Como inflação alta já não é um mal que acomete este ou aquele país, mas uma pedra no sapato de todo o mundo, a Argentina encontra receptividade entre interlocutores internacionais para discutir sua crise e trazer dólares para suas reservas.
A necessidade de obter dólares é urgente. Nos próximos dois meses, a Argentina deve pagar US$ 5,2 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Para a semana que vem, dias 21 e 22 de setembro, estão previstos desembolsos de US$ 2,6 bilhões.
Com índice de preços ao consumidor flertando com 77% em 12 meses até agosto – dado a ser conhecido na tarde desta quarta-feira – o ministro da Economia, Sergio Massa, corre para revalidar o acordo com o Fundo e acertar os ponteiros com credores privados.
Mal concluiu sua visita ao FMI, Banco Mundial e autoridades do governo norte-americano na última semana, em Washington, Massa já tem bilhete marcado para uma rodada de conversas em Paris.
Em 29 de setembro, ele embarca para a Europa para um encontro com o Clube de Paris em busca de um acordo para dívida estimada em US$ 2,4 bilhões que remonta a financiamento realizado em 2014.
O encontro será histórico. O Clube de Paris é um grupo informal que se reuniu pela primeira vez em 1956, quando a Argentina concordou em encontrar-se com credores privados na capital francesa.
Em 66 anos, o Clube firmou 478 acordos com mais de uma centena de países e renegociou US$ 612 bilhões em dívidas. Atualmente, esse fórum tem 22 membros permanentes e o Brasil, que já renegociou sua dívida no passado, é um deles. Ingressou em 2016.
À França, Sergio Massa leva na bagagem contatos positivos que teve nos EUA e não apenas com autoridades financeiras. Em Houston, ele se reuniu com pesos-pesados da indústria petrolífera – representados pela Chevron, Shell, Exxon, Total, BP, Pan American Energy e Axion – atrás de investimentos e dólares.
Em Washington, o ministro argentino conheceu pessoalmente Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, que, há 50 dias, teve encontro semelhante com Silvina Batakis, antecessora de Massa por três semanas.
Na capital americana, o ministro argentino encontrou-se também com David Lipton, conselheiro e braço direito de Janet Yellen, secretária do Tesouro de Biden e foi agraciado pela inesperada presença de Yellen durante a reunião.
O encontro com a secretária do Tesouro foi interpretado como apoio do governo americano às tratativas da Argentina com o FMI que, aprovando a revisão do acordo de US$ 45 bilhões, deve liberar cerca de US$ 4 bilhões ao país em 30 de setembro.
Massa – ex-presidente da Câmara dos Deputados agora licenciado – não levou apenas a reiterada promessa de cumprimento da meta de déficit primário de 2,5% do PIB neste ano, redução de subsídios e combate à inflação que, projeta o mercado, ficará em torno de 6,5% em agosto com alta interanual de 77,5%.
O ministro argentino levou aos interlocutores a informação de que o “dólar de soja”, operação lançada em 5 de setembro e com duração até o dia 30, está dando resultado. A operação foi criada para que a Argentina consiga obter reservas cambiais, vindas de exportações supostamente represadas por agricultores.
Para incentivar a exportação da commodity, o governo oferece uma taxa especial e vantajosa de câmbio aos exportadores de 200 pesos por dólar, ante a cotação oficial de 148 pesos por dólar.
Com a iniciativa, US$ 2,25 bilhões já foram levantados em praticamente uma semana, mais de 40% da meta de US$ 5 bilhões que o Ministério da Economia pretende obter até o dia 30.
Em uma demonstração de que não pretende manter subsídios ainda que indiretos a setores, o Banco Central da Argentina elevou o juro cobrado no crédito para produção agrícola. Com a inflação muito alta, as taxas pagas pelos tomadores tornavam-se negativas em termos reais.
Desde a semana passada, porém, os produtores de soja interessados em obter financiamentos pagam mais de 100% da taxa básica vigente no país de 69,5% e que pode ser elevada a 75% ainda neste mês, informa a imprensa argentina. Os produtores que mantiverem estoque de soja superior a 5% da produção passaram a pagar taxa ainda mais elevada, equivalente a 120% da taxa básica.
Dessa forma, o governo argentino incentiva os produtores a manter o ritmo de liquidação das exportações para obter recursos sem recorrer a empréstimos, tendo como efeito complementar a expansão das reservas do país.
Apesar do esforço concentrado do governo argentino, o FMI não anunciou, de imediato, sua aprovação à revisão do acordo de US$ 45 bilhões. Mas a expectativa de especialistas é de que ela ocorra e a liberação da parcela em torno de US$ 4 bilhões seja confirmada.
O Banco Mundial já ratificou a transferência de US$ 900 milhões para a Argentina nos próximos seis meses como apoio à recuperação econômica do país. E o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) firmou um novo acordo com o país de US$ 1,2 bilhão, US$ 400 milhões a mais que o previsto, também para fortalecimento das reservas.
Sem desfecho calculado, mas de aprovação considerada improvável, Massa ainda busca um acordo com o governo americano para tornar automático o intercâmbio de informações entre os dois países para detectar ao menos US$ 100 bilhões depositados por argentinos em contas nos EUA.
Apesar da sinalização favorável do périplo de Massa junto aos credores internacionais, economistas do Itaú alertam, em revisão de cenário distribuída em nota na segunda-feira, 12 de setembro, que a economia argentina não está livre de percalços. E de uma inflação monumental.
Para o PIB de 2022, o Itaú elevou sua projeção de expansão de 2,5% para 3,9%. Porém, para 2023, espera retração de 2%. O banco prevê inflação de 98% neste ano e também no próximo.
O Itaú estima ainda déficit fiscal primário de 2,8% do PIB em 2022, ante 3% na leitura anterior. E juros reais negativos, mas próximos de zero.
Quanto à taxa de câmbio especial concedida temporariamente na operação “dólar de soja”, o Itaú avalia que a iniciativa, mesmo que bem-sucedida, não trata o problema do país que tem “uma taxa de câmbio oficial sobrevalorizada insustentável que pode levar a mais pressões adiante”.