O Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), projeto de infraestrutura lançado em agosto de 2023 pelo governo federal, sempre chamou a atenção pelos números grandiosos – como a previsão de R$ 1,7 trilhão de investimentos até 2030, divididos entre União, setor privado, estatais, entes subnacionais e bancos de fomento.

Uma apresentação do secretário Especial do Novo PAC, Maurício Muniz, numa comissão da Câmara dos Deputados, na qual ele mostrou os investimentos previstos pelo programa do governo no setor portuário brasileiro, chamou a atenção para um detalhe: o apetite do setor privado para investimentos em infraestrutura.

No caso das obras do Novo PAC do segmento portuário, o governo prevê, até 2026, mais de R$ 47 bilhões em aportes, dos quais R$ 42,5 bilhões ou 90% do total, virão de empresas privadas. “É o primeiro PAC em que o investimento privado supera o público em um setor”, afirmou Muniz.

A revelação causou surpresa porque o mais recente Barômetro de Infraestrutura – espécie de relatório do setor, preparado pela consultoria EY em parceria com a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e divulgado em julho – mostrou que 79,2% das empresas privadas de infraestrutura revelaram que não participam do Novo PAC, alinhando entre as principais queixas o desalinhamento do programa com estratégias empresariais e problemas nas modalidades de licitação.

Outro levantamento da EY/Abdib, do fim do ano passado, reforça por que o apetite privado em obras de infraestrutura ultrapassou até a barreira do Novo PAC. De acordo com o estudo, o Brasil bateu recorde de investimentos em infraestrutura em 2024, com aportes de R$ 260 bilhões – o maior volume da série histórica -, sendo que o setor privado foi responsável por 80% do total.

Roberto Guimarães, diretor de Planejamento e Economia da Abdib, afirma que, para alimentar esses investimentos pesados, o setor privado ganhou dois aliados de peso. Um deles foi a retomada de financiamentos em infraestrutura por parte do BNDES sob o novo governo, que atingiram cerca de R$ 49,9 bilhões em 2024.

Mas o grande salto tem sido a oferta de debêntures incentivadas em infraestrutura, que saiu de um total de R$ 40,8 bilhões em 2022 para R$ 135 bilhões em 2024. Guimarães observa que cerca de 60% das captações de funding das concessionárias de ativos públicos vêm das debêntures, enquanto os 40% de outras fontes de fomento, como o BNDES.

“Para o setor privado, as debêntures são mais ágeis de serem captadas do que a burocracia de um financiamento do BNDES. Além disso, as taxas são melhores”, diz.

Entre as vantagens, ele destaca que é possível emitir debênture e, quando a taxa fica mais baixa, a empresa pode dar baixa e emitir outra. “Isso não casa com a TLP, a taxa do BNDES, que dura a vida do contrato.”

Para se ter uma ideia do avanço das debêntures, foram emitidas o equivalente a R$ 74,54 bilhões no primeiro semestre de 2025, batendo novo recorde de maior volume de captação da série histórica, pelo quarto semestre consecutivo. O valor representa um crescimento de 15,7% em relação ao mesmo período de 2024.

Guimarães adverte que o mesmo governo que deu impulso à articulação entre os órgãos de regulação, fiscalização, controle e financiamento, melhorando o planejamento na programação de licitações de concessões de projetos de infraestrutura para a iniciativa privada, agora pode colocar tudo a perder.

Isso por conta da Medida Provisória 1.303, emitida pelo governo federal em 11 de junho de 2025. Ela promoveu uma reformulação significativa na tributação de aplicações financeiras, incluindo as debêntures incentivadas de infraestrutura, que até então contavam com benefícios fiscais importantes para atrair investidores.

A alíquota de Imposto de Renda para empresas que investem em debêntures incentivadas passou de 15% para 25%. Pessoas físicas, antes isentas, passarão a pagar alíquota de 5%.

O regime de tributação exclusiva na fonte foi encerrado, o que afeta diretamente o fluxo de caixa e a atratividade desses papéis. Essa mudança na tributação pode comprometer seriamente a capacidade de captação futura, especialmente porque mais de 90% das debêntures são adquiridas por pessoas jurídicas, que agora enfrentam uma carga tributária maior.

Os setores que mais recorreram às debêntures são energia elétrica (35,3%), transporte e logística (36,7%), saneamento (11,6%) e telecomunicações (9%).

“O que o governo espera arrecadar com as novas alíquotas de debêntures vai perder o equivalente a dez vezes mais em impostos que os investimentos em infraestrutura, com apoio das debêntures isentas, poderiam gerar”, diz Guimarães.

Impulso do PPI

O diretor da Abdib observa que, na verdade, o investimento privado vem crescendo desde 2017, quando teve início o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), iniciativa do governo Temer criada no fim do ano anterior para atrair investimentos privados em projetos de infraestrutura e serviços públicos.

O PPI foi instituído pela Lei nº 13.334/2016, com o objetivo de fortalecer a relação entre o Estado e a iniciativa privada, oferecendo mais segurança jurídica e previsibilidade aos investidores, viabilizando concessões e parcerias público-privadas (PPPs) em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia elétrica e saneamento básico, entre outras áreas.

“O PPI é uma das bases de todo esse boom de infraestrutura dos últimos anos, hoje os governos estaduais já adotam o mesmo programa com outros nomes”, afirma Guimarães.

Segundo ele, os aportes privados em infraestrutura sempre se mantiveram constantes nos últimos oito anos. Entre 2022 e 2024, por exemplo, os investimentos privados no setor cresceram 28,6%, enquanto os investimentos públicos aumentaram 78% no mesmo período – efeito da posse do novo governo, em 2023, com o lançamento do Novo PAC.

Mas houve uma retração de 7,62% dos investimentos públicos especificamente em 2024, provocada pela crise fiscal. Para o diretor da Abdib, o fato de o total investido em infraestrutura em 2024 ter atingido o maior nível dos últimos 14 anos, se deve basicamente ao setor privado.

“Uma explicação para esse aumento tão grande de aportes num cenário de juros elevados é que o investimento privado em infraestrutura trabalha com prazos longos de retorno, entre 25 e 30 anos”, diz Guimarães.

A Abdib estimou no fim do ano passado que a carteira do setor privado em infraestrutura a partir de 2025, num horizonte de dez anos, prevê investimentos de R$ 750 bilhões em 495 projetos mapeados. “Os concessionários de ativos públicos, por exemplo, têm obrigações a cumprir, por isso fazem aportes pesados, em geral nos primeiros anos das concessões”, afirma.

Guimarães adverte que essa mudança na taxação das debêntures ameaça colocar um freio nos investimentos em infraestrutura. “O carro vinha correndo, com investimentos batendo recorde, aí o governo vem e tira isenção, é um tremendo tiro no pé”, observa.

A esperança, segundo ele, é uma audiência pública no Congresso Nacional para discutir a revisão das novas taxas sobre debêntures incentivadas, introduzidas pela MP 1.303, agendada para 3 de setembro.

Para Guimarães, faltou visão ao governo ao tentar obter mais receita para atingir o equilíbrio fiscal. “Em vez de olhar a floresta, que significava investimentos pesados em infraestrutura no longo prazo, o governo preferiu olhar a árvore, que é a meta fiscal do ano.”