A expectativa de mudança na meta brasileira de inflação de 3% dominou recentemente os debates no mercado financeiro. Essa discussão está marcada para acontecer em junho, mas foi antecipada para fevereiro - inclusive com três pesos-pesados das gestão de investimentos, Luis Stuhlberger, Rogério Xavier e André Jakurski, defendendo a revisão imediata para 4%.
Para Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, esse comportamento prejudicou em vez de beneficiar a trajetória da inflação.
“Serviu para agravar o problema. Até então, tínhamos as expectativas para 2023 e 2024 se descolando da meta, sim, mas 2025 e 2026 estavam ancoradas. Quando vem esse debate, com apoio de uma parte relevante do mercado, lógico que agravou”, diz Pinheiro, ao NeoFeed.
Como a inflação tem resistido a cair, mesmo com a taxa de juro em alta, o Banco Central deverá seguir utilizando esse instrumento para reduzir a atividade econômica. Mesmo que haja pressão da sociedade para um ciclo de queda.
“Se o objetivo do Banco Central é a estabilidade de preços, é isso que deve perseguir, independentemente de qual é o debate que está na moda. E o debate da moda é o tem que baixar os juros”.
Confira os principais trechos da entrevista:
O debate da vez é baixar a taxa de juro de qualquer maneira. Faz sentido?
No Brasil já começam a aparecer sinais que contam a favor do Banco Central. A inflação no atacado está bem baixinha, o que indica um alívio à frente nos preços no varejo; o câmbio está circulando, às vezes um pouco acima dos R$ 5,20, ou um pouco para baixo, mas está comportado e sem grandes depreciações que possam gerar uma pressão. O preço do petróleo no mercado internacional não está mais tensionado como no começo do ano passado, quando estourou a guerra da Ucrânia com a Rússia. E os gargalos nas cadeias de produção também estão quase regularizados, com os preços dos fretes marítimos perto da normalidade. A atividade econômica doméstica está desacelerando. No segundo semestre, ficou em 0,7% trimestralmente, o que dá um crescimento anualizado de 2,8%. Ainda é acima do que o Brasil cresce potencialmente.
Qual é o PIB potencial do País?
Estimo que o PIB potencial seja de 1,5%. Cálculo e estimativas de crescimento potencial são complicados de se fazer, há muita crítica. Mas só olhar empiricamente o quanto o Brasil cresceu nos últimos 20 anos, que é um bom indicador do que o País consegue atingir sem os stop and go da economia. Nas duas últimas décadas, o crescimento foi de 2%. Então, o PIB potencial com certeza não é acima de 2%. A atividade está em desaceleração, o que ajuda a não ter pressão, embora ainda está acima do potencial. Isso significa que será preciso mais um tempo para ver um cenário de queda mais acentuada da inflação. Se o objetivo do Banco Central é a estabilidade de preços, é isso que deve perseguir, independentemente de qual é o debate que está na moda. E o debate da moda é o tem que baixar os juros.
Houve pressão para o Conselho Monetário Nacional revisar a meta de inflação antes da reunião de junho, mas a Galápagos era contra. Por quê?
Essa antecipação do debate da meta é, em parte, a causadora do que vimos nas expectativas de inflação se distanciando das metas. Quando se inicia esse debate, e boa parte começa a apoiar a mudança, é possível enxergar na pesquisa Focus a expectativa de inflação de longuíssimo prazo (2025 e 2026), que até então estava ancorada na meta, começar a se distanciar e ficar acima. Há o momento de discussão, que é junho. Além dessa antecipação não ser benéfica, esse debate foi feito no vazio. Dos países que adotaram a meta de inflação na década de 1990, dividindo os países entre avançados e economias em desenvolvimento, viu-se claramente que a meta dos avançados é 2% e dos emergentes, 3%.
Essa meta não é ambiciosa para países emergentes?
A experiência internacional não tem nenhuma indicação de que países emergentes não podem ter meta de 3%. Não há nada que prove. Os países emergentes são os que têm as mesmas questões que as nossas, com endividamento alto, baixo desenvolvimento tecnológico, questões institucionais, ou seja, as idiossincrasias se acentuando um pouco em um ou em outro, mas todos são semelhantes. E esses países adoraram na largada, ou um pouco tempo depois, a meta de 3%. No Brasil, fizemos um caminho bastante lento pra isso. Aliás, existem muitos deles com meta de 3% e com uma história bem-sucedida de manter a inflação em volta desses 3%. Claro, recentemente ninguém está com a inflação na meta porque passamos pela Covid e depois teve um problema na cadeia produtiva global, o que traz uma sequência de choques. Mas isso não invalida ser viável ou alcançável.
"A experiência internacional não tem nenhuma indicação de que países emergentes não podem ter meta de 3%. Não há nada que prove"
Por que não 4%?
O que se advogou na época do debate foi que fazia mais sentido uma meta de 4%, 4,5%. Já tivemos essa meta, num período longo de tempo, e durante todo esse período a inflação não conseguiu ficar ancorada em 4% ou 4,5%. De 2008 a 2015, a inflação, na média, foi de 5,98%. A inflação começa realmente a cair quando o Brasil sinalizou que a meta do ano que vem é um pouquinho mais baixa, e no seguinte um pouco menos. Isso mostra que a meta serve como atrator das expectativas. Se revisar a meta de inflação para cima, vamos causar um desserviço. Quer trazer a inflação para baixo ou não? Se quisermos trazer a inflação para baixo, não vai ser revisando a meta para cima. O efeito esperado de uma revisão de meta para cima é trazer as expectativas para cima. Esse debate foi antecipado de uma maneira equivocada; e foi vazio.
Um debate vazio, mas que serviu para pressionar o presidente do Banco Central.
Serviu para descolar ainda mais as expectativas de inflação. Serviu para agravar o problema. Até então, tínhamos as expectativas para 2023 e 2024 se descolando da meta, sim, mas 2025 e 2026 estavam ancoradas. Quando vem esse debate, com apoio de uma parte relevante do mercado, lógico que agravou o problema. Se vai mudar a meta, que no longo prazo não vai ser mais 3% vai ser 4%, os agentes acreditam no Banco Central e começam a esperar uma inflação de 4%.
Ainda neste primeiro semestre, a reforma tributária deverá ser encaminhada ao Congresso. Você enxerga um papel importante do Fernando Haddad como o conciliador da proposta?
Talvez eu seja old fashion, mas o papel do Ministro da Fazenda é mais na elaboração de boas propostas, de coordenação da equipe econômica, na escolha do time, na orientação e no debate. Lógico que ele tem de saber a temperatura do Congresso, para ser a primeira pessoa para falar com a equipe e dar sinalizações do que é possível passar ou não passar. Mas é um crivo para dentro, com a equipe econômica. É um papel de elaborar e administrar propostas que façam sentido econômico e que tenha a ver com o momento político que temos. Agora, a tramitação é com a Casa Civil. A história do Brasil mostra que usar o ministro da Fazenda como negociador do Congresso foi mais malsucedida do que bem-sucedida.
Além do ministro Rui Costa, da Casa Civil, qual é a importância da participação do presidente Lula?
A conversa política tem de ficar com a Casa Civil e a Comunicação, mas, principalmente, precisa ter a caneta do presidente. Na história brasileira, as grandes reformas ou as grandes mudanças precisam do presidente. Ele tem de estar presente na negociação, precisa respaldar, referendar a proposta. Na parte política, ter a atuação do presidente. No dia a dia, na conversa com os parlamentares, a Casa Civil, a Comunicação e a Secretaria do governo. Mas esse não é o papel do Haddad virar o negociador com o Congresso.