Nunca antes na história deste país uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tinha causado tanta expectativa como a desta quarta-feira, 2 de agosto, que definiu a nova taxa de juros.

E os integrantes do Copom não decepcionaram, aprovando por 5 votos a 4 o primeiro corte da Selic em três anos, de 0,50 ponto percentual – maior do que o aguardado pelo mercado, de 0,25 pp.

A taxa anual de juros, que estava em 13,75% desde agosto do ano passado - o maior nível em seis anos e meio -, caiu para 13,25% ao ano.

Tão surpreendente quanto o índice foi o voto favorável pelo corte de 0,50 pp da Selic pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, alvo de intensa pressão desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,  e que acabou decidindo a disputa, pois outros quatro integrantes votaram por uma redução menor da Selic, de 0,25 pp.

“O Copom avaliou a alternativa de reduzir a taxa básica de juros para 13,50%, mas considerou ser apropriado adotar ritmo de queda de 0,50 ponto percentual nesta reunião em função da melhora do quadro inflacionário, reforçando, no entanto, o firme objetivo de manter uma política monetária contracionista para a reancoragem das expectativas e a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante”, diz o comunicado divulgado pelo BC.

O índice resiliente de inflação vinha sendo usado pelo BC como justificativa para manter os juros elevados. A redução linear da inflação e estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo do primeiro semestre foram decisivos para reverter a politica monetária do BC.

A inflação oficial fechou janeiro em 0,53% (índice anual de 5,77%). Em maio, caiu para 0,23% (3,94% ao ano). Em junho, foi registrada deflação, ou seja, queda de preços, de 0,08%, com nova queda anualizada, em 3,16%.

Já o PIB, que começou o ano com perspectiva de 0,7% de crescimento em 2023, terminou o semestre com a estimativa de fechar o ano com 2% de crescimento.

A reunião desta quarta-feira do Copom foi a primeira da qual participaram os novos diretores Gabriel Galípolo e Ailton Aquino, indicados pelo presidente Lula.

O índice de redução ficou acima do projetado em 0,25 pp por pesquisa realizada pelo BC com mais de 100 bancos na semana passada. Apenas parte dos analistas aguardava um corte de 0,50 pp.

Euforia

O índice de corte dos juros anunciado deve causar euforia no mercado por causa do impacto que deverá causar na economia brasileira nos próximos meses.

Isso porque a Selic serve como parâmetro para outras taxas praticadas no mercado, incluindo taxas de juros dos empréstimos, dos financiamentos e das aplicações financeiras.

O início do ciclo de corte também deve estimular o consumo e investimentos do setor produtivo, que foram deixados de lado com a pressão dos juros elevados.

Para o economista Mauro Rochlin, professor da FGV, a decisão adotada pelo Copom está em linha com os últimos índices de atacado, como IGPM, o índice de preços ao produtor (IPP) e mesmo o IPCA, que mostraram uma queda muito forte tanto dos números da inflação como das expectativas da inflação deste ano e dos próximos três anos.

“Olhando o momento atual e o horizonte, fica claro que a taxa de juros está desalinhada com essa realidade”, diz Rochlin, citando os índices baixos atuais da inflação.

Segundo ele, a Selic estava impactando a atividade econômica, em especial a que depende de crédito. “Com essa decisão, o Copom aponta para um ciclo de baixa da Selic que deve reanimar investimentos  daqueles setores que dependiam de crédito, como da construção civil e de financiamento de veículos, sinalizando um impacto positivo na atividade econômica”, afirma.

A JK Capital, assessoria financeira de transações de fusões, aquisições e captação de recursos, prevê que a queda da Selic deverá refletir uma melhora considerável para o mercado de M&A.

A expectativa é que, uma vez que o "dinheiro ficará mais barato", as empresas poderão se comprometer com investimentos de longo prazo, como fusões e aquisições. A janela dessas transações costuma ser longa e as operações duram entre oito meses e dois anos, coincidindo, possivelmente, com o ciclo de baixa da taxa de juros.

Para Alex Agostini, economista-chefe da agência de risco Austin, como a própria nota do Copom aponta, existem alguns riscos no cenário, como o internacional. “Mas olhando os fatores determinantes, estamos zerados de riscos, com a inflação convergindo para a meta este ano”, diz Agostini.

Segundo ele, é possível perseguir um alinhamento da curva de juro real (hoje em 9%) com o juro neutro (hoje em 5%). “Daqui para frente, para chegar no juro neutro, a Selic precisa cair 0,5 pp em todas as reuniões do Copom até junho de 2024, e nosso cenário permite prever essa queda até setembro de 2024, fechando o ano que vem com Selic a 9%”, diz o economista.

O mercado prevê novos cortes na Selic de 0,50 pp nos próximos meses, caso os indicadores da economia sigam a atual trajetória. A estimativa mais repetida por analistas é de a Selic fechar 2023 em 10% ao ano - que agora pode ser revista.

Para se ter uma ideia do que representa, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse no mês passado que a taxa básica de juros em 10% ao ano, em vez dos  13,75% então vigentes, permitiria uma economia nos gastos com juros da dívida pública equivalente ao pagamento anual de quase um Bolsa Família.

Ao longo do dia, integrantes do governo reforçaram as pressões das últimas semanas pelo corte da Selic. Lula, por exemplo,  voltou a atacar o presidente do BC na manhã desta quarta-feira.

"Esse rapaz que está do Banco Central, me parece que ele, não sei do que ele entende, mas ele não entende de Brasil e não entende de povo”, disse o presidente da República, referindo-se a Campos Neto, durante entrevista para correspondentes da imprensa estrangeira, no Palácio do Planalto.

“Esperamos que hoje o Copom tome a decisão que já deveria ter tomado três reuniões atrás de reduzir a taxa de juros, porque não tem explicação”, emendou Lula.

Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mostrou otimismo sobre redução da taxa da Selic, afirmando que parcela do mercado espera redução de até 0,75 ponto percentual.

“Ninguém espera a manutenção da taxa”, disse Haddad. “Hoje o mercado está pendendo mais para redução de 0,50 pp do que para qualquer outro número, lembrando que tem gente apostando em um corte 0,75 pp.”

O Ibovespa, no entanto, fechou em queda de 0,32% nesta quarta-feira, aos 120.858 pontos, acompanhando a queda generalizada do mercado americano depois que a agência de classificação de risco Fitch rebaixou a nota de crédito soberano dos Estados Unidos de AAA para AA+ e com investidores aguardando a decisão do Copom, que saiu após o fechamento.

A mesma expectativa ditou a cotação do dólar. Após ter superado o nível de R$ 4,82 pela manhã, a moeda americana fechou o dia cotada a R$ 4,8055, avanço de 0,33%.