Pouco mais de um mês depois de o governo federal baixar a Medida Provisória (MP) 1212/2024, criada com o objetivo de reduzir a conta de luz, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), protocolou um projeto de lei (PL 1956/2024) para substituir a MP que praticamente repetiu o texto original e ainda incluiu um “jabuti” (acréscimo alheio ao tema original) que beneficia as usinas de carvão do sul do País.
A iniciativa gerou revolta entre entidades do setor elétrico, pois a MP original – redigida a toque de caixa, para atenuar a revisão tarifária no estado do Amapá, que seria da ordem de 44% – previa também antecipar recebíveis da Eletrobras, operação securitizada pela qual a União pagará juros e outras taxas, além da prorrogação por 36 meses do subsídio para projetos de energia renovável.
Se essas condicionantes já seriam suficientes para neutralizar no longo prazo a redução de cerca de 4% na conta de luz prevista pela MP, pois os encargos vão acabar recaindo sobre os consumidores nos próximos anos, o jabuti inserido por Guimarães deve aumentar ainda mais esse passivo. Hoje, os subsídios respondem por 16% do valor pago na conta de luz do brasileiro.
O novo PL assegura a participação de usinas térmicas a carvão mineral nos leilões de reserva de capacidade de potência, espécie de seguro contra o risco de apagões. Elas seriam acionadas para atendimento de demandas extremas.
A proposta é criticada por privilegiar usinas térmicas alimentadas por combustível fóssil extremamente poluente. Entre as usinas de carvão beneficiadas, quatro estão localizadas no Sul do País, região que concentra grande produção de carvão: Jorge Lacerda (SC), Figueira (PR), Candiota e Pampa Sul (RS).
Para dar um verniz de sustentabilidade à iniciativa, o PL exige que as empesas que operam as usinas apresentem um plano de transição energética, mas voltado a converter “a utilização de carvão mineral em gás natural”, outro combustível fóssil com alta emissão de carbono.
“A iniciativa do governo de escolher térmicas a carvão para os leilões de reserva de capacidade e ainda pagar subsídios a elas é uma insensatez”, afirma Luiz Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia - coalizão formada por 16 entidades que representa todas as classes de consumidores (residenciais, comerciais, industriais e dos sistemas isolados).
“E isso ocorre justamente num momento em que o País acompanha, estarrecido, as enchentes no Rio Grande do Sul e os negacionistas se recusando a ver ligação do que acontece lá com as mudanças climáticas”, acrescenta Barata.
Ele observa que a proposta foi apresentada uma semana após um colega de partido de Guimarães, o senador Paulo Paim (PT-RS), ter pedido o arquivamento de um outro projeto de lei (PL 4.653/2023) que beneficiava o carvão mineral.
Barata conta que esteve recentemente em audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual discutiram a MP. “Disse a ele que, apesar da boa iniciativa de reduzir a conta de luz, a MP era ruim, e agora vem uma versão pior dela", lamenta.
Incoerência
A princípio, o objetivo do governo federal é trocar a MP pelo PL como uma “medida de proteção” à medida provisória, no caso dela não tramitar dentro do prazo estabelecido de 120 dias desde sua assinatura para poder vigorar.
Outras entidades do setor elétrico já haviam criticado a MP, denunciando sua incoerência.
A prorrogação por 36 meses do subsídio para projetos de energia renovável, prevista na MP e mantida no PL, elevará o custo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que em 2023 passou de R$ 40 bilhões e respondeu por 13,21% da tarifa dos consumidores residenciais.
De acordo com cálculo de outra entidade, Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE), a MP elevaria os subsídios em R$ 4,5 bilhões ao ano, número que deve crescer com a inclusão das térmicas a carvão.
O PL do deputado Guimarães é apenas o último de uma série de propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional que distribuem subsídios e encarecem a conta de luz – o Brasil é um país com um custo de produção de energia entre os mais baratos do mundo, mas com uma tarifa de luz entre as mais caras.
Entre as propostas mais criticadas, chama a atenção o PL 11.247/2018, aprovado na Câmara e agora renumerado para Projeto de Lei 5.932/2023 no Senado. Conhecido como PL das Eólicas Offshore, o projeto foi alvo de um estudo aprofundado da PSR, consultoria internacional que atua nos setores de energia elétrica e gás natural.
De acordo com o estudo, as medidas propostas pelo PL têm potencial impacto direto no custo para o consumidor de R$ 25 bilhões por ano até 2050 – o equivalente a R$ 658 bilhões até 2050.
"O PL das Eólicas Offshore vai causar um aumento no custo de energia de 11%, com reflexos diretos na inflação, no poder de compra da população e na competitividade industrial do País", aponta a PSR.
O PL prevê, entre outras medidas, a contratação compulsória de térmicas a gás inflexíveis “a preços que encaixam”, postergação do prazo para renováveis entrarem em operação com subsídio, contratação compulsória de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e construção de planta de hidrogênio no Nordeste.
“A contratação compulsória de nova capacidade de geração imposta pelos dispositivos do PL é desnecessária e não possui respaldo técnico”, conclui o relatório da PSR.