Numa cerimônia que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dois governadores, três ministros e outras 20 autoridades, a ponte de 2.010 metros de extensão sobre o Rio Araguaia que liga Xambioá (TO) a São Geraldo do Araguaia (PA) foi inaugurada em clima de festa, como se fosse a realização de um grande feito. E foi.

Com contrato assinado desde 2017, durante o governo de Michel Temer, e previsão de inauguração para 2021, a obra levou oito anos para ser concluída, com custo final de R$ 232 milhões – 75% acima do orçamento inicial. Durante esse período, a construção da ponte esbarrou em todos os gargalos que cercam as obras de infraestrutura do País nas últimas décadas.

Uma disputa judicial contestando a licitação vencida pelo consórcio A. Gaspar/Arteleste/V. Garambone levou ao adiamento do início das obras pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para 2020, três anos após a assinatura do contrato.

Como efeito desse atraso, os custos com o projeto – inicialmente orçado em R$ 132 milhões - tiveram de ser reajustados para R$ 157 milhões, que seriam utilizados para construir uma plataforma de 12 metros de largura de pista e acostamento, além de calçadas com 1,50 metro de largura para cada lado.

A burocracia lenta, a falta de priorização da gestão federal anterior para concluir a obra – que faz parte da BR-153, interrompida dos dois lados ao chegar ao Rio Araguaia, obrigando caminhões e veículos a fazerem a travessia por balsa – e o aumento do custo logístico foram engrossando a lista de problemas da ponte.

A retomada de sua construção no atual governo, faltando 45% para sua conclusão, até avançou rapidamente, mas esbarrou em outro problema recorrente das obras de infraestrutura brasileira: uma gritante falha de projeto.

Em fevereiro, a ponte estava inteiramente concluída, mas o projeto original não previu incluir na licitação as obras de acesso dos dois lados. Isso gerou novo atraso e mais desperdício de recursos públicos. Só depois foram agendadas audiências conciliatórias para discutir as indenizações dos proprietários dos terrenos desapropriados na área de acesso para começar as obras.

A essa altura, o orçamento da ponte, que já havia sido recalculado para R$ 204,2 milhões, devido à demora e novas despesas, ainda ganhou um acréscimo de R$ 28,6 milhões para viabilizar o projeto dos dois acessos, fechando a conta em R$ 232 milhões, um rombo de R$ 100 milhões em relação ao orçamento inicial.

Ponte concluída em fevereiro, sem obras de acesso
Ponte concluída em fevereiro, sem obras de acesso

 

Em reportagem do NeoFeed de fevereiro deste ano – “A ponte de R$ 232 milhões que liga a falta de planejamento ao desperdício de dinheiro público”, contando todos os perrengues da obra – especialistas citaram o caso como um exemplo dos gargalos de infraestrutura do País.

Um deles, a longa e interminável batalha para reduzir o número de obras públicas paradas, que, de acordo com o último levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), somavam 11.469 em abril, número que corresponde a cerca de metade dos contratos em execução.

O economista Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, observou que o Brasil investe anualmente, em média, cerca de 2% do PIB em infraestrutura, entre investimentos públicos e privados. Desse total, porém, 1,4% do PIB são usados para repor custos de manutenção, dado que representa o índice de depreciação do capital fixo – rubrica em que a obra da ponte sobre o Rio Araguaia se encaixa.

Ou seja, apenas 0,6% são gastos em novas obras ou projetos. “É muito pouco, deveríamos ter um investimento líquido adicional anual de 3% do PIB, cinco vezes mais”, disse Frischtak.

Ivana Cota, coordenadora da área de infraestrutura do escritório Ciari Moreira Advogados, lembrou que  os erros de contrato do setor apontados no caso da ponte são recorrentes, citando a judicialização pós-licitação como o problema mais comum, principalmente em obras menores.

Alívio

Na inauguração da ponte, a maioria das autoridades evitou citar os problemas que levaram ao atraso da entrega da obra.

“Essa era a maior obra em andamento no Brasil, mas entregamos uma estrutura que integra Tocantins e Pará, fortalece a economia da Região Norte e amplia as oportunidades para o agronegócio, o turismo e a população”, afirmou o ministro dos Transportes, Renan Filho.

A ponte será estratégica para o escoamento da produção agrícola do Matopiba. Segundo o governo do Tocantins, a ponte deve reduzir custos de transporte, ampliar a competitividade regional e fortalecer a integração.

A nova infraestrutura também facilitará a integração com a Ferrovia Norte-Sul e a Hidrovia Tocantins-Araguaia, fortalecendo toda a cadeia logística dos mercados da Região Norte para chegar a outros consumidores.

A conclusão da obra se insere na estratégia do governo federal de ampliar as matrizes multimodais rumo aos portos do Arco Norte. Entre janeiro e julho deste ano, o Centro-Oeste do País movimentou 19,9 milhões de toneladas de grãos por meio dos portos organizados da Amazônia.

O prefeito de Xambioá, Mayck Câmara, resumiu o clima de alívio na região. “É uma obra que demorou muitos anos para ser construída, mas isso não importa – o que importa é que ela está sendo entregue”, ressaltou.