Paris - Professores da faculdade pública francesa Paris-VIII-Vincennes-Saint-Denis, que tem entre seus fundadores o filósofo Michel Foucault e o sociólogo Jean-Claude Passeron, definiram a homenagem que será feita ao presidente Lula pela instituição na sexta-feira, 6 de junho, quando o brasileiro recebe o título de doutor honoris causa, de "uma mancha na história da universidade".
Em um artigo de opinião publicado pelo jornal de esquerda Libération, os acadêmicos, que se mostram indignados, afirmam que não é possível conceder tal honraria a alguém próximo do líder russo Vladmir Putin.
“Para reforçar nossa cooperação com o Brasil, seria tão difícil achar na classe política ou entre os intelectuais ou artistas brasileiros uma outra figura que tivesse mais consenso?”, questionam os professores de várias disciplinas da universidade Paris-VIII, entre ciências políticas, sociologia, filosofia, história, artes plásticas e até estudos italianos.
“Essa honraria teria sentido há alguns anos, quando Lula estava preso e encarnava os valores nos quais nossa comunidade universitária se reconhece plenamente”, dizem os professores no artigo, acrescentando que no contexto internacional atual, essa escolha aparece como “Eminentemente contestável.”
Segundo os acadêmicos, Lula, desde o início da guerra na Ucrânia, não parou de colocar o agressor, a Rússia, e o país agredido, a Ucrânia, no mesmo plano.
Eles lembram ainda que no início de maio Lula esteve presente na parada militar russa, em Moscou, ao lado de Putin e do líder chinês, Xi Jinping, o que eles interpretaram como “uma manifestação visando explicitamente a assimilar a guerra contra a Ucrânia à luta contra o nazismo”, se referindo às alegações do líder russo sobre a guerra.
Os professores da faculdade francesa Paris-VIII afirmam ter tomado conhecimento “com surpresa e tristeza” que a direção da universidade irá conceder, “de maneira muito discreta” o título de doutor honoris causa a Lula “a um apoiador de Vladmir Putin.”
“Para todos os que pensam que uma das razões de ser da Paris-VIII desde a sua fundação (em 1969) é o respeito de um certo número de valores, incluindo sua política internacional, e que sua tradição é lutar contra todas as formas de ditadura, a entrega desta distinção, sobretudo nessas horas terríveis que a Ucrânia vive, aparece como uma mancha na história de nossa universidade”, dizem os professores que assinam o texto.
A direção da Paris-VIII, situada em Saint-Denis, nos arredores de Paris, declarou que não comenta o artigo de opinião publicado pelo jornal Libération. Anne Chalard- Fillaudeau, vice-presidente da área de comunicação da Paris-VIII, disse ao NeoFeed que o apoio da universidade à Ucrânia é “inabalável” e que a faculdade continuará a receber acadêmicos ucranianos e trabalhar com intelectuais, artistas e cientistas do país como forma de “combate” para produzir conhecimento.
Fillaudeau disse que a segurança da faculdade será a habitual para a visita de um chefe de Estado. Não houve reforço especial em razão de temores de eventuais protestos na manhã de sexta-feira, quando Lula recebe a homenagem. Ela disse ainda discordar que a homenagem será feita em “grande discrição”, como afirmam os professores no artigo de opinião.
O brasileiro Rafael Valim, ligado à fundação criada pela Paris-VIII, disse ao NeoFeed que “faz parte do ambiente acadêmico ter vozes dissonantes.” Segundo ele, são temas “legítimos e contemporâneos” e as divergências de opiniões mostrariam a importância de Lula em um contexto democrático.
Lula se reuniu na quinta, 5 de junho, com o presidente francês, Emmanuel Macron, no palácio do Eliseu e a guerra na Ucrânia foi um dos temas das conversas. Na coletiva, o líder francês disse que o Brasil, como também a China, têm um papel importante para desempenhar no conflito ucraniano.
Mas Macron ressaltou a diferença da visão da França ao reiterar que apenas um país, no caso a Rússia, violou a Carta da ONU que prevê a integridade territorial dos Estados.
O presidente francês ainda lamentou que esse país seja membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, com direito a veto. Já Lula declarou que quando Moscou e Kiev quiserem negociar a paz, o Brasil estará disposto a dar sua contribuição. “Mas os dois têm de decidir”, disse o brasileiro.