congresso Nacional. Também vamos olhar todas as iniciativas parlamentares sobre esses assuntos para dialogar e construir uma proposta com o parlamento. É com essa lógica que vamos trabalhar nesse primeiro semestre.

O senhor pretende regulamentar o trabalho prestado pelos aplicativos?
É preciso regular, sim, inclusive do ponto de vista tributário, da Receita. Muitas vezes esse aplicativo está faturando milhões sem colaborar com o País e sem proteger esse trabalhador, gerando emprego de baixíssima remuneração e qualidade... É preciso qualificar esse trabalho. Mas, também nesse caso, pretendemos chegar a uma conclusão construída em discussão com todos os envolvidos para regular.

Existe sempre uma dúvida sobre o Imposto Sindical, especificamente sobre a cobrança...
Acabou e não voltará. O que precisamos é fortalecer as ferramentas de negociação, a partir da representatividade dos trabalhadores e empregadores para que eles tenham a possibilidade de se remunerarem a partir da prestação deste serviço. O Sindicato que não negocia, não representa, não tem contrato coletivo, não terá a possibilidade de ser remunerado pelo seu trabalhador. Agora, o Sindicato que negocia, que apresente a contrapartida de um contrato que proteja as cláusulas sociais e econômicas, ele poderia em assembleia decidida pelos trabalhadores ter essa contrapartida para manutenção e representação.

“Acabou e não voltará (Imposto Sindical). O que precisamos é fortalecer as ferramentas de negociação, a partir da representatividade dos trabalhadores e empregadores”

E a Reforma Trabalhista? Como vai ficar? O Governo pretende modificar?
Tudo pode mudar, como pode ser mantido. Vai depender dessa mesa de negociação. Você põe à mesa, trabalhadores, empregadores e o governo que, na verdade, é mais mediador desse processo de construção. Os senhores e as senhoras que são importantes nesta comissão são os representantes do trabalho e do capital. Eles é que devem interagir nesse processo.

Qual será o papel do governo nisso?
O governo tem uma visão de proteção e valorização do trabalho. Por isso, é importante a participação nesse processo por que não podemos deixar que o indivíduo trabalhador negocie sua própria condição de trabalho, seu salário, sua condição social. Se deixarmos, todos vão acabar como esses trabalhadores dos aplicativos, altamente vulneráveis, com uma remuneração baixíssima e há sete anos sem nenhum reajuste nas suas tarifas e tendo que trabalhar cada vez mais para poder sustentar sua família. É preciso que o trabalho seja digno e, para isso, ele tem que ser valorizado. A política de valorização do salário mínimo estabelecerá o piso salarial. Não pode existir nenhuma categoria remunerada com menos que o salário mínimo. E é essa política de valorização do salário mínimo permanente que leva a um processo de distribuição de renda.

“Se deixarmos, todos vão acabar como esses trabalhadores dos aplicativos, altamente vulneráveis, com uma remuneração baixíssima e há sete anos sem nenhum reajuste”

Ainda temos taxas de desemprego muito altas no Brasil. Elas não contribuem para a baixa qualidade de alguns empregos?
Isso é um grande problema. Mas nós temos que ajudar a fomentar a oportunidade e a geração de emprego. É nossa função. Vamos trabalhar o processo de capacitação, de formação, de preparação da nossa juventude para esse mercado de trabalho. Debater com o sistema S, universidades, escolas para que a grade curricular seja condizente com o que o mercado de trabalho demanda. Tem também a economia solidária no campo e na cidade, na indústria, nos serviços, no comércio, no entretenimento. Já tivemos um período de pleno emprego. Precisamos retomar esse processo. Empresários e a regulação há uma contradição...

Ministro, muitos empresários se queixam da legislação brasileira. Dizem que é engessada, dificulta a contratação e que precisaria mudar, reclamam que o governo se intromete e não propõe medidas de modernização...
Se o mercado resolvesse, não precisaria de o Estado estar chamando a atenção. Se o mercado desse boa remuneração e boa proteção social, não precisaria o Estado legislar. Agora, por que o Estado está falando? Porque tem uma grita na sociedade. Cito como exemplo o cidadão que caiu de uma moto, se arrebentou todo e ficou meses internado numa cama de hospital, sem nenhuma proteção da empresa. Ele que não tinha a previdência social, por que não era contribuinte, já que o empregador não tomou essa providência. É por essa razão que este debate existe porque, infelizmente, tem empresário que só olha o seu negócio.

No caso específico dos aplicativos, esse é um tema no mundo inteiro. Eles geraram também trabalho para gente que não tinha opção...
Um cidadão que tem um empregado nessas condições, dizer que o Estado está se metendo indevidamente, ele não sabe qual a sua situação de empregador. Ele devia ter vergonha de fazer uma afirmação dessa natureza. Ele devia ser o primeiro a se preocupar e dizer como faço, como posso ser parte dessa solução para dar segurança para esse trabalhador, para esse cidadão que está prestando um trabalho para mim e ele nem sabe quem é. Contrata pelas plataformas, não sabe se é negro, se é branco, se é jovem, idoso, se tem problema emocional, se não tem. Ou seja, nós precisamos, enquanto sociedade, observar o que está acontecendo em cada uma de nossas cidades para poder trazer alguma proteção. E o que é essa proteção? Nada mais é do que uma condição mínima e digna de trabalho, de boa remuneração para sustentar sua família decentemente e com uma jornada razoável. Você não pode pedir que uma pessoa trabalhe 16 horas por dia. Para mim, uma pessoa com essa carga horária, já está em condição similar à do trabalho escravo.

