O mercado internacional do petróleo reagiu com surpresa ao anúncio desta quinta-feira, 30 de novembro, de que a Opep+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados) apresentou um convite formal para que o Brasil faça parte do bloco, na condição de membro associado.
O anúncio, aliado à notícia de que o governo brasileiro decidiu, preventivamente, reforçar a presença militar na fronteira do Amapá com a Venezuela, num desdobramento da disputa territorial entre Venezuela e Guiana – numa área onde foram descobertas em 2015 reservas de petróleo avaliadas em US$ 7,5 bilhões –, reforçou a incerteza do mercado internacional em relação ao Brasil.
Para Alexandre Calmon, sócio do escritório Campos Mello Advogados e co-head da área de energia do escritório DLA Piper, não existe benefício prático para o Brasil entrar na Opep+. Segundo ele, o Brasil deveria focar em aumentar a produção o máximo que puder para aproveitar as reservas de pré-sal.
“A Opep+ trabalha com redução de cota de produção para controlar preço, o que significa menos royalties e impostos”, afirma o especialista, com ampla experiência no mercado internacional de petróleo.
Segundo ele, a possibilidade de o Brasil aderir à Opep+ não tem ganhos. “Chega a ser incoerente, num processo de transição energética justa, de modo a aproveitar as reservas que temos, deixar dinheiro na mesa apenas para participar desse grupo”, disse. “A rigor, essa proposta representa mais espuma do que outra coisa diante dos interesses do Brasil.”
O convite foi confirmado pelo ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, na COP28, em Dubai. Segundo ele, tanto o Itamaraty como o Palácio do Planalto confirmam que ainda não existe uma decisão por parte do Brasil sobre a adesão — mas admitem que o tema está sob análise.
Silveira, porém, falou de forma animada, como se a decisão já estivesse encaminhada, confirmando que o governo Lula "confirmou nossa carta de cooperação" e que isso poderia ocorrer a partir de 2024. A própria organização deu como certa a adesão brasileira, após uma reunião ministerial com membros, com participação de Silveira.
"A reunião deu as boas-vindas a Sua Excelência Alexandre Silveira de Oliveira, Ministro de Minas e Energia da República Federativa do Brasil, que aderirá à Carta de Cooperação da OPEP+ a partir de janeiro de 2024", diz a nota.
A Opep+ inclui uma lista de 32 países, maior dos que integram a Opep - criada em 1960, reúne hoje 13 grandes produtores de petróleo no mundo como Arábia Saudita, Irã, Iraque, Emirados Árabes Unidos e Venezuela.
Os chamados “países aliados” da Opep+ atuam de forma conjunta em algumas políticas internacionais ligadas ao comércio de petróleo e na mediação entre membros e não membros.
“Do grupo do Opep não faz sentido participarmos”, disse Silveira. “Mas o do Opep+, aceitamos analisar o convite, porque o objetivo dele é discutir a posição dos países produtores de petróleo nesta fase de transição energética no mundo.”
Disputa entre vizinhos
O convite ao Brasil chega num momento conturbado entre os vizinhos da fronteira norte do País.
Uma disputa territorial entre Venezuela e Guiana que vem se arrastando sem uma decisão definitiva da comunidade internacional desde o século 19, sem que tenha sido disparado um tiro sequer, voltou à tona por iniciativa do governo venezuelano e pode impactar a geopolítica regional e o mercado internacional de petróleo no médio prazo.
Numa jogada política claramente voltada para o público interno, o regime do presidente venezuelano Nicolás Maduro vai realizar um plebiscito no próximo domingo, 3 de dezembro, para que a população se manifeste sobre a anexação da região de Essequibo, justamente a que é reivindicada pela Venezuela.
A área, um pouco maior do que o estado do Ceará, onde vivem cerca de 120 mil pessoas, equivale a dois terços do atual território da Guiana. O que está em jogo são as reservas potenciais de 11 bilhões de barris de petróleo descobertas em 2015 pela Exxon na costa de Essequibo.
Como os venezuelanos aprenderam desde a infância, pelos livros didáticos, que a região em disputa pertence ao país, ninguém duvida qual será o resultado da consulta.
Para Leonardo Paz, pesquisador do núcleo de prospecção e inteligência internacional da FGV-RJ, o regime venezuelano está usando o plebiscito como uma cortina de fumaça para esconder a grave crise econômica interna e obter respaldo da população mirando a eleição presidencial do ano que vem.
“A estratégia é fazer barulho suficiente com o resultado do plebiscito nos próximos meses para ganhar a eleição presidencial de 2024 e “comprar” mais seis anos no poder, sem precisar lançar mão de medidas controversas, como cassar candidatos da oposição”, diz Paz.
Para a Guiana, um país de apenas 800 mil habitantes, a retomada da disputa fez a população local acordar de um sonho que vinham acalentando desde a descoberta das reservas, há oito anos.
O petróleo potencial, se for extraído a toque de caixa (e já gera receitas anuais de US$ 1 bilhão) tornará a sua população mais rica do que a do Kuwait ou dos Emirados Árabes Unidos até 2050.
O petróleo representou 62% do PIB do país em 2022, contra 2% em 2019. O Banco Mundial estimou que o PIB real da Guiana cresceu 57,8% no ano passado.
Baixo impacto
Especialistas no mercado de petróleo afirmam que os efeitos de uma expansão da crise no preço do barril seriam reduzidos no curto prazo.
“A Venezuela não tem uma produção suficiente para inundar o mercado, mesmo que seja alvo de sanções, o corte de suas exportações não causaria impacto na oferta ou no preço do barril”, diz Calmon.
A produção atual da Venezuela é de 800 mil barris por dia. “O mesmo ocorre do lado da Guiana, cuja produção ainda é baixa”, acrescenta Calmon, referindo-se à produção total do país, que mal chega a 400 mil barris diários.
Se a curto prazo os efeitos são reduzidos, Calmon adverte que a disputa pode se tornar um fator de risco nos dois países.
“Pode atrapalhar a atração de novos investimentos em infraestrutura, tanto na Guiana, por causa da descoberta recente de reservas, quanto na Venezuelana, que está tentando aumentar sua produção após a suspensão este ano das sanções impostas pelos Estados Unidos”, diz o especialista da DLA Piper.
A decisão da Venezuela de convocar um plebiscito após a suspensão das sanções americanas – para aliviar a oferta de petróleo com a crise na Ucrânia – é vista como um tiro no pé por Fernando Ferreira, diretor de risco geopolítico da Rapidan Energy Advisors LLC.
“Ainda é cedo para prever que os EUA vão retomar as sanções, mas uma eventual escalada venezuelana abriria caminho para intervenção política da Organização dos Estados Americanos (OEA) e militar dos Estados Unidos”, diz. “Seria um erro de cálculo enorme de Maduro.”
Ferreira, que acompanha de Washington o mercado internacional de petróleo, diz que a informação do envio de soldados para fronteira chegou a causar questionamentos de clientes, temerosos com uma eventual participação brasileira, que ele considera improvável.
“O mercado fica receoso porque outros grandes produtores de petróleo, como Irã e Rússia, já estão envolvidos em conflitos; além da Guiana, apenas Brasil e Estados Unidos têm potencial de aumentar significativamente a produção”, diz.