Na reta final da campanha presidencial argentina - o primeiro turno será realizado no domingo, 22 de outubro -, o dólar emerge como o principal “cabo eleitoral” dos três candidatos com chances de disputar as duas vagas para o segundo turno, em 19 de novembro.

Nos comícios e entrevistas, o ultradireitista Javier Milei, o peronista Sergio Massa (atual ministro da Economia) e a candidata pro-mercado Patricia Bullrich já não perdem mais tempo detalhando suas propostas de educação, saúde ou segurança.

O que interessa é  discorrer com eloquência o que vão fazer para impedir que o câmbio saia de controle, o peso derreta de vez e a inflação pare de subir, quando sentarem na cadeira presidencial.

A maior parte dos argentinos, porém, está mais preocupada com o curtíssimo prazo: qual será o preço do dólar no câmbio paralelo já na próxima segunda-feira, dia seguinte ao primeiro turno? O temor é que ocorra uma desvalorização do peso semelhante à decretada pelo governo em 14 de agosto, um dia depois de o candidato Milei sair vitorioso nas eleições prévias.

Além de uma desvalorização de 18% do peso, o Banco Central da Argentina também aumentou a taxa básica de juros em 21 pontos percentuais, para 118%. Desde então, a economia do país entrou em queda livre.

“Caso haja vitória de Milei no primeiro turno ou um segundo turno entre Massa e Milei, a expectativa é que a pressão aumente no mercado oficial, pela menor oferta de dólares, e no paralelo, pela maior demanda”, afirma o economista e consultor argentino Gabriel Caamaño.

Há uma semana, depois de Milei afirmar a uma rádio que “o peso não vale nem como excremento”, aconselhando os argentinos a se livrarem da moeda nacional, a cotação do dólar no mercado paralelo explodiu, ultrapassando a barreira dos 1.000 pesos (no câmbio oficial, a moeda americana é negociada a 350 pesos).

Com o peso desvalorizado em 40% desde agosto e a inflação anual subindo para 138% em setembro, é natural que os argentinos cobrem dos candidatos o que pretendem fazer para tirar a economia da crise.

As propostas, no entanto, sem maiores detalhamentos, dão razão ao sentimento de pânico que se abateu sobre os eleitores argentinos, que passaram a agir pelo que o economista Guillermo Oliveto definiu como “modo bunker” – o de estocar alimentos no dia de recebimento do salário para driblar a desvalorização do peso e ignorar o que dizem os candidatos.

O governista Sergio Massa - o ministro responsável pela política econômica do governo -, por exemplo, fala em “fortalecer o peso”. Patricia Bullrich, aliada do ex-presidente Mauricio Macri, propõe adotar uma “economia bimonetária”.

Já Javier Milei, um professor de economia que se autointitula anarcocapitalista, insiste com sua promessa de dolarizar a economia. A proposta, polêmica, é criticada por especialistas, mas ajudou a impulsionar sua popularidade.

O quadro econômico aliado à falta de confiança nos candidatos ajuda a explicar o equilíbrio nas pesquisas. Até 14 de outubro - último dia para divulgação de sondagens -, Massa aparecia na frente com 30,9% das intenções de voto, seguido de Milei (26,5%) e Bullrich (24,4%), de acordo com pesquisa da AtlasIntel para a CNN.

Outras sondagens, no entanto, apontaram Milei e Massa com cerca de 30% das intenções de voto, com Bullrich na faixa de 24%. A tendência é um segundo turno entre Massa e Milei, já que nenhum dos dois deve obter 40% dos votos ou 10% a mais que o segundo colocado.

Críticas ao papa

Milei, que surpreendeu ao vencer as prévias de agosto, é considerado o favorito para ir para o segundo turno por ser a voz mais ativa contra o peronismo.

Excêntrico, Milei é o típico outsider que costuma ganhar popularidade em tempos de crise. Até 2021, quando se elegeu deputado, era conhecido por seus comentários ácidos de economia e dos políticos em programas de TV, nos quais chamava a atenção pela cabeleira desalinhada e vastas costeletas.

Na campanha, manteve o hábito de usar jaqueta de couro e citar como atributos pessoais sua paixão pelos Rolling Stones (já tocou em bandas cover do grupo inglês), uma duvidosa experiência como guru do sexo tântrico e ser entusiasta de cosplay. Além disso, vive criticando o papa Francisco, que é argentino, de ser “um jesuíta que promove o comunismo”.

Com grande penetração nas redes sociais e forte apoio dos jovens e de argentinos do interior, sua mensagem é simples e direta: uma “casta” dominante de políticos e burocratas da esquerda e da direita arruinou o país com uma corrupção desenfreada e uma inflação altíssima.

