Brasília - Ricardo Cappelli diz que já se sente em casa ao circular pelos corredores modernos da sede da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), uma estrutura que chega a flertar com um clima de Faria Lima, cenário bem distante do qual estava habituado, nos gabinetes do Ministério da Justiça.
Desde o dia 2 de fevereiro, é ele quem comanda a agência que tem a missão de perseguir os objetivos previstos no planejamento da Nova Indústria Brasil (NIB), programa de renovação dos setores industriais anunciados em janeiro pelo governo federal, com previsão de injetar R$ 300 bilhões em financiamentos, entre 2024 e 2026.
Alçado ao comando da ABDI pelas mãos do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que também acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), ao qual a ABDI está vinculada, Ricardo Cappelli, 52 anos, diz que recebeu o convite com entusiasmo, apesar da tarefa tão distante daquelas que desempenhou nos últimos anos.
Até janeiro deste ano, Cappelli respondia pelo cargo de secretário-executivo do Ministério da Justiça, como braço-direito do então ministro Flávio Dino. Com a ida de Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a ser cotado para comandar a pasta, mas o governo acabou decidindo pela escolha de Ricardo Lewandowski.
Seu nome passou a ser conhecido nacionalmente após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando foi nomeado interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No mesmo ano, foi secretário executivo e ministro interino do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Filiado ao PSB de Dino, Capelli passou ainda por cargos no governo do Maranhão e chegou a atuar, entre 2013 e 2015, no Ministério do Esporte, onde foi secretário nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social. Perguntado sobre como essas experiências o cacifam para comandar uma associação da indústria nacional, ele não titubeia.
“Quando você exerce algumas funções na administração pública, passa a conhecer seu funcionamento, ganha capacidade de liderança, visão estratégica para definir foco e saber quais são os problemas a serem enfrentados. Tenho 24 anos de experiência em cargos públicos. São atributos que perpassam a atividade fim de onde você está naquele momento. Estamos falando de gestão, de forma geral, e conhecer a máquina pública ajuda muito”, diz ele.
Entenda o que pensa e planeja o ex-braço direito de Flávio Dino e ex-interventor federal no pós-8 de janeiro. Abaixo, os principais trechos da entrevista ao NeoFeed.
Que cenário você encontrou ao chegar na ABDI?
A realidade é que a ABDI ficou sete, oito anos sem bússola, porque o Brasil ficou esse período sem política industrial. Como é que você tem uma agência brasileira de desenvolvimento industrial, sem ter política para isso. Meu primeiro esforço aqui foi colocar a ABDI no curso da Nova Indústria Brasil, que é a nova política industrial. Vamos fazer com que a ABDI faça parte disso.
De que forma isso está acontecendo, na prática?
Meu primeiro movimento foi visitar o BNDES, a Finep, o MCTI, para fazer uma reunião com todos os atores importantes ligados à nova política industrial. Nós temos seis missões previstas na NIB que, dentro delas, trazem 20 nichos prioritários para ter detalhamento, mapear as cadeias produtivas de cada nicho, definir metas e objetivo de adensamento dessas cadeias. Desses 20 nichos, três ficaram sob responsabilidade da ABDI, para o mapeamento de suas cadeias.
Que nichos são esses?
Máquinas e equipamentos agrícolas; robôs; e painéis fotovoltaicos e aerogeradores. O mapeamento dessas cadeias estão com a ABDI. Já temos equipe trabalhando nisso.
O que esse mapeamento vai mostrar?
Ele vai revelar como é que está a situação de cada setor, o nível de verticalização que existe no Brasil dessa cadeia toda. Por exemplo, a indústria fotovoltaica, como é que está? Vem tudo de fora? Está sendo produzido alguma coisa aqui? Quais são as oportunidades que podemos estabelecer nesta área, a partir de projetos que estão em andamento ou estudo? É isso que estamos fazendo: mapeando cada uma dessas cadeias.
"Somos responsáveis pelo monitoramento, definição de indicadores e acompanhamento da avaliação de impacto das cadeias produtivas incluídas no plano de R$ 300 bilhões"
E esse mapeamento é detalhado?
Quando tivemos o lançamento da NIB, uma das principais críticas que houve foi a ausência de detalhamento. Estamos saindo das metas genéricas, aspiracionais e entramos de fato na definição de cada um desses nichos. Paralelamente, também somos responsáveis pelo monitoramento, definição de indicadores e acompanhamento da avaliação de impacto no adensamento das cadeias produtivas incluídas no plano de R$ 300 bilhões.
De que forma esse trabalho será feito?
Começamos a colher dados com BNDES, Finep e Embrapi, para começar, a partir da integração desses dados, a ter, no máximo daqui a seis meses, prestação de contas dos resultados, o que é outra crítica, uma interrogação que existe. Precisamos medir o impacto efetivo dos repasses, o adensamento nessas cadeias, os empregos gerados. Fora isso, temos que explorar a possibilidade de o governo e todo setor público fazerem encomendas tecnológicas.
Quais encomendas tecnológicas?
Imagine que eu tenho um problema x, mas esse problema não tem solução pronta no mercado. Nós passamos a atuar para que o setor público busque essa inovação, mesmo que isso inclua certa probabilidade de risco.
Pode dar um exemplo disso?
Por exemplo, recebi aqui os Correios. Estamos falando de um serviço que funciona muito bem, é claro. Mas, veja só. Eu soube ontem que toda parte de distribuição dos Correios é feita hoje em planilha de Excel. O serviço funciona? Sim. Mas pode funcionar com muito mais eficiência? Sem dúvida. Então, o que os Correios querem fazer? Uma encomenda tecnológica, querem contratar um sistema para otimizar isso, para fazer a gestão deste fluxo gigantesco. O serviço funciona hoje, mas o que deve ter de perda e retrabalho nisso, é algo gigantesco.
