O avanço da agenda fiscal é prioridade para o governo, mas votações podem ser atropeladas por convites da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara para prestação de esclarecimentos por cinco ministros. Entre eles Fernando Haddad e Simone Tebet.
As datas ainda serão definidas, mas as apresentações – que devem abordar desde empréstimos à Argentina até a promoção pelo Ministério da Saúde de evento com dança erótica – impõe desafios ao Executivo que deverá se desdobrar para atender demandas parlamentares e internacionais.
O reposicionamento do Brasil no cenário global fala alto. A interlocução em nível inédito do país com outras nações e organismos multilaterais cobra vigilância por desdobramentos de dois eventos que catalisam a atenção global e regional: a guerra Israel-Hamas e a eleição presidencial na Argentina.
Cresce o risco de uma escalada de proporções inimagináveis no Oriente Médio, caso o Irã decida levar ao campo de batalha a defesa do grupo extremista. A abertura do corredor de ajuda humanitária na Faixa de Gaza não cessa a guerra.
E a arrancada do preço do petróleo com repique no dólar, como consequência de eventual imposição de sanções ao Irã pelos EUA, é alvo de preocupação de Norte a Sul e de Leste a Oeste.
Afinal, o mundo encara inflação em lento declínio e às custas de um aperto monetário ainda não interrompido e que abate pontos do PIB das maiores economias do planeta. E adjacências.
Um transbordamento do conflito Israel-Hamas contempla três cenários, descreve à Coluna Leandro Consentino, professor de Ciência Política e Relações Internacionais do Insper.
“No curto prazo, instabilidade financeira que, por ora, parece precificada. No médio prazo, deterioração de preços das matérias-primas, com foco no petróleo, capaz de colocar na berlinda todo o esforço do Brasil para ajustar sua economia. No longo prazo, o risco é de deterioração completa da economia global”, avalia.
A eleição argentina, marcada para domingo, 22 de outubro em 1º turno, é um risco regional considerável. E o resultado das urnas colocará o governo brasileiro de sobreaviso.
A vitória do candidato da ultradireita, Javier Milei, teria impacto alarmante. Sua derrota traria alívio imediato. E a ser potencializado se o peronista e ministro da Economia, Sergio Massa, conquistar a Casa Rosada. Também tranquilizadora seria a vitória da candidata de oposição e pró-mercado Patricia Bullrich.
Milei, Massa e Bullrich são os três principais concorrentes à Presidência da Argentina que pode ter desfecho arrastado ao 2º turno em 19 de novembro. Nessa ordem, o trio foi classificado nas eleições primárias de agosto.
Há receituário para economia em frangalhos?
Milei defende uma plataforma econômica que prevê a dolarização da economia, fechamento do Banco Central e um choque fiscal de fazer inveja ao FMI. O candidato nega a existência do Mercosul e dos Brics – fórum que, ampliado, terá o Brasil e a Argentina como voz da América Latina.
Massa, que ao chegar ao Ministério da Economia em 2022 manifestou a intenção de promover um Plano Real argentino, tem a entregar – e a “receber” se for eleito – um país em frangalhos. Em campanha defende equilíbrio fiscal, superávit comercial, competitividade cambial e instrumentos estatais para promoção de um desenvolvimento econômico inclusivo.
Bullrich propõe autonomia do BC, proteção aos investimentos financeiros, unificação das taxas de câmbio, revisão de leis tributárias, orçamento sem déficit, reforma do Estado para reduzir gastos e reforma trabalhista.
Esses receituários prometem o resgate da economia argentina que mergulha numa inflação anual de 138%, taxa básica de 133%, câmbio paralelo superior a 1.000 pesos por dólar, reservas cambiais depenadas e dívida de centenas de bilhões de dólares com o FMI.
Consentino, do Insper, pondera que a eleição argentina importa ao Brasil pela proximidade geográfica, histórica e política entre os dois países. E compartilhamento de uma pauta econômica relevante.
“Ambos estão inseridos Mercosul e qualquer evento econômico e político que venha a acontecer na Argentina certamente repercutirá na pauta de exportações e importações brasileira e no bloco”. As duas nações representam 63% do território da América do Sul, 60% de sua população e 61% do PIB.
O professor avalia que eventual vitória de Milei traria instabilidade e incerteza para a região e o futuro do Mercosul – pauta cara a Lula. Ele duvida que a Argentina deixaria o bloco com a vitória de Milei. Mas entende que Milei, se presidente, poderia impor obstáculos a acordos como a negociação em curso com a União Europeia.
A eleição é um passo para o futuro, mas para lá de duvidoso porque as perspectivas econômicas para a Argentina não são animadoras. A inflação mensal deve seguir ascendente, inclusive, porque acordos envolvendo congelamento de preços – como os de combustíveis – expiram em novembro.
Também conspiram a favor de mais inflação demandas salariais defendidas por sindicatos que devem ser intensificadas no fim do ano. Pressões foram contidas temporariamente por reduções no Imposto de Renda e descontos no Imposto sobre Valor Agregado.