A solução é encolher drasticamente o Estado, reduzindo número de ministérios de 18 para 8, privatizar estatais e até fechar o banco central. Seu carro-chefe, porém, é a promessa de dolarizar a economia, eliminando o peso fortemente desvalorizado da Argentina e substituindo-o pela moeda dos EUA.

Para Caamaño, no entanto, o candidato tem pouca margem de manobra por causa da situação atual do peso. “A dolarização não é inviável, mas a forma como Milei a propõe agora exigirá um salto maior em todo o valor nominal e, portanto, um colapso na procura de pesos.”

Outro fator repetido por especialistas contra o projeto de Milei é a escassez de dólares em poder do banco central para adotar a moeda americana. As reservas argentinas estão em US$ 25 bilhões, segundo balanço oficial, mas analistas estimam que as reservas líquidas estão negativas em US$ 6,5 bilhões.

Por causa da corrida pelo dólar nos últimos meses, bancos - incluindo o BCRA - vêm aumentando continuamente a importação de dólares físicos para manter a liquidez durante o período eleitoral, de alta procura pela moeda (ocorreram desvalorizações do peso entre o primeiro e segundo turno em três das últimas quatro eleições presidenciais).

Precavidos, os argentinos passaram a retirar suas aplicações em renda fixa em pesos, transferindo-as para contas em dólares. Só na semana passada, de acordo como BCRA, foram sacados US$ 376 milhões de contas em dólares (principalmente em contas de poupança).

O economista Nicolás Alonso, analista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Asociados, afirma que seriam necessários ao menos US$ 30 bilhões em reservas para o plano de dolarização de Milei sair do papel. “Isto significa que, sem dólares, a dolarização só causará desvalorização e inflação no futuro imediato”, afirma.

Segundo ele, porém, o plano só teria viabilidade a médio prazo. “O próprio Milei falou num período próximo de 24 meses para dolarizar, o que significa que ele teria dois anos para levantar esses US$ 30 bilhões”, diz Alonso. Como faria isso, Milei nunca detalhou.

Massa ileso

Já o candidato do governo conseguiu a proeza na campanha de evitar se queimar pelos incêndios que ele próprio provocou. Talvez por ser de uma corrente pró-mercado do peronismo, sua desastrada gestão no Ministério da Economia não parece afetar sua candidatura.

Numa entrevista na TV, Massa chegou a afirmar que não paga os custos da terrível situação do país “porque as pessoas distinguem e sabem que este não é o meu governo”. Mas quando precisa recorrer ao presidente Alberto Fernandéz, não se faz de rogado.

Esta semana, em meio a especulações de que a falta de dólares do BCRA ajudaria a impulsionar um rally no mercado paralelo após o primeiro turno, Massa ganhou pontos com sua promessa de que a taxa de câmbio oficial permanecerá fixa até 15 de novembro em 350 pesos por dólar.

Isso passou a ser possível depois que o presidente argentino, em viagem a Pequim, conseguiu selar a ativação da segunda parcela do swap com a China de US$ 6,5 bilhões - US$ 1,5 bilhão a mais do que havia pedido a Xi Jinping.

De quebra, fez a Massa a promessa de mudar as importações de dólares para yuans para acelerar o pagamento devido às pequenas e médias empresas (PMEs) exportadoras e até pagar ao FMI.

Alonso, da a consultoria Orlando Ferreres e Asociados, afirma que a princípio a taxa de câmbio oficial deve se sustentar até novembro. “O governo ganhou algum espaço com essa medida, então pode continuar com essa dinâmica perigosa por mais um tempinho”, afirmou.

Para enfrentar o furacão Milei, Massa se cercou de marqueteiros brasileiros que trabalharam na campanha presidencial de Lula. Entre os conselhos ao candidato peronista, sugeriram que Massa não repita o erro que Fernando Haddad cometeu com Jair Bolsonaro em 2018, de ridicularizar o então deputado, estratégia que se voltou contra ele.

O caminho é refutar os argumentos, não atacar a pessoa, recomendaram esses especialistas, defendendo a receita que fez Lula vencer em 2022.

Para minar a candidatura de Patricia Bullrich, Massa foi aconselhado a fazer um apelo a um governo de unidade nacional com membros da coligação de Bullrich. O argumento: é preciso formar uma frente para defender a democracia, ameaçada pela extrema direita. Foi a bandeira de Lula contra Bolsonaro. Coincidência ou não, Bullrich parou de crescer.

“Massa não tem nada diferente em seu programa de governo do que fez até agora como ministro, portanto uma vitória também seria negativa no curto prazo para as expectativas econômicas", afirma o consultor Caamaño.