A visita do presidente Luís Inácio Lula da Silva à Refinaria de Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca (PE), na quinta-feira, 18 de janeiro, para anunciar a retomada das obras da refinaria da Petrobras, reforça a sensação de um filme já visto em gestões anteriores petistas.
Paralisadas desde 2014, as obras na refinaria pernambucana deixaram um rastro de escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato, prejuízo na casa de bilhões de dólares e poucos resultados concretos, pois o Brasil segue importando um terço do diesel que consome.
Especialistas consultados pelo NeoFeed criticaram a decisão da nova diretoria da Petrobras, que assumiu após a mudança de governo, de apostar na estratégia de autossuficiência em refino – o que motivou a retomada de investimento na RNEST.
Eles reconhecem, porém, que era previsível que a atual gestão da estatal, alinhada ao governo federal, apostasse no modelo de concentração de mercado da Petrobras, mesmo que isso represente o descumprimento de um acordo com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), sob o governo Jair Bolsonaro, de limitar a 50% a venda refino, para evitar o monopólio.
“Se a Petrobras mantivesse o foco na produção e exploração de petróleo do pré-sal e da Margem Equatorial, por exemplo, conseguiria taxas de retorno maiores para os acionistas, inclusive para o próprio governo, que poderia usar esse dinheiro para tocar outras obras”, afirma Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Para Alexandre Calmon, sócio do escritório Campos Mello Advogados e co-head da área de energia do escritório DLA Piper, a retomada das obras da refinaria pernambucana representa a aposta num modelo que se mostrou falho.
Segundo ele, porém, a decisão expõe uma realidade. “O governo acredita no capitalismo de Estado, os movimentos da Petrobras em 2023 foram nesse sentido: obras com investimento intensivo, com geração de empregos, algo para dar uma lógica econômica a um objetivo político, principalmente agora, em ano de eleição”, diz.
Isso ficou evidente quando a estatal anunciou, em outubro, o plano de negócios da Petrobras para o período entre 2024 a 2028, prevendo US$ 17 bilhões em investimentos para as áreas de refino, comercialização e logística.
O objetivo da Petrobras é aumentar em 40% na capacidade total da produção de diesel no país nos próximos anos. Hoje, a refinaria pernambucana tem capacidade para produzir 100 mil barris/dia de petróleo e responde por cerca de 6% da produção nacional de diesel.
Com as obras do segundo trem de refino, a previsão é que RNEST passe a responder por cerca de 10% de todo o diesel produzido no País, acrescentando 13 milhões de litros de diesel por dia à capacidade de produção.
De acordo com a estatal, o início da operação comercial do segundo trem de refino está previsto para 2027, com produção de gasolina, gás liquefeito de petróleo (GLP), nafta e, principalmente, diesel de baixo teor de enxofre (S-10).
Custo elevado
Citar previsões de produção na Abreu e Lima, porém, pode ser um exercício de ficção, ao se deparar do histórico da refinaria desde que começou a sair do papel, em 2005.
Logo no começo das obras, a Petrobras chegou a negociar a entrada da estatal venezuelana de petróleo PDVSA como sócia, mas o então presidente Hugo Chávez saiu do negócio sem aportar um dólar sequer, em 2011.
Orçada inicialmente em US$ 2 bilhões, a refinaria pernambucana recebeu US$ 18 bilhões em investimentos até o momento em que teve as obras paralisadas, em meados de 2014, mergulhada em irregularidades na contratação de fornecedores e superfaturamento de contratos.
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2021 avalia que o custo da refinaria teve um aumento de mais de oito vezes desde a concepção, em 2005.
Resta aguardar até que ponto a retomada de uma obra que não deu certo dez anos atrás pode trazer um novo desfecho. A estatal e o mercado estimam que serão necessários entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões para concluir o segundo trem da refinaria.
Pires, do CBIE, tem uma visão pragmática em relação à RNEST. Segundo ele, o presidente Lula sempre foi claro e honesto em declarar que não queria abrir mão da refinaria pernambucana.
“Por mim, a Petrobras deveria passar a área de refino para o setor privado, mas diante do que foi decidido politicamente, inclusive em ignorar o acordo com o Cade, o governo tem mais é que investir na refinaria, pois quanto mais demorar, mais caro fica o preço final da obra, e a Abreu e Silva está quase pronta”, diz.
Pires afirma que a melhor saída seria o setor privado terminar de construir a refinaria. Mas, segundo ele, não adiante ficar olhando para trás, “pois não é à toa que o tamanho do retrovisor é menor do que do para-brisa”.
“Gastar mais dinheiro agora sai mais barato do que deixar a obra parada, senão vai ocorrer o mesmo de Angra 3– já gastou muito, mas não faz sentido desistir perto da conclusão”, diz.
Para Calmon, do escritório DLA Piper, a retomada das obras de uma refinaria que deixou prejuízos faz parte do jogo político.
Mas ele chama a atenção para o efeito negativo de o governo, via Petrobras, retomar a pressão para diminuir as estruturas de controle, como a decisão do Cade e a discussão de reduzir o alcance das leis das estatais, criadas para prevenir que o futuro evitasse repetir os erros do passado.
“Essa tentativa de desmonte de estruturas de controle soa como filme repetido”, diz Calmon. “Retomar o projeto de Abreu e Lima pode até ser uma decisão estratégica do ponto de vista econômico, mas abre flanco para críticas.”
Pires vê outro efeito negativo com a mudança de estratégia da Petrobras do governo Bolsonaro para o atual.
Segundo ele, investimentos de infraestrutura, que são intensivos em capital e amortização de longo prazo, exigem segurança jurídica e previsibilidade.
“Investidor sério pensa duas vezes em aportar capital, esse vai e vem de estratégias da Petrobras tem mais custo do que benefícios”, diz Pires.