De um lado, o início do ciclo de corte da taxa básica de juros (Selic) abrindo a esperança de uma volta à Bolsa. Do outro, incertezas vindas do mercado internacional, em especial, das duas maiores economias do mundo, gerando receio sobre a retomada da atividade global.

Com essas duas forças antagônicas pressionando, a Legacy Capital decidiu se posicionar “no meio”. Para isso, vem apostando no crédito privado, vendo nos instrumentos de dívida o melhor caminho para aproveitar o afrouxamento monetário iniciado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no começo de agosto e se precaver de tempestades no lado externo.

“Esse cenário, de juros altos no Brasil, ainda que em queda, e lá fora com juros altos e incertezas em relação à dinâmica de PIB nas duas principais economias do mundo, Estados Unidos e China, nos faz ficar um pouco mais cautelosos em relação à Bolsa no Brasil”, diz Leonardo Ono, sócio e gestor de renda fixa e crédito privado da Legacy Capital, em entrevista ao NeoFeed.

Com cerca de R$ 29 bilhões de ativos sob gestão, a casa vem aumentando sua exposição ao crédito privado desde que o mercado passou por um estresse no começo do ano, boa parte dele provocado pelos problemas de Americanas e Light. Segundo Ono, o mercado vem apresentando boas oportunidades, com grandes empresas, de maneira geral, apresentando boas estruturas de capital.

“O lado bom é que você ainda encontra ativos com preços bem mais atrativos do que se via no passado. Muitos papéis que davam retorno de CDI mais 1,5%, CDI mais 2%, estão mais perto de CDI mais 3%”, afirma.

O foco da Legacy são empresas grandes em setores menos cíclicos, com destaque especial para infraestrutura, em que é possível encontrar boas oportunidades em debêntures. Ono destaca que as discussões do governo a respeito de impostos sobre investimentos pode servir de catalisador para um aumento da demanda por esses ativos.

Mesmo apostando em crédito privado, essa classe de ativos ainda é pequena dentro da Legacy Capital, representando R$ 500 milhões dos ativos sob gestão. Mas o plano é crescer, com a casa abrindo para o público o fundo Legacy Debênture de Infraestruturas. Com cerca de um ano de vida, ele apresenta um retorno de 13,5%. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Por que a Legacy está apostando em crédito privado para os próximos meses? É por conta do macro?
Nossa visão positiva combina nossa análise macro com a micro. Do lado macro, entendemos que o início da queda de juros, do nível em que chegou, de 13,75% ao ano, para onde o mercado precifica hoje, perto de 9% ao ano, no ano que vem, é bem positivo para essa classe de ativos. O melhor lugar para o crédito, é um juro que não seja nem tão baixo, nem tão alto. Alguma coisa entre 7% e 10% de Selic é um nível ideal para atrair investimento em crédito, porque uma Selic abaixo desse nível gera uma uma saída muito grande de renda fixa e uma migração maciça para Bolsa.

E o micro?
Do ponto de vista micro, em função de um cenário mais apertado no começo do ano, marcado por juros altos, preocupações com as projeções de crescimento do PIB, as empresas, principalmente as maiores, tiveram uma postura bem pragmática em relação ao que fazer para passar por esse período. Vimos dois movimentos bem benéficos aos credores.

Quais?
Um deles foi a venda de ativos, como no caso da Natura vendendo a Aesop. Uma série de empresas vendeu ativos para fazer caixa. Do outro lado, vimos uma série de empresas acessando o mercado de ações para fazer follow on, para colocar um caixa adicional para dentro da empresa. Para quem é credor dessas empresas, tanto venda de ativos quanto follow ons são movimentos muito positivos.

Como enxergavam a preocupação no começo do ano com o mercado de crédito?
O mercado ficou muito preocupado com uma possível crise de crédito no começo do ano, mas a gente não achava isso. Avaliamos que era um movimento de reprecificação no mercado de crédito, que não tinha uma cara de crise. Isso por vários motivos, entre eles, o fato de o sistema financeiro estar muito saudável, com os bancos capitalizados e líquidos. Eu acho que isso ficou meio claro para todo mundo, que o pior momento para crédito passou, depois do que foi visto entre janeiro e maio.

