A versão pacifista de Donald Trump vista nas últimas semanas, colocando de lado sua guerra comercial contra o mundo e encaminhando um acordo entre Israel e o Hamas, foi substituída por sua versão belicosa no comércio internacional diante da nova política de Pequim em relação aos minerais de terras raras.
O presidente dos Estados Unidos anunciou na sexta-feira, 10 de outubro, que vai impor tarifas adicionais de 100%, acima da média de 55% que vigora atualmente, sobre os produtos da China e também aplicará controles extras às exportações de softwares críticos para o país. As medidas passarão a valer a partir de 1º de novembro.
A decisão já havia sido “cantada” por Trump mais cedo. Em post na rede social Truth Social, que praticamente virou o canal oficial dos anúncios do governo americano, o presidente ameaçou impor “tarifas massivas” contra a China e cancelar um encontro com o presidente Xi Jinping, daqui a duas semanas, na Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), na Coreia do Sul.
No post anterior, Trump afirmou que a China estava enviando cartas a diversos países informando seus planos de restringir as exportações de “todo e qualquer elemento de produção que tenha a ver com terras raras”.
O grupo de 17 elementos químicos com propriedades magnéticas e de emissão de luz é essencial para diversos produtos, como microprocessadores, veículos elétricos e jatos de guerra.
A declaração de Trump faz referência ao anúncio do Ministério do Comércio da China, na quinta-feira, 9 de outubro. A pasta informou que fornecedores estrangeiros teriam de obter autorização governamental para exportar produtos com determinados minerais de terras raras, caso esses elementos correspondessem a 0,1% ou mais do valor total do bem.
A China possui as principais reservas mundiais desses elementos e domina a capacidade de processamento, o que lhe confere grande influência sobre diversas indústrias e até países.
A “ira de Trump” em relação à China derrubou os mercados nesta sexta-feira. O Dow Jones fechou o dia com queda de 1,90%, aos 45.479 pontos. O S&P 500 recuou 2,71%, aos 6.552 pontos. E o Nasdaq caiu 3,56%, aos 22.204.
A situação também arrastou o Ibovespa, que encerrou o dia com queda de 0,73%, aos 140.680 pontos, enquanto o dólar subiu 2,38%, a R$ 5,50.
O caso reacende os receios de uma guerra comercial entre as duas maiores potências do mundo, após meses de trégua e de encontros entre representantes de Washington e Pequim.
Segundo o jornal The Wall Street Journal (WSJ), a decisão da China de reforçar seus controles de exportação faz parte de uma ação calculada para demonstrar sua influência sobre a economia dos Estados Unidos e forçar Trump a negociar.
De acordo com a reportagem, as autoridades de Pequim veem Trump como ansioso para fechar um acordo, mas os chineses, até agora, não conseguiram fazer com que os Estados Unidos concordassem com a remoção total das tarifas e dos controles de exportação — um pedido feito durante reuniões em Madri no mês passado.
Com essas medidas, os chineses devem encontrar um Trump ainda mais resistente. O presidente americano vinha demonstrando sinais de abertura para conversas.
Ele já havia elogiado Xi, afirmando que o presidente chinês era “seu amigo” e que via a possibilidade de chegar a um acordo. Em agosto, Trump flexibilizou as regras para que Nvidia e AMD pudessem exportar chips para a China, ainda que tenha exigido uma porcentagem sobre as vendas. Agora, os chineses devem encontrar um Trump de "poucos amigos".
Quem tem a perder com tudo isso é o comércio internacional e a economia global, que voltam a se ver rodeados de incertezas.
Ao NeoFeed, Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), alertou que essa nova versão de guerra comercial causará instabilidade no comércio global, prejudicando a credibilidade das relações por muitos anos.