A paralisação da economia global causada pela pandemia do novo coronavírus, a partir de 2020, causou o maior surto inflacionário global dos últimos 50 anos, castigando desde países emergentes, como o Brasil, a nações ricas e de economia estável, como Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha e as do bloco da União Europeia.

Se o mundo inteiro viu subir a inflação após a pandemia, três anos depois, a economia global começa a engatar um processo de desinflação. Embora características semelhantes expliquem a queda da inflação (como juros altos, por exemplo), o ritmo de redução inflacionária ocorre de diferentes formas, dependendo das condições macroeconômicas de cada país, desenvolvido ou emergente.

Um estudo recente da Kinea Investimentos sobre o processo desinflacionário no Primeiro Mundo indica que os países ricos estão registrando um ritmo mais lento de queda de inflação, não só por esperarem mais para para começar a elevar os juros, como forma de conter a escalada inflacionária.

Como resultado desse “efeito tartaruga”, tendem a demorar mais para atingir a meta de inflação de 2% e, em alguns casos, como na Grã-Bretanha, devem passar por uma recessão para conter seu processo inflacionário.

O estudo separa os países ricos em três grupos principais: os de inflação alta e persistente (Reino Unido e Noruega), outros com inflação mais contida e em processos de desaceleração (Estados Unidos e países da zona do euro) e os com inflação alta, mas desacelerando (Suécia e Nova Zelândia).

André Diniz, economista da Kinea Investimentos, afirma que as causas do surto inflacionário global – o choque causado pela pandemia nas cadeias produtivas, com aumento do preço de alimentos, de bens de consumo duráveis e de energia– já ficaram para trás.

Segundo ele, o processo desinflacionário ocorre porque os preços desses produtos que tiveram alta elevada voltaram a um patamar mais baixo no ano passado, o que está sendo notado no atacado e deve reverberar com altas menores de custos na cesta de consumo nos próximos meses.

“A aceleração maior da queda da inflação no Primeiro Mundo está ocorrendo nos países que tiveram apreciação cambial recente ou onde a inflação de bens é mais representativa na cesta do consumidor”, afirma Diniz, um dos responsáveis pelo estudo.

O caso exemplar (e negativo) é o da Noruega, uma economia que teve forte depreciação cambial ao longo do último ano e tem alta sensibilidade à inflação importada. Com inflação anual de 6,4% em julho, a nação nórdica vem reduzindo a inflação de forma mais lenta do que os países da zona do euro, cuja moeda vem apreciando, o que ajudou a trazer a inflação para baixo (5,3% em julho).

Diniz cita o Brasil, um país emergente, como o melhor exemplo de um processo rápido de desinflação. “O que ajudou a desacelerar a inflação por aqui foi a queda global de preços de alimentos e de combustíveis”, afirma ele. “A apreciação do real frente ao dólar repassou custos menores para a cadeia produtiva.”

Inflação longe da meta

No caso dos países do Primeiro Mundo, essa transição nem sempre é linear. O Canadá, por exemplo, ainda tem núcleos de inflação (que exclui alimentos e combustíveis) acima da meta estabelecida pelo BC do país.

A inflação já cedeu bastante (3,3% em julho), mas o setor de bens possui um peso maior na cesta canadense que na americana: 47% contra 37%. Com isso, o Canadá deverá demorar mais para atingir a meta de inflação estabelecida pela autoridade monetária (2%). Para dezembro de 2024, a inflação do Canadá é estimada em 2,39%. A dos EUA deve atingir a meta de 2% em julho do próximo ano.

Outro fator que pode afetar a velocidade de queda da inflação no Primeiro Mundo é a força relativa dos mercados de trabalho. “Se o mercado de trabalho está muito forte, é mais provável que os reajustes de salário consigam compensar a inflação passada e retroalimentem o processo inflacionário, mesmo em menor intensidade ao longo do tempo”, afirma Diniz.

É o que vem ocorrendo nos EUA (índice baixo de desemprego, de 3,8%), e muitos países europeus como Reino Unido e Alemanha. O pleno emprego nos EUA é um dos fatores que levam o Federal Reserve (Fed, o banco central do país) a hesitar em começar a baixar a taxa de juros, apesar da inflação baixa (3,2%).

A situação do Reino Unido é mais complexa por causa dos efeitos do Brexit, que gerou uma falta estrutural de mão de obra para serviços, o que vem pressionando os salários no país. “Por isso acreditamos que talvez o Reino Unido realmente precise de uma recessão para conter seu processo inflacionário”, afirma Diniz.

Desinflação no Brasil

Darwin Dib, economista da Gauss Capital, atribui a queda rápida da inflação no Brasil ao efeito da política monetária do Banco Central. “O BC manteve um patamar elevado do juro real, aumentando o custo do crédito para o consumo das famílias, isso foi feito de forma correta”, afirma.

Segundo ele, a tendência é o BC acelerar a queda de juros (hoje em 13, 25%), já em dezembro ou até a segunda reunião do Copom em 2024, reduzindo a Selic em 0,75 ponto percentual, ante a redução de 0,50 pp na última reunião, em agosto.

“O fator mais importante para consolidar a redução da inflação é perseguir a meta do BC a médio e longo prazo e passar credibilidade ao longo do processo.”

Para Diniz, da Kinea, a desoneração e combustível ajudou pontualmente a trazer inflação para baixo no ano passado, mas não deve alterar a trajetória de inflação no segundo semestre: “Vale destacar que não vemos o processo de desinflação como duradouro, nem apostamos na convergência da inflação para a meta no médio prazo.”

Segundo ele, pelo menos pelos próximos 6 meses, a inflação ainda deve seguir bem-comportada, refletindo os impactos defasados das quedas das commodities e do dólar na inflação de bens industriais.

“Em 2025, teremos mudança de presidente de Banco Central, e a isso está associado o risco de termos um BC mais tolerante com a inflação, em especial em relação à meta definida pelo CMN”, diz.