O que mudou desde então?
Desde maio temos visto uma recuperação, acompanhada do avanço do Ibovespa, do fechamento da curva de juros, com a melhor do humor. Isso corrobora um pouco nossa visão de quanto mais alta está a Bolsa, mais fácil fica para empresas que precisam fazer novos aumentos de capital. A gente também vê uma volta da atividade de emissões no mercado primária. Logo depois de Americanas e Light, você teve um momento difícil para as empresas emitirem, porém nesses últimos meses a gente vê um mercado bem mais saudável. Muitas empresas emitindo CRA, CRI, debêntures, debêntures de infraestrutura. Até o mercado de bonds reabriu. Isso traz também tranquilidade de que as empresas vão continuar se financiando nos próximos meses.

"A gente se sente mais confortável em apostar no crédito, apostar que as empresas grandes, de qualidade, não vão quebrar, do que apostar que vai ter uma expansão de lucro"

Você diria que o mercado de crédito se normalizou após o que aconteceu no começo do ano?
Aos poucos ele está normalizando. O lado bom é que você ainda encontra ativos com preços bem mais atrativos do que se via no passado. Muitos papéis que davam retorno de CDI mais 1,5%, CDI mais 2%, estão mais perto de CDI mais 3%. Existem algumas subclasses que estão muito interessantes, uma delas sendo de debêntures de infraestrutura.

Por quê?
Hoje, conseguimos montar uma carteira com retorno próximo a IPCA mais 7%, numa carteira de debêntures de infraestrutura, isenta de Imposto de Renda, e a gente entende que em um cenário de ciclo de corte de juros, esse tipo de investimento pode ser muito lucrativo nos próximos um, dois anos. E diria que a reforma tributária que está sendo discutida, de possivelmente tributar vários investimentos, como fundos exclusivos, mexer na parte de dividendos e JCP, aumenta a atratividade de outros ativos isentos de Imposto de Renda, como as debêntures de infraestrutura.

Por que apostar em crédito privado e não em ações?
No atual cenário, a gente se sente mais confortável em apostar no crédito, apostar que as empresas grandes, de qualidade, não vão quebrar, do que apostar que vai ter uma expansão de lucro das empresas. O cenário ainda é desafiador, essa Selic de potencialmente 9% ao ano no final de 2024 ainda torna a dívida das empresas caras.

E isso vai impactar os resultados...
Se você está tendo que pagar mais para para rolar suas dívidas e para servir os juros de suas dívidas, sobra menos para o acionista. Esse cenário de juros altos no Brasil, ainda que em queda, e lá fora com juros altos e incertezas em relação à dinâmica de PIB nas duas principais economias do mundo, nos faz ficar um pouco mais cautelosos em relação à Bolsa. A renda fixa ainda vai ser uma alternativa muito interessante enquanto a Selic não passar do nível de 7% a 8% ao ano. O nível de ganho e a volatilidade do crédito é muito menor do que o da Bolsa, mas ajustado a risco pode ser uma alternativa mais interessante do que a Bolsa no curto prazo.

Leonardo Ono, sócio e gestor de renda fixa e crédito privado da Legacy Capital

Quais os riscos do cenário macro?
O cenário para o Brasil é ok, não vemos nenhum motivo para ficar pessimista. Estamos atentos a questões de mudança de regulação, impostos, como isso afeta cada setor. Muita coisa a gente acredita que seja ruído, como a reversão da Lei de Saneamento, reestatização da Eletrobras. Já quando você olha para fora, as incertezas são muito grandes.

Quais são as principais incertezas?
Desde 2007 os juros americanos não se encontram em patamares acima de 5%. O que a gente está vivendo em termos de política monetária nos Estados Unidos não é algo ordinário. Não sabemos os impactos disso, tem muita discussão sobre por que economia americana está tão resiliente, se vem recessão, se será profunda ou mais leve e quando ela vem. Somado a isso se tem uma incerteza grande sobre o que está acontecendo na China. Isso é especialmente importante para o Brasil, que tem um setor de commodities grande na Bolsa, afetado pelo que acontece na China.

Esse cenário que a Legacy projeta, dura quanto tempo? Qual a chance dele mudar para positivo e o crédito deixar de estar atrativo, comparado com a Bolsa?
A gente tem que viver um dia após o outro. Hoje, temos pouca visibilidade do que vai acontecer, por exemplo, no ano que vem. Estamos muito focados nos próximos seis meses. Nessa questão de valor relativo entre renda fixa, crédito e Bolsa, talvez os juros caiam mais rápido aqui no Brasil. Se isso acontecer, permite acelerar essa migração da renda fixa para outras classes de ativos, e aí a Bolsa seria beneficiada. A questão é a dinâmica de inflação permitir e é preciso levar em conta o cenário de que, se os juros lá fora estão muito altos, talvez tenha algum impacto sobre para onde vão os juros aqui após o ciclo de cortes. Vamos supor que a Selic fosse para 7% ao ano e os Estados Unidos estejam trabalhando com juros de 5,5% ao ano, possivelmente deve ter algum impacto na taxa de câmbio e, eventualmente, isso afete a dinâmica de inflação. É muito difícil ter uma visão para um prazo mais longo, por isso estamos trabalhando com prazo de seis meses.

