A globalização da economia mundial como conhecemos ficou para trás. Os impactos da guerra na Ucrânia - crise energética na Europa, aumento dos preços de petróleo, e, principalmente, inflação elevada e persistente no Primeiro Mundo - estão abrindo caminho para uma nova realidade: a reglobalização.
A expressão foi cunhada por de Philipp Hildebrand, vice-presidente da BlackRock, maior gestora de ativos no mundo, que participou com Robin Brooks, economista-chefe do Institute of International Finance (IFF), do painel “A economia global: cenários e temas de investimentos”, que abriu nesta quinta-feira, 8 de dezembro, o ciclo de debates do Macro Vision 2022, promovido pelo Itaú BBA.
Hildelbrand afirma que o novo cenário é marcado por crescimento baixo, inflação persistente e escassez de suprimentos, o que está obrigando os países a mudarem as rotas e os países com que faziam trocas de mercadorias. E o mercado financeiro a rever suas estratégias.
“Essa mudança veio para ficar, não é transitória, além da questão da falta de suprimentos, é também preciso contemplar a inflação num patamar elevado para avaliar os danos econômicos nos investimentos e ver como afeta os mercados de equity”, afirmou o executivo do BlackRock.
Brooks, do IFF, afirmou que os riscos causados pela guerra na Ucrânia foram subestimados pelos países e pelos mercados. “A invasão russa causou um choque muito grande, é a primeira vez que vemos o fluxo de capital sair da China”, disse.
Os dois debatedores criticaram duramente a estratégia de combate à inflação dos Bancos Centrais dos países do Primeiro Mundo, por meio de taxas de juros elevadas.
Hildebrand observou que o ciclo de aperto nos EUA é o maior da história, causando uma diminuição da demanda. Segundo ele, a obsessão dos BCs dos EUA e da Europa em fazer a inflação baixar para 2% não se enquadra nessa nova realidade – pois a inflação não voltará à normalidade dos anos 1990.
“Me preocupo com o longo prazo, mesmo com a economia se aquecendo agora, temos inflação; por isso, fica a dúvida se teremos um equilíbrio entre estabilidade fiscal, crescimento e inflação de maneira suficiente entre cinco e 10 anos”, disse.
Para Brooks, essa política de reprimir a demanda para conter a inflação de forma agressiva tende a piorar a situação. Mesmo porque a China, que nas crises anteriores aliviou a economia global com suas importações de commodities e compra de títulos americanos, mudou de estratégia, reduzindo as importações.
Segundo ele, por uma questão geoestratégica, a China manteve superávit forte e ativos em dólares elevados, mas mesmo que consiga recuperar o crescimento do PIB, afetado por causa da questão dos lockdowns, não deve ajudar na recuperação da economia global
“Acho difícil aumentarem as importações de commodities, o que deve afetar as exportações dos mercados emergentes, como do Brasil”, advertiu o economista do IFF.
Mercados e ESG
Apesar do cenário de incerteza, os dois debatedores procuraram demonstrar um otimismo cauteloso sobre os investimentos.
Brooks lembra que, nesta época do ano, os fundos de equity começam a olhar atentamente as movimentações do mercado, para avaliar os lucros e onde vão apostar no ano seguinte.
“Sempre penso no copo meio cheio, embora poucas transações estejam ocorrendo agora vejo que a liquidez do mercado parece estável, o que é considerável dado o impacto nos preços do petróleo”, disse. “Mas não sabemos as consequências a longo prazo dessa incerteza.”
Hildebrand, da BlackRock, destacou as oportunidades abertas com as práticas ESG (ambiente, sustentabilidade e governança) no mundo corporativo e no portfólio de investidores.
Ele observou que estamos a caminho da maior transformação que a economia global viu até hoje, com US$ 35 trilhões em potenciais investimentos. O desafio é como fazer esse capital chegar no mercado emergente, que precisa mais dessa pós-mitigação e descarbonização.
O executivo da BlackRock calcula que essa realocação de capital dos mercados financeiros na próxima década vai afetar os ativos - e as empresas líderes do segmento ESG têm atrativos a serem explorados. Outro fator é a política do combate à inflação dos BCs, que representa um risco material que pode afetar o retorno financeiro.
Por isso, é preciso acreditar que essa guinada visando as empresas ligadas ao setor ESG vai impactar no portfólio dos clientes, o que vai exigir uma estratégia arrojada.
“O capital privado precisa ocupar esse espaço com estrutura para dar escolhas ao investidor, dependendo sempre da materialidade e do risco que estiver envolvido”, afirma o gestor da BlackRock.