O comércio global está entrando numa nova era, com queda de volume de trocas comerciais impactada pelo ciclo de inflação e juros elevados dos países do Primeiro Mundo, redução de exportações chinesas e sinais de consolidação de mudanças geopolíticas nas cadeias globais de suprimentos.
O near-shoring, movimento de realocação de cadeias produtivas para perto de mercados consumidores, ganhou tração com o exemplo do México, que passou a China como principal parceiro comercial dos EUA.
Outro movimento nessa direção se confirmou com o anúncio da queda de 3,2% do volume de comércio global em julho em comparação com o mesmo mês do ano passado, divulgado na segunda-feira, 25 de setembro, pelo Escritório Holandês de Análise de Política Econômica, conhecido como CPB (na sigla em inglês). Pela primeira vez, o ciclo de inflação e juros é citado como uma das causas.
Embora a queda de exportações e importações já vinha sendo registrada há meses por vários países, foi em julho que a redução nos volumes de comércio global atingiu o maior número de nações. Em junho, esse volume já havia recuado 2,4%.
O CPD alinhou três fatores para o enfraquecimento do comércio global: aumento da inflação, elevação das taxas de juros por parte dos bancos centrais mundiais em 2022 e crescimento da despesa em serviços internos à medida que as economias reabriram após os confinamentos. Ou seja, o aumento de custos está pressionando a cadeia de suprimento
Duas das principais economias globais que ainda lutam para derrubar a inflação registraram queda nas exportações de bens. A zona do euro teve forte recuo, de 2,5%, enquanto os EUA tiveram diminuição de 0,6%. Maior exportador de bens do mundo, a China não enfrenta problemas com inflação, mas amargou queda anual de 1,5% de suas vendas ao exterior.
Apesar de não se esperar que as taxas de juros subam ainda mais nos próximos meses, a tendência de mantê-las num nível elevado até 2024 nos dois lados do Atlântico indica pouca perspectiva de melhoria do comércio mundial no curto prazo.
Por um lado, por causa da queda da produção industrial global, que caiu 0,1% em comparação com o mês anterior, impulsionada por recuos acentuados na produção no Japão, na zona euro e no Reino Unido.
Por outro, devido ao efeito defasado dos juros elevados em alguns segmentos. A procura por importações de bens que muitas vezes são comprados com fundos emprestados – como carros, artigos de decoração e bens de capital –, por exemplo, deve atrasar a retomada de exportações desses produtos.
Um levantamento recente do Instituto Thomson Reuters confirmou o profundo impacto da inflação no ecossistema da cadeia de abastecimento global. De acordo com o Relatório da Pesquisa de Comércio Global Corporativo de 2023, com mais de 175 profissionais do comércio provenientes de diversas regiões, 33% dos líderes da cadeia de abastecimento identificaram a inflação elevada como a sua principal prioridade estratégica para os anos 2023-24.
Fator China
O fraco desempenho da economia chinesa em 2023 também foi decisivo para o recuo do comércio global - liderado com folga pelo país asiático, com uma participação de 14,4%, bem acima dos 8,3% dos Estados Unidos e 6,6% da Alemanha, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC).
As exportações da China em agosto caíram 8,8% na base anual, registrando o quarto mês consecutivo de declínio. As importações também caíram em agosto, em 7,3%.
Este ano, pela primeira vez desde 2014, a China perdeu para o México o posto de maior parceira comercial dos EUA, sinal de um movimento global de mudança nas cadeias de suprimentos.
Essa tendência começou a mudar em 2018, quando a administração do então presidente Donald Trump começou a impor tarifas sobre produtos chineses. O processo avançou rapidamente com a pandemia, que desorganizou a cadeia global de abastecimento, com escassez de todos os tipos de produtos.
Três fatores contribuíram para a ascensão do near-shoring. Um deles foi o acirramento da tensão política EUA-China, que prosseguiu com a decisão do presidente dos EUA, Joe Biden, de manter as tarifas de Trump em vigor ao assumir o cargo, em 2021.
A guerra da Ucrânia e a política de confinamento da população chinesa por causa da Covid, que se estendeu até o final do ano passado, consolidaram esse distanciamento do comércio global da dependência chinesa.
O ciclo de juros elevados no Primeiro Mundo, reduzindo a demanda por bens, deve retardar ainda mais a retomada da China como protagonista do mercado exportador. Resta saber se o México vai confirmar que o near-shoring veio para ficar ou se a China conseguirá reverter essa tendência.