"Nós passamos a atuar para que o setor público busque essa inovação, mesmo que isso inclua certa probabilidade de risco"
E onde vocês entram?
Veja, esse sistema não existe, porque os Correios fazem uma coisa muito específica. Então, alguém vai ter que apostar na construção disso, vai desenvolver. Uma encomenda tecnológica é você estabelecer parâmetros e contratar uma solução, que em tese, vai ficar de pé, havendo sempre um certo risco. Encomenda tecnológica sempre tem risco. Você tem que achar no processo de modelagem dessa contratação um equilíbrio entre o binômio risco e recompensa, que permita ao gestor público apostar o dinheiro na inovação, sabendo que pode dar errado, porque a inovação é tentativa, acerto e erro.
Qual vai ser a parte da ABDI?
A ABDI ajuda na construção da modelagem dessa contratação. Puxamos os órgãos de controle para dar segurança e para que o gestor possa apostar em uma solução com recurso público. A Petrobras, por exemplo, fez R$ 450 milhões de encomendas tecnológicas com apoio de nossa modelagem, nossa equipe técnica. Neste ano ela quer dobrar, com R$ 900 milhões de encomenda tecnológica apoiada neste modelo. Nosso desafio é expandir isso para toda a administração pública, porque o país tem um grande poder de incentivar a industrialização e a inovação utilizando as compras públicas.
Como isso funcionaria?
A missão da ABDI é incentivar essas transações, utilizar a capacidade técnica da ABDI e dar segurança aos entes públicos, para que eles possam fazer encomendas tecnológicas utilizando o poder das compras públicas como instrumento de inovação no Brasil. Por isso, teremos um mapeamento detalhado de cada cadeia industrial que estamos mapeando.
Quando esse trabalho deve ser concluído?
Nossa meta é o vice-presidente Alckmin apresentar esse mapeamento até o dia 22 de abril.
Quantos funcionários tem a ABDI? Qual o orçamento anual?
São 76 funcionários diretos e mais os terceirizados, chegando a cerca de 150 pessoas. O orçamento é de cerca de R$ 140 milhões para realizar todos os trabalhos. Com esse pessoal extremamente qualificado, tocamos as três áreas prioritárias. A NIB, com suas cadeiras e monitoramento, é um eixo. As encomendas tecnológicas são outro eixo. E um outro tema que está na agenda é uma parceria com a CNI e as federações, para ter uma plataforma, um observatório da indústria nacional.
"Chega um investidor, um fundo que quer saber a situação da indústria no Brasil. Precisamos ter isso de forma dinâmica e moderna. Isso está em curso"
Que tipo de observatório?
Um local onde você possa ter referência de dados, mostrando lacunas e oportunidades. Chega um investidor, um fundo que quer saber a situação da indústria no Brasil. Precisamos ter isso de forma dinâmica e moderna. Isso está em curso. Outra iniciativa nossa prevê a aproximação com agências e órgãos federais para destravar projetos.
Aproximação com quais órgãos?
Vou citar alguns exemplos. Na semana que vem, eu tenho uma reunião com o presidente do Ibama, para saber como podemos ajudar. A gente tem ouvido muito das empresas que o Ibama é um desafio para elas, principalmente na área de licenciamento. Queremos entender melhor a situação e ver como podemos ajudar. Recebi nesta semana o pessoal da FarmaBrasil. Eles falaram que a Anvisa tem R$ 16 bilhões em novos remédios parados na agência. Também recebi o pessoal do Instituto Brasileiro de Mineração. Me disseram que têm 180 mil pedidos na Agência Nacional da Mineração.
Qual seria a participação da ABDI?
Eu vou colocar ABDI à disposição para discutir como auxiliar esses órgãos para superar esses gargalos, ver a possibilidade apoiar contratação de sistemas, processos, o que for necessário. Não podemos ter um investimento privado aguardando dois anos. A Vale me disse que tem R$ 350 bilhões aguardando 77 licenças no Ibama. A ABDI, com o orçamento que ela tem, não está aqui para ficar dando dinheiro, fomentar setores.
O que a agência pode fazer?
Podemos, em função da natureza que temos, auxiliar na questão mais estratégica de discussão da política industrial, no monitoramento, em seu um centro pensante da política industrial, pode ajudar em suporte técnico na questão da inovação, na modelagem para as encomendas tecnológicas e pode atuar com os órgãos na questão de enfrentar a gargalos. Por essas questões todas, esses desafios, estou animado com as possibilidades que temos pela frente. Não existe país desenvolvido no mundo sem uma indústria forte.
O problema é que órgãos como Ibama e as agências reguladoras estão pressionados com cortes no orçamento e sem pessoal.
Nós temos de encontrar solução para resolver os problemas do Brasil, à luz das condições de um país em desenvolvimento, mas ainda com uma desigualdade brutal e um aperto fiscal gigantesco. Depois de ter passado pela área de segurança pública, todos os setores em que trabalhei, o que vejo hoje é que todos os temas estão interligados. O que a gente percebe é que o que estabiliza a democracia não é polícia, mas sim fazer o país voltar a crescer, gerar emprego, prosperidade. Quando a democracia esfarela e aparecem essas loucuras todas que acabamos de viver, com a ascensão da extrema direita, é porque as pessoas pararam de acreditar na democracia como instrumento de prosperidade.
Algo que não está restrito apenas ao nosso País.
Vimos isso não só no Brasil, mas no Ocidente todo. O que vai voltar a estabilizar a democracia brasileira é o crescimento, o desenvolvimento. Enquanto a gente tiver milhares de engenheiros e advogados dirigindo Uber, não tem democracia que fique forte que aguente isso.