O setor de energia eólica dos Estados Unidos vive uma contradição sem precedentes na história da indústria. Os EUA instalaram 2,1 gigawatts (GW) de capacidade eólica no primeiro trimestre de 2025, um aumento significativo de 91% em relação ao mesmo período do ano passado.

Esse boom, entanto, é ilusório: as instalações recordes registradas no primeiro trimestre do ano podem representar um último impulso antes de uma desaceleração prolongada de novos projetos no parque eólico americano – estimada em 40% até 2030.

Isso porque o governo de Donald Trump, desde a posse, em janeiro, tem criado uma série de restrições que estão tornando inviáveis os projetos que estão aguardando autorização e até os que estão em andamento.

A promessa de Trump, desde a campanha, de privilegiar os combustíveis fósseis na política energética do país levou várias empresas que atuam no setor eólico, onshore e offshore, a acelerar projetos, principalmente após a eleição.

A medida visava a aproveitar os últimos créditos fiscais que ainda vigoravam do governo Joe Biden, cuja política de apoio à energia limpa levou a um investimento massivo em parques eólicos e plantas solares nos últimos dois anos.

Em conjunto, as duas fontes renováveis forneceram 16% da eletricidade do país no ano passado e foram as que mais cresceram. Isso explica a projeção feita no início do ano da consultoria Wood Mackenzie e da Associação Americana de Energia Limpa de adição de 8,1 GW de instalações eólicas para todo o ano de 2025, incluindo projetos de repotenciação.

A rapidez com que o governo Trump começou a baixar medidas para reverter esse crescimento, porém, deve tornar ficção essa estimativa. Já no dia da posse, em 20 de janeiro, Trump assinou uma ordem executiva retirando todas as áreas da Plataforma Continental Exterior do arrendamento de energia eólica e ordenou a suspensão temporária de todas as novas licenças para projetos para essa fonte renovável.

Entre as medidas, vários benefícios aprovados pelo governo Biden foram suspensos. Essa decisão provocou uma resposta imediata de 18 estados, que entraram com uma ação judicial contra essas restrições.

Para reforçar a diretriz, a chamada "Lei BBB" - projeto de lei de conciliação orçamentária, batizado por Trump de “One Big Beautiful Bill” -, promulgada em 4 de julho, restringiu o que restava dos incentivos da era Biden. Os créditos fiscais para projetos eólicos e solares expiraram para instalações comissionadas após 2027, com uma exceção limitada para projetos que iniciam a construção dentro de 12 meses após a promulgação.

Além disso, o setor já havia levado um baque com as tarifas propostas de 25% sobre as importações do México e do Canadá, e mais 10% sobre as importações chinesas. A importação de equipamentos – como pás, turbinas e motores – depende desses três países, o que compromete a viabilidade econômica dos projetos.

Com isso, as encomendas de turbinas caíram 50% no primeiro semestre de 2025 em comparação com o ano anterior, refletindo a crescente preocupação das empresas com o ambiente regulatório.

Já a perspectiva do setor para 2030 foi revisada para baixo em 40% em comparação com as projeções anteriores de 75,8 gigawatts (GW) de potência, segundo a Associação Americana de Energia Limpa.

Luz mais cara

O impacto econômico dessas mudanças será sentido além do setor eólico. A Energy Innovation prevê aumento nas contas de luz em todos o país, com reajustes particularmente acentuados em estados liderados pelos republicanos, como Iowa, Oklahoma e Texas, onde a energia eólica é uma importante fonte de eletricidade.

“Essas ações são tão extremas que só podemos esperar que sejam reconsideradas assim que virem os impactos”, afirma Jason Grumet, presidente-executivo da Associação Americana de Energia Limpa, que representa produtores de energia renovável. “Isso afetará drasticamente nossa capacidade de desenvolver energia neste país.”

Nada disso parece incomodar o presidente americano, que critica a energia eólica desde que tentou, sem sucesso, impedir a construção de um parque offshore com vista para um de seus campos de golfe na Escócia. Trump costuma descrever os parques eólicos como "monstros horríveis que destroem a beleza de seus campos, planícies e cursos d'água", com obsessão especial pelos projetos offshore – mais caros e demorados.

Em abril, o governo Trump tentou barrar o Empire Wind, parque offshore de US$ 5 bilhões na costa de Long Island, já em construção, sem justificativa legal. Após pressão de autoridades de Nova York, o projeto foi autorizado. A Equinor, responsável pelo projeto, porém, admitiu que os atrasos e mudanças regulatórias já custaram quase US$ 1 bilhão.

Na última semana, o governo lançou nova ofensiva contra projetos eólicos. O Departamento de Transportes impôs afastamento mínimo de 1,9 km de rodovias e ferrovias federais. Já o Departamento do Interior ordenou revisão de projetos aprovados e sob disputa judicial, podendo incluir no pacote o Vineyard Wind, de US$ 4 bilhões, na costa de Massachusetts, já em construção e fornecendo energia.

A última exigência do Departamento do Interior, anunciada na quarta-feira, 6 de agosto, irritou até ambientalistas: revisar se parques eólicos violam leis federais ao matar pássaros involuntariamente, tema recorrente para Trump.

Dados federais indicam que a energia eólica responde por menos de 0,01% das mortes de aves causadas pelo homem - a Audubon Society, uma ONG de proteção às aves, afirma que as mudanças climáticas são uma ameaça muito maior.

O cerco de Trump às energias renováveis aperta justamente quando a demanda por eletricidade está aumentando pela primeira vez em décadas, em parte devido aos data centers necessários para a inteligência artificial. Ou seja, retirar a energia eólica e solar da pauta pode não só provocar prejuízos a várias empresas e aumentar a conta de luz nos EUA como causar uma crise energética no médio prazo.