“Você não pode pedir que uma pessoa trabalhe 16 horas por dia. Para mim, uma pessoa com essa carga horária, já está em condição similar à do trabalho escravo”

Ministro, voltando à questão do salário mínimo, como o governo pretende equacionar essa questão do reajuste com o combate à inflação?
É evidente que, quando o presidente Lula fala, quando nós falamos, temos a preocupação de não criar medidas abruptas que possam atrapalhar a economia. Haddad (o ministro da Fazenda, Fernando Haddad) está cuidando de conceitos que façam a economia funcionar, com a garantia de manter a inflação sob controle. Então, a política do salário mínimo, que foi construída lá atrás – no segundo governo Lula - e será construída agora, vai observar todos os fundamentos que garantam o bom funcionamento da economia com controle da inflação, mas que permitam espaço fiscal para consolidar um aumento real do salário mínimo, estimular o aumento real nos acordos coletivos, das categorias. Nós já fizemos e sabemos que podemos fazer de novo. É assim que vamos construir esse processo. Não seremos irresponsáveis de nos jogarmos numa aventura. A política de valorização do salário mínimo, de correção do Imposto de Renda, tem que corresponder ao bom funcionamento da economia. Mas você não combate a inflação com arrocho salarial e com aumento de juros e restrição de crédito. Por isso é que temos que ter previsibilidade do funcionamento da economia.

Como será essa previsibilidade?
Ela é um conjunto do País, ou seja, dos tomadores de decisão para que exista uma previsibilidade de política econômica, do que vai acontecer com a política do salário mínimo. Para que, quando o salário mínimo tiver aumento, os demais agentes saibam que terão um aumento de mercado, de consumo, portanto terão que planejar a produção, aumentar, e controlar a inflação por meio da oferta e não da restrição da demanda. Se você restringe a produção, haverá um processo em que o aumento salarial pode gerar inflação. Mas se você se planeja de acordo com a política que sabe que vai acontecer, vai controlar a inflação mesmo garantindo uma política vigorosa de ganho real dos salários. Temos que ter a responsabilidade em todos os ângulos. E a responsabilidade fiscal pressupõe também olhar para quem está sofrendo hoje na rua da amargura, da fome, do desemprego. Isso é a responsabilidade integrada com os vários aspectos que devemos ter ao olhar para o País.

“Não seremos irresponsáveis de nos jogarmos numa aventura. A política de valorização do salário mínimo, de correção do Imposto de Renda, tem que corresponder ao bom funcionamento da economia”

O senhor é a favor de manter o saque do FGTS no aniversário?
Não. Se depender de mim, não será mantido. Mas eu não tomo essa decisão sozinho. Vamos decidir com o Conselho Curador que se reúne em março. Vou propor que nós encerremos o saque aniversário do FGTS. E minha razão é que ele foi criado, em 1967, para acabar com a estabilidade no emprego. Criaram o FGTS acabou a estabilidade. E nasceu com o conceito de criar uma poupança para o trabalhador para que, se ele fosse demitido, pudesse engordar sua indenização tendo condições de enfrentar um eventual período de desemprego. Entre 2005 e 2007, no governo Lula, criei o Fundo de Investimento do FGTS para o projeto de infraestrutura brasileira com o objetivo de aumentar os recursos do fundo e a rentabilidade que os correntistas poderiam ter por meio dele. Ao inventar, de forma irresponsável, o saque automático do FGTS no aniversário, foram criados dois problemas: enfraqueceu o fundo de investimento que tem como objetivo a geração de empregos em infraestrutura, habitação, saneamento e tem a função de proteger o trabalhador. Mas, agora tenho recebido banqueiros preocupados em acabar com esse saque porque eles já têm a folha de pagamento como garantia do crédito consignado e ampliaram esse crédito com o fundo de garantia, criando um investimento brutal para os trabalhadores e trabalhadoras.

Como resolver isso?
É evidente que não seremos irresponsáveis em liberar automaticamente os saques sem cuidar dessa dívida do trabalhador que precisa honrar seu compromisso. Agora, pense comigo: hoje ele fez o saque, fez consignado ancorando no FGTS e foi demitido. No entanto, não pode sacar seu saldo, mesmo que ele tenha um saldo maior que sua dívida. Tem que esperar dois anos. É por essa razão que nós vamos acabar com ele.

“Tem gente muito inovadora e as inovações nem sempre são para o bem. Às vezes são para lucrar no próprio negócio e em benefício próprio. E é isso que vamos cuidar na entrada dessas empresas no PAT”

Como o senhor vê a entrada de empresas tech no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)?
Tem gente muito inovadora e as inovações nem sempre são para o bem. Às vezes são para lucrar no próprio negócio e em benefício próprio. E é isso que vamos cuidar na entrada dessas empresas no PAT. Por que nossa preocupação é com a alimentação do trabalhador. As empresas que se propõem a prestar esse serviço têm que trazer vantagens aos trabalhadores. Vamos analisar todas as propostas inovadoras que existam no mercado. Mas saiba que nossa visão é a de proteger o trabalhador.