Calendário extenso de leilões de concessões, modelo novo de parcerias público-privadas (PPPs), acordo para atrair empresas chinesas para o setor e formatos de contratos e financiamentos inovadores para atrair o capital privado.

Com algum atraso em relação à agenda de leilões e concessões dos outros modais da pasta de Transportes do governo Lula, o secretário nacional de Ferrovias, Leonardo Ribeiro, revela ao NeoFeed um cronograma de ações previstas para 2026, o último ano da atual gestão, que passa a impressão de ter como objetivo recuperar o tempo perdido e colocar nos trilhos boa parte das promessas feitas nos últimos três anos.

A maior novidade, as ferrovias inteligentes – um modelo híbrido que vai oferecer PPPs de trechos ociosos da malha federal no formato de autorizações ferroviárias por meio de chamamento público –, sequer foi anunciada oficialmente, mas deve ter modelo divulgado ainda neste segundo semestre, com abertura de um processo seletivo para assinatura de contrato prevista para março do ano que vem.

“Trata-se de um procedimento diferenciado em relação à concessão. A ideia é aproveitar 10 mil km de trechos ociosos da malha federal e oferecê-los ao setor privado via PPP, por meio de contrato de autorização mediante um processo seletivo, de chamamento público”, diz Ribeiro.

O chamamento público é a alternativa do Ministério dos Transportes para buscar no mercado interessados na exploração indireta de trechos ferroviários federais, mediante outorga por autorização, que atualmente estão sem operação ou vêm sendo pouco utilizadas pelas concessionárias.

Na prática, a ferrovia inteligente é um modelo híbrido, que envolve uma autorização ferroviária numa malha federal, com menos fardo regulatório do que de uma concessão.

O primeiro projeto na mira é um trecho ocioso de 500 km do corredor Minas-Rio, de Arcos (MG) a Barra Mansa (RJ), que está sendo devolvido pela concessionária VLI Logística, que opera a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).

Já os sete leilões previstos para 2026 incluem o da Ferrogrão, uma ferrovia com 933 km de extensão, ligando Sinop (MT) a Miritituba (PA), no coração da Amazônia, que hiberna na gaveta há mais de 13 anos, à espera do licenciamento ambiental - o secretário-geral do Ministério dos Transportes, Georges Santoro, explica o modelo de financiamento da Ferrogrão neste artigo.

O cronograma inclui ainda leilão de duas linhas ferroviárias de passageiros – uma que liga Brasília a Luziânia, de 70 km, e outra entre Salvador e Feira de Santana (BA), de 115 km, ambas envolvendo o setor imobiliário como fonte de financiamento desses projetos –, o corredor Minas-Rio (das ferrovias inteligentes), a Estrada de Ferro Vitória-Rio (EF-118), a Malha Oeste (pela Rumo Logística, que está em fase de relicitação) e a licitação de trecho da Fiol 2, do corredor Fico-Fiol.

Interesse chinês

O corredor Fico-Fiol, que está recebendo consultoria da estatal Infra S/A e da China Railway, segundo Ribeiro, é o maior projeto ferroviário do mundo, com 2.700 km de extensão, que corta o País de leste a oeste e vai acelerar a concretização da rota bioceânica, de mais de 5 mil km, que termina no porto de Chancay, no Peru.

Dividido em vários trechos - Fiol 1, Fiol 2, com Fiol 3 conectando a Ferrovia Norte-Sul, além de Fico1 e Fico 2 -, o corredor está recebendo atenção especial dos chineses, com grande interesse em analisar o fluxo de 50 milhões toneladas de cargas que poderia passar por seus trilhos, de Ilhéus, na Bahia, até Lucas do Rio Verde (MT), última escala antes do trajeto em direção ao porto peruano, operado por uma empresa chinesa, a Cosco.

A Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol 2) é considerada estratégica pelo governo, que soltou na semana passada o edital do leilão do trecho. “Dos 500 km da Fiol 2, já executamos 70% da obra e o certame vai exigir aportes de R$ 500 milhões para construir 35 km entre Guanambi e Caetité, na Bahia, uma região importante para o agronegócio e o setor do minério”, diz Ribeiro.

Segundo ele, a conclusão do trecho fará a integração de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, até o porto de Ilhéus, na Bahia, essencial para viabilizar o corredor Fico-Fiol. O governo teve de mudar o traçado para não colocar em risco um reservatório, eliminando um risco ambiental que deixou a obra 15 anos parada.

“Isso vai trazer atratividade para o leilão, porque o novo operador vai poder transportar a carga que tem nessa região, desenvolvendo todos aqueles municípios que estão em volta, com geração de renda, geração de emprego e trazendo esse transporte da carga para poder levar da Fiol 2, passando pela Fio 1 até Ilhéus”, afirma.

A concessão do trecho da Fiol 1, devolvida pela concessionária Bamim (Bahia Mineiração) sem a construção do porto de Ilhéus, terá de esperar. Ribeiro destaca outras obras em curso, como a entrada em operação em outubro do trecho cearense da Ferrovia Transnordestina e o edital do trecho pernambucano, de Salgueiro até o Porto de Suape.

Outra frente é a repactuação da malha antiga da concessionária RTL, que terá como contrapartida a construção de Veículos Leves sobre Trilhos (VLTS) em Arapiraca (AL) e Campina Grande (PB): “Estamos dando soluções para cada estado do Nordeste.”

Corredor Fico-Fiol

Estrada da Ferro Vitória-Rio

Malha Oeste

Traçado da Ferrogrão


A grande interrogação é de onde vão sair recursos para tantos projetos, ainda mais levando em conta que o setor ferroviário, entre todos os modais de transporte, é o que mais exige grandes aportes de capital do Estado, uma vez que o investimento privado demora muito tempo para obter retorno.

Ribeiro, porém, assegura que a pasta conseguiu criar alternativas para levantar recursos. “Criamos duas fontes vinculadas de recursos: uma que pode agora permitir não só o aporte em concessões, mas também em autorizações, que são aquelas autorizações ferroviárias que a gente chama de chamamento público”, diz.

A outra fonte é o chamado investimento cruzado. “A legislação ferroviária permite que recursos que sejam obtidos por meio de repactuação de contratos com as concessionárias possam circular no setor por meio de contas vinculadas”, afirma, referindo-se à obrigação de que os valores levantados na renovação de contratos fiquem na pasta, e não migrem para o Tesouro.

“Essas contas vinculadas permitem ao governo fazer investimentos em outras ferrovias, com isso conseguimos alinhar interesses”, prossegue.

Segundo ele, quem recebe o recurso tem todo o interesse de fazer a obra o mais rápido possível, com qualidade. “Até mesmo quem paga, que são essas concessionárias que estão repactuando, prefere, em vez de fazer a obra, pagar para o governo, dentro de uma conta vinculada.”