Taxa de juros elevadas agravando o déficit público. Esse problema, que contaminou a relação entre o novo governo brasileiro e o Banco Central no primeiro semestre, chegou agora aos Estados Unidos.

O crescimento, nas últimas duas semanas, dos rendimentos de títulos do Tesouro de dez anos nos EUA acabou elevando a níveis estratosféricos o pagamento de juros do déficit do governo americano nos próximos meses. No atual ano fiscal, os gastos com juros deverão ultrapassar os US$ 800 bilhões, mais do dobro dos US$ 352 bilhões consumidos em 2021.

Se as taxas atuais permanecerem elevadas e a política fiscal do governo de Joe Biden corresponder às previsões atuais (déficit equivalente a 6% do Produto Interno Bruto, PIB), o custo do serviço dessas dívidas ultrapassará os gastos com a Defesa em 2025 e, no ano seguinte, os principais repasses para o Medicare - o sistema de seguros de saúde para idosos e população de baixa renda gerido pelo governo americano.

Os números são do Comitê para um Orçamento Federal Responsável (CRFB), comitê não-partidário que acompanha a evolução do Orçamento do governo americano. O CRFB projetou as previsões alarmistas no pressuposto de que as taxas de rendimento dos títulos permaneçam 1 ponto percentual mais elevadas do que as previsões do Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês).

“As taxas de juros estão mais altas do que se previa e, se permanecerem altas, os custos dos juros explodirão”, adverte Marc Goldwein, diretor sênior de políticas do CRFB. Em julho, as projeções fiscais do CBO presumiam que os títulos do Tesouro dos EUA de 10 anos renderiam 3,8%, que era aproximadamente o valor pelo qual os títulos eram negociados naquele momento.

Desde então, o rendimento de 10 anos estabeleceu um recorde, ultrapassando 4,8% em 6 de outubro. Houve oscilação nos dias seguintes, mas, na manhã de segunda-feira, 16 de outubro, o título estava cotado em 4,7%.

O efeito é visível porque taxas mais elevadas desses papéis aumentam o peso da dívida antiga – mas não de uma só vez. À medida que os títulos do Tesouro de longo prazo emitidos durante a era dos juros baixos (aproximadamente de 2008 a 2021) amadurecem gradualmente, a rolagem dessa dívida fica mais cara.

Cerca de US$ 207 bilhões em títulos do Tesouro originalmente emitidos em 2021, 2020, 2018, 2016 e 2013 venceram somente neste mês. Sua taxa de juros média ponderada foi de 1,2%. Eles serão substituídos por dívidas recém-emitidas na ordem de 5%. O mesmo deverá ocorrer todos os meses nos próximos anos.

O efeito dessa subida dos títulos do Tesouro nos juros do déficit do governo preocupa porque o rendimento dos Treasuries de 10 anos também é referência para o custo global de capital e a base para a avaliação de todos os ativos financeiros. Como exemplo, o aumento dos rendimentos desses papeis afeta o mercado acionário – isso porque essa elevação aumenta a taxa de retorno exigida das ações.

A valorização dos títulos já é apontada como um dos fatores para os investidores americanos optarem por apostar nesses papéis a alocar recursos em mercados emergentes, como da América Latina.

Fator Fed

Parte da crise atual junta aumento dos gastos públicos por causa da pandemia com a rápida ascensão do ciclo de inflação e juros nos EUA nos últimos meses. A política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), por sinal, é apontada como a principal razão para o aumento dos rendimentos títulos do Tesouro de 10 anos.

Na última reunião do Fed, em 20 de setembro, o presidente do órgão, Jerome Powell, reconheceu que os aumentos das taxas de juro não tinham desaquecido a economia tanto quanto o previsto para reduzir a inflação. O Fed sinalizou mais um aumento nos juros e apenas dois cortes nas taxas em 2024, contra quatro cortes que havia indicado anteriormente.

Com isso, o reconhecimento, por parte do Fed, de que as taxas de juro permaneceriam mais elevadas por mais tempo gerou a corrida pelos títulos de 10 anos do Tesouro.

Com a taxa de juros oscilando nos EUA entre 5% e 5,25% ao ano, o déficit fiscal do governo americano deve atingir 6% do PIB. A título de comparação, com a taxa Selic em 13,75% até agosto no Brasil, o déficit do setor público com o pagamento de juros representou 6,2% do PIB por aqui em julho, antes do início da queda da Selic.

A previsão daqui para frente, no entanto, não é alarmista para os EUA. Ao longo dos últimos oito ciclos de aperto monetário da Fed, o rendimento de títulos de 10 anos caiu em média 130 pontos base nos seis meses seguintes à última subida das taxas de juro.

Se a última subida das taxas em julho se revelar a derradeira, como parece cada vez mais provável, é esperado um recuo nos juros dos títulos de 10 anos do Tesouro em breve, o que beneficiaria o mercado de ações.

Por outro lado, a ascensão de rendimentos dos títulos do Tesouro mostra que esses papeis estão fazendo o trabalho do Fed de conter a expansão inflacionária. O mercado trabalha agora com uma probabilidade de 10% de um novo aumento das taxas de juros nos EUA antes do final do ano, abaixo dos 50% de há duas semanas.