"O melhor lugar para o crédito, é um juro que não seja nem tão baixo, nem tão alto, alguma coisa entre 7% e 10% de Selic"

Considerando a predileção por grandes empresas, como avalia a situação das companhias após a temporada de balanços do segundo trimestre? Algum ponto de atenção, olhando para a estrutura de capital?
As empresas entraram nesse momento de Selic alta com uma fotografia de balanço muito saudável, ponto importante para que não se visse estresse maior. Comparando com 2015, as empresas estavam com balanço muito mais saudáveis. O momento atual, apesar de difícil, é muito mais brando do que foi em 2015. Óbvio que muitas empresas não imaginavam que a Selic ia sair de 2% ao ano para 13,75% ao ano, então tinha uma estrutura de dívida desafiadora caso os juros ficassem elevados por muito tempo. Dito isso, vemos alguns acertos de rumos, com várias empresas que poderiam ter algum tipo de dificuldade, como BRF, fazendo aumento de capital e ficando com um balanço mais saudável. Outra coisa que tem ajudado as companhias é a surpresa da atividade econômica para cima. Muitos economistas, no começo do ano, entendiam que o PIB poderia crescer abaixo de 1% e hoje o mercado trabalha com alguma coisa mais perto de 2,5%. Sem dúvida isso é um alívio para as companhias.

Em que tipo de setores a Legacy tem focado?
Temos focado em setores menos cíclicos, como é o caso de infraestrutura, a parte de aluguel de carros, aluguel de equipamentos, a parte telecom ou serviços ligados à telecom, como fibra óptica. São setores que entendemos que, nesse cenário, trazem uma segurança maior. Temos evitado setores mais cíclicos, como o varejo discricionário, a parte imobiliária, setores que sentiram a inflação de custos afetando os seus preços de venda. O crédito encareceu, então no setor imobiliário, a pessoa que quer comprar imóvel encontra juros muito altos. São setores que temos evitado. A parte de saúde também está com dificuldade de passar custos para preços.

Do total sob gestão, quanto o crédito privado representa?
A empresa como um todo tem cerca de R$ 29 bilhões. Deste total, diria que R$ 28,5 bilhões é na estratégia macro, multimercado, e o restante é na estratégia de crédito privado.

Quanto a casa está alocada em crédito privado?
Somando todas as estratégias, hoje temos uma alocação de 13% em crédito privado.

Chegar neste patamar de 13% é uma novidade para a Legacy? Já estiveram neste patamar antes?
A Legacy montou a área de crédito há três anos e desde então a gente tem utilizado uma parte do risco do fundo para operar o mercado de crédito. Na margem, a gente está um pouco maior do que a gente estava rodando no ano passado, depois de ter feito uma redução importante. Vínhamos com um nível próximo a 10% no ano passado, mas de outubro até o primeiro trimestre deste ano reduzimos a mais da metade dessa posição. A gente chegou a ter uma posição de apenas 4%, e de maio para cá, a gente fez um aumento relevante, atingindo esse nível de 13%.

A Legacy está levantando recursos para aumentar o volume de aquisições?
A Legacy é conhecida pela estratégia multimercado, mas há dois anos a casa abriu um fundo específico de crédito, o Legacy Credit, com o objetivo de retornar de CDI mais 2% a CDI mais 3%. Esse fundo tem R$ 500 milhões hoje em dia. Ano passado, os sócios colocaram dinheiro numa estratégia nova, o Legacy Debênture de Infraestruturas. Esse fundo tem quase um ano de vida e está com volume de R$ 50 milhões. Estamos indo para mercado para oferecer esse fundo também. Neste ano, ele está com um retorno de 13%, isento de Imposto de Renda

Quanto pretendem captar neste segundo fundo?
A gente não tem um objetivo específico. Entendemos que a estratégia comporta um volume razoável, capacidade não é o problema. Depende da adesão dos clientes e nós começamos a mostrar ao mercado bem recentemente.