O estremecimento das relações entre Brasil e Estados Unidos se intensificou nos últimos meses, com a aplicação de tarifas extras sobre produtos brasileiros e tentativas de interferência no Judiciário. Desde então, o governo brasileiro adotou uma postura combativa em defesa da soberania nacional. Embora a estratégia tenha gerado ganhos de popularidade, Rogério Xavier, sócio-fundador da SPX Capital e um dos principais gestores de recursos do País, acredita que o tom pode estar excessivo.
“Não sei como isso vai terminar, mas ficar gritando daqui sobre soberania do Brasil não vai nos ajudar em nada, e acho que há uma chance de isso afetar a vida da população em termos de renda, emprego e crescimento econômico”, disse Xavier em evento para investidores organizado pela Warren, na segunda-feira, 18 de agosto. “Parece que o Brasil está levando essa questão da soberania a um ponto perigoso.”
Embora reconheça “exageros” de ambos os lados, Xavier afirma ter a impressão de que o Brasil iniciou o desentendimento, ao relembrar o episódio em que o STF puniu a Starlink pela ausência de representantes legais do X no país, devido ao fato de Elon Musk ser o principal sócio de ambas as companhias. “Eu, particularmente, achei uma barbaridade isso.”
Outro fator que, segundo o gestor, pode ter motivado a ofensiva americana é a semelhança entre os episódios de 8 de janeiro e a invasão do Capitólio por apoiadores de Donald Trump, em 2021. “O Donald Trump se sentiu perseguido e acha que o Bolsonaro está sendo perseguido aqui”, afirmou. “O Brasil está com superpoderes em várias instâncias: no Legislativo, Judiciário e Executivo. Precisamos reorganizar o país.”
Além de Xavier, participaram da conversa Bruno Cordeiro, sócio e gestor da Kapitalo, e Felipe Guerra, sócio e CIO da Legacy Capital, que concordou com o gestor da SPX. “Assino embaixo, porque [ele] falou o que muita gente tem medo de falar”, disse Guerra.
Para o CIO da Legacy, o estremecimento das relações entre Estados Unidos e Brasil ainda não teve impacto relevante porque o mercado internacional tem favorecido os ativos locais. “Com a busca do investidor estrangeiro por diversificação, carrego e carry trade, essas questões acabam passando batido”, afirmou.
Em um cenário externo adverso, segundo Guerra, o fluxo dependeria mais do investidor local, “que sofre mais com esse assunto porque vive isso todo dia”. O foco, disse, tem sido entender “como o estrangeiro pensa”. “Afinal, hoje eles estão muito maiores que os locais.”
Na avaliação de Guerra, o cenário externo tende a seguir favorável, com choques de produtividade na China e nos Estados Unidos impulsionados pelo maior uso de inteligência artificial.
“Estamos no estágio inicial. Essa tecnologia vai permitir que o mundo todo cresça mais, com menos inflação e maior produtividade. O investidor local vai ficar preocupado, mas o que domina é o sentimento do investidor estrangeiro.”
Cordeiro também compartilha da visão otimista para a atividade externa, apoiando-se nos bons resultados do segundo trimestre das grandes companhias. “O setor privado está com uma cara maravilhosa e com margens altas. Dá para sonhar com uma extensão do ciclo econômico dos Estados Unidos. Estamos vivenciando uma revolução secular no setor de tecnologia.”
Além do mercado americano, Cordeiro destaca avanços relevantes da China em inteligência artificial. “O país está com endividamento alto e potencial menor de crescimento, mas o setor privado está muito pujante, especialmente o setor de tecnologia.”
Tanto Cordeiro, da Kapitalo, quanto Guerra, da Legacy, mantêm posições compradas em ações de tecnologia da China e dos Estados Unidos. Xavier, da SPX, também tem exposições semelhantes em seu portfólio, mas adota uma visão mais pessimista em relação aos rumos da economia internacional.
Um dos pontos de divergência é que Xavier prevê uma desaceleração mais forte nos Estados Unidos, com empresas pressionadas por custos. Ele avalia que as tarifas terão efeito contracionista na economia americana, reduzindo margens e podendo aumentar o desemprego.
“O investidor está avesso a qualquer aumento de preço, e as companhias têm dificuldade de repassar. O consumo das famílias, que crescia 3%, desacelerou para perto de 1%. Não estou tão otimista com os Estados Unidos.”
Xavier acrescentou que considera preocupante o atual nível da dívida dos Estados Unidos, próximo de 120% do PIB. “Assim como no Brasil, é um problema que não vem sendo endereçado”, afirmou.
No caso brasileiro, o gestor da SPX acredita que compreender a dinâmica da dívida pública será fundamental para a continuidade — ou interrupção — do bom momento do mercado local. Um dos pontos centrais dessa equação, segundo ele, será definido nas eleições de 2026.
Assim como outros participantes do mercado, Xavier avalia que uma eventual alternância de poder para um nome de centro-direita pode ter efeitos positivos sobre os ativos locais. Ainda assim, ele não espera grande volatilidade no período eleitoral. Isso porque, segundo o gestor, o potencial de alta com a alternância seria tão expressivo quanto o de queda em caso de manutenção do atual governo.
“Dado que as chances de alternância e permanência deverão ser parecidas, acredito que haverá um equilíbrio e o mercado tende a não se estressar [durante o período eleitoral].”