O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, começou a esmiuçar sua estratégia para combater a crise econômica do país, a maior em 32 anos, assim que tomar posse no próximo dia 11 de dezembro, na Casa Rosada, sede do Executivo.
Em uma série de entrevistas a veículos argentinos de imprensa, ao longo da terça-feira, 21 de novembro, e na manhã de quarta, 22, o ultraliberal Milei deixou claro que pretende tomar medidas radicais no começo de seu governo para atacar os principais problemas do país: o elevado déficit fiscal, responsável pela inflação de 140% ao ano.
“Vou fazer um choque de ajuste equivalente a 15% do PIB (Produto Interno Bruto) para que o ano de 2024 termine com equilíbrio fiscal”, afirmou Milei, garantindo que na véspera da posse contará aos argentinos “de forma crua” a situação do país.
Durante a campanha, Milei exibia uma motosserra para dizer que vai cortar gastos e subsídios do governo – na prática, é isso que sinalizou nas entrevistas.
“Serão seis meses muito difíceis”, adiantou, reforçando que vai concentrar as medidas mais drásticas no começo de mandato. Com isso, espera que o processo de redução da inflação leve entre 18 e 24 meses. “Dizer qualquer outra coisa é mentir para as pessoas”, esclareceu.
Milei afirmou que o governo vai deixar de gastar o equivalente a US$ 24 bilhões com obras públicas e outras despesas no próximo ano. “Não temos dinheiro, então essas obras podem ser entregues à iniciativa privada para serem concluídas, no estilo chileno”, prosseguiu o novo presidente argentino.
Para fazer seus planos darem certo, Milei deixou claro que estará constantemente envolvido no dia a dia do governo. “Escolhi o ministro da Economia”, disse, sem revelar o nome. “Uma das coisas que vai surpreender as pessoas é que estamos montando uma equipe para gerir a economia.”
A forte reação do mercado financeiro, com a Bolsa de Valores de Buenos Aires registrando valorização de 20% na terça-feira, enquanto Milei ia alternando as entrevistas aos veículos argentinos, animou o presidente eleito.
Depois de deixar claro nas primeiras entrevistas que o ajuste será duríssimo, modulou o discurso com perspectivas otimistas para a economia do país no médio prazo.
Sobre a conversibilidade, por exemplo, disse que a ideia é que a dolarização possa ser implementada em um ano, o que vai impactar nos salários dos trabalhadores argentinos. “Hoje temos um salário médio de 300 dólares e, se conseguirmos o resultado da convertibilidade, podemos elevar o salário em seis vezes”, disse, sem explicar como.
E ainda prometeu reprivatizar a YPF – a estatal de petróleo que foi estatizada em 2012 pela então presidente e atual vice Cristina Kirchner. Em dois anos, prazo que diz necessitar para “racionalizar a empresa, o que nos permitirá valorizá-la e vendê-la melhor”.
Cortes de subsídios
As primeiras medidas sinalizadas por Milei estão em linha com as expectativas de economistas e do mercado financeiro argentino logo após a confirmação da vitória do candidato ultraliberal, no domingo, 19.
Em entrevista ao NeoFeed, o economista Nicolás Alonzo, analista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Asociados, observa que a menção de Milei ao ajuste equivalente a 15% do PIB não se refere integralmente ao gasto público ou déficit fiscal.
“A princípio seriam 5 pontos percentuais do PIB no resultado fiscal, o que nos aproximaria de um balanço equilibrado, e os restantes 10 pontos percentuais viriam do déficit parafiscal, do Banco Central argentino”, diz.
Alonzo diz que há dúvidas de como Milei pretende implementar os cortes. Segundo ele, no caso das contas públicas, há espaço para correção. “Durante 2023, por exemplo, tivemos despesas extraordinárias de quase 1% do PIB, então isso é um corte automático”, prevê.
Ele também acredita que, na sequência, seriam cortados os subsídios para vários setores (2,3% do PIB), despesas de capital (1,6% do PIB) e as transferências para as províncias.
Quanto à promessa do presidente eleito de reduzir a inflação em até 24 meses, Alonso diz que há muito otimismo. “Não me parece irracional esse prazo, especialmente se dolarizar a economia, mas não tenho certeza qual será o mecanismo para conseguir essa dolarização”, diz.
O mesmo acontece com o ajuste fiscal. Segundo ele, alguns cortes não dependem do Congresso, mas outros, como as privatizações, necessitarão de apoio legislativo. “A verdade é que seria uma novidade reduzir o déficit em 5% do PIB em um ano, e sem aumentar os impostos”, observa Alonzo.
Nas entrevistas, Milei não citou planos para uma reforma cambial, destacada por economistas como fundamental no pacote de medidas. Para Alonzo, a unificação cambial deveria ocorrer rapidamente.
“Pelas suas declarações, Milei deveria primeiro corrigir o equilíbrio do BC, uma vez resolvido isso se unificará (o câmbio), mesmo porque não há muitas opções aqui”, afirma o economista.
A reforma cambial é essencial para Milei reorganizar a economia. O desorganizado sistema cambial argentino, com mais de 20 câmbios diferentes, tem impacto nas exportações agrícolas – e o Estado retém mais de 60% das receitas provenientes da venda de cereais em impostos.
O setor agrícola é responsável por 17% do PIB, 24% dos empregos e 65% das exportações argentinas. Dois em cada três dólares que entram no país vêm por meio de troca de soja, milho ou trigo, crus ou em produtos preparados, como rações ou óleos. E Milei vai precisar de cada um desses dólares se quiser abandonar o peso e fechar o Banco Central sem provocar o caos.
A reforma cambial e a redução dos pesados impostos sobre os grãos certamente estão na mira de Milei, que ainda não detalhou como pretende agir.
“Embora Milei tenha declarado que vai eliminar os impostos de exportação, não dá para prever quando”, diz Alonzo. “Como o novo governo não vai conseguir fazer tudo ao mesmo tempo, em algum momento, acredito, deverá priorizar quais problemas atacar, entre eles a questão dos impostos de exportação.”