Juro alto é sinônimo de problema para os endividados, mas uma oportunidade para garantir maior oferta de dinheiro para investimentos e capital de giro das empresas.

Quando elevado, o juro atrai investidores para o “crédito privado”, um guarda-chuva que abriga debêntures, títulos do agronegócio e imobiliário e fundos de direitos creditórios – os FIDCs.

E estatísticas robustas confirmam o interesse dos investidores pela renda fixa com juros altos. Mas a perspectiva de queda – portanto de remuneração menor no futuro – também faz diferença porque acelera as aplicações.

De janeiro a junho, 11,9 milhões de investidores pessoas físicas mantinham R$ 1,325 trilhão em renda fixa no Brasil, informa a B3. Segundo a Anbima, de janeiro a julho, R$ 317,9 bilhões foram captados por empresas. Apenas as debêntures responderam por quase R$ 159 bilhões.

Em um cenário de finalização do ciclo de aperto monetário, que pode ocorrer na reunião do Copom, em 21 de setembro, e expectativas mais encorajadoras para o crescimento econômico, o crédito privado ganha destaque como opção de financiamento para as empresas.

“O ritmo da atividade é variável importante para as companhias que demandam recursos para investimentos ou capital de giro, mas na gestão do crédito privado a taxa de juro e a inflação orientam os negócios.”

Quem afirma é Ulisses Nehmi, CEO da Sparta Investimentos, casa fundada em 1993, atuante em crédito privado desde 2010 e que tem sob gestão R$ 7 bilhões de crédito “high grade”.

Em entrevista ao NeoFeed, Nehmi afirma que os investimentos em renda fixa seguem em expansão, mas alerta que nem toda taxa de juro beneficia as aplicações.

A atividade aquecida demais, lembra, tende a tornar a inflação resiliente e a taxa de juro também, o que não é bom para as empresas e nem para os investidores porque a inflação pode tragar o juro real.

“Para as empresas, juro alto nunca é bom e, para o investidor, o juro que importa é aquele que ultrapassa a inflação. Se a taxa nominal for baixa demais, ninguém quer investir em renda fixa. Se for alta demais, eleva o risco de crédito. Juro bom é o que está no patamar certo [para mobilizar o investidor e o investimento]”, avalia Nehmi.

O melhor cenário para o crédito privado e, portanto, para a renda fixa, é o pós-elevação da Selic, pontua. “É quando a inflação começa a ceder e abre espaço para o corte de juro pelo BC.”

Nehmi cita que um ótimo período de ajuste de juro para a renda fixa, por ter atraído investidores e reduzido o risco de crédito das empresas, foi quando a Selic começou a cair de 14,25% ao ano e chegou a 6,50%.

Ulisses Nehmi, CEO da Sparta Investimentos

A Selic atingiu 14,25% em julho de 2015 e aí permaneceu até outubro de 2016, quando começou a recuar, percorrendo uma curva descendente até 6,50% alcançada em março de 2018 – período que marca a reação da atividade que acabou atropelada, mais adiante, pela pandemia.

Nehmi comenta que, desde março de 2021, quando o BC começou a aumentar a Selic, o interesse dos investidores pela renda fixa cresce. Mas o que mudou de fato a postura do investidor foi a ação do BC que elevou a Selic a um patamar superior à inflação.

“Agora estamos num momento em que, efetivamente, a Selic está acima da inflação em 12 meses. Olhando para frente, esperamos que exista um ganho real nas aplicações.”

Do ponto de vista das empresas, ele pondera que a recessão (2015/2016) e a pandemia praticamente impediram que as empresas ficassem alavancadas. Esse cenário é favorável ao crédito privado, em contraponto ao interesse crescente dos investidores pela renda fixa.

Nehmi informa que as operações de longo prazo são as de cinco anos, inclusive, porque esse período comporta uma eleição presidencial, brinca. “Nesse período, é possível avaliar quais empresas têm condições de se adaptar a eventuais mudanças no ambiente econômico. É preciso avaliar se elas estão em setores mais flexíveis ou mais regulados”, diz Nehmi.

A Sparta tem sua própria metodologia de avaliação de risco das empresas e estabelece notas internas, mas também utiliza as informações das instituições que produzem ratings.

“A gestão de risco tem duas abordagens”, explica. “A análise do quanto as empresas são ou estão suscetíveis ao cenário econômico geral e a gestão de carteira. Nesse caso, a análise contempla diversificação por setores, concentração, ratings e prazos das operações com foco na relação retorno sobre risco.”

Quanto às eleições, Nehmi não vê motivo de preocupação. Ele não espera surpresa “porque os principais candidatos são conhecidos, diferente das últimas eleições”, mas pontua diferenças entre gestores de ações e crédito privado ante o pleito.

“Para o gestor de ações, há a preocupação quanto às flutuações de preços que dependem se o candidato ‘x’ ou ‘y’ adotará medidas que podem fortalecer, por exemplo, o varejo ou a infraestrutura. No caso dos credores (detentores de renda fixa) não havendo risco de ruptura do ambiente atual, e não parece haver, independentemente do candidato eleito, o crédito privado mantém seu foco nas empresas emissoras e em sua gestão do negócio.”