O ciclo de inflação elevada seguida de aumento de juros, fenômeno que atingiu nações ricas e emergentes no período pós-pandemia, está chegando a um ponto de inflexão.

A inflação começou a cair mundo afora e a tendência, daqui para frente, é o início de um novo ciclo da economia global, marcado por redução gradual de juros. Para a América Latina, essa mudança de chave impõe riscos, em especial no câmbio.

Essas são as principais conclusões do estudo “Como andam nossos vizinhos: Cenário global é risco para o processo de flexibilização monetária na América Latina”, preparado por Francisco Nobre, economista da XP, e obtido com exclusividade pelo NeoFeed.

O estudo se debruça sobre os efeitos desse processo ainda incipiente, em especial nos Estados Unidos e na Europa, aliado ao baixo crescimento chinês, nos países da América Latina - que iniciaram antes o ciclo de aumento de juros e de redução da inflação e podem ficar expostos a eventuais efeitos da política monetária atual das nações ricas.

“A pergunta que se faz hoje é quando os bancos centrais dos EUA e da Europa vão parar de subir os juros e quando vão começar a cortá-los, sendo que a tendência é de cortar aos poucos ao longo de um período maior”, diz Nobre, em entrevista ao NeoFeed, citando a reunião de quarta-feira, 20 de setembro, do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, e a do BCE, da zona do euro, na semana anterior.

Segundo ele, a maior surpresa do comunicado de ontem do Fed - que decidiu manter a taxa de juros na banda entre 5,25% e 5,5% ao ano - foi a divulgação da mediana de juros prevista pelos membros votantes para os próximos dois anos.

“A previsão, por exemplo, é de os EUA fecharem 2024 com juros a 5%”, diz, o que confirma a estratégia do Fed de manter as taxas de juros “mais altas por mais tempo”, iniciando os primeiros cortes apenas no segundo trimestre de 2024.

Já o BCE - que na semana passada aumentou os juros na zona do euro em 0,25 ponto percentual, para 4% ao ano - deixou claro no comunicado que não deve aprovar novos aumentos, apenas se a inflação de 5,3% ao ano voltar a subir.

Para o economista da XP, é preciso cautela ao falar em queda da inflação. “Embora tenha invertido para a curva de baixa, o processo de desinflação está no meio do caminho”, adverte Nobre, lembrando que reduzir de 10% para 4%, por exemplo, é mais fácil nessa primeira fase, enquanto a convergência para a meta de 2% leva mais tempo.

Efeito regional

O estudo da XP parte desse cenário global para avaliar os riscos externos que podem dificultar a velocidade da desinflação e do alívio monetário na América Latina, cujos países passam por diferentes estágios de crescimento econômico e de processo de desinflação.

A economia mexicana é a que está mais se beneficiando da atividade resiliente dos EUA devido aos fortes laços entre os dois países, com crescimento robusto. No Chile e no Peru, a diminuição das incertezas domésticas, aliada ao aumento da renda real das famílias, pode sustentar o crescimento na segunda metade de 2023.

Já a economia argentina deve seguir refém de fatores domésticos, e desequilíbrios persistentes podem levar o país a uma recessão. No Brasil, o PIB foi revisado para cima devido ao desempenho mais forte do que o esperado do setor agrícola no primeiro semestre de 2023.

A alta das commodities, por sinal, está sendo favorável para as economias latino-americanas, que temiam um efeito negativo com o baixo crescimento chinês. De acordo com o estudo, apesar da fraqueza da China preocupar, o comércio exterior da região permanece sólido.

A resiliência pode ser explicada pela contínua reposição de estoques de commodities na China, o que apoia as exportações reais e os preços das commodities, com efeitos positivos sobre a demanda doméstica.

As commodities em alta, por sua vez, ameaçam o processo de desinflação global. A cotação elevada do petróleo é um caso à parte - e perigoso -, que reflete a redução de oferta por parte dos países produtores, e não de demanda.

De acordo com Nobre, se o preço do barril subir para acima de US$ 100 pode impactar no índice de inflação dos EUA e do mundo e, por tabela, no ritmo de queda (ou até elevação) de juros.

“A política monetária do Fed de manter juros mais elevados por mais tempo limita o espaço dos BCs da América Latina para cortar juros”, diz Nobre, lembrando o cenário brasileiro entre 2021 e 2022, quando o BC começou a subir os juros, que na época eram próximos de zero nos EUA.

“O real se valorizou, porque os ativos brasileiros ficaram mais atrativos na margem” diz Nobre. “Com esse diferencial de juros caindo aqui e lá ainda em alta, fica menos atrativo para investimentos aqui, o fluxo passa a ser contrário, com impacto negativo no câmbio.”

Segundo ele, o BC precisa ficar atento se a variação do câmbio pode levar ao aumento da inflação no Brasil. Como conclui o estudo, riscos externos podem dificultar a velocidade da desinflação e do alívio monetário na região.