Um dia depois de obter uma vitória indiscutível no segundo turno da eleição presidencial do Chile, o ultradireitista José Antonio Kast adotou na segunda-feira, 15 de dezembro, um tom moderado, pedindo apoio da oposição para liderar um governo de emergência para atacar o problema da violência - tema central da eleição -, sinalizando que não adotará medidas radicais.

“Tenho que ser muito honesto desde o primeiro dia, aqui não há soluções mágicas”, disse Kast, de 59 anos, em seu discurso da vitória, na madrugada de segunda. “Não se muda tudo de um dia para o outro, recuperar o país requer o esforço de todos.”

Eleito com 58% dos votos, batendo a candidata comunista Jeannette Jara - que obteve nas urnas apoio de 42% dos eleitores -, Kast deve aproveitar o período até a posse, marcada para 11 de março, para negociar com partidos de centro e da direita moderada uma base parlamentar no novo Congresso chileno, sem maioria definida.

Analistas apontam a fragmentação política no Chile como o principal motivo da cautela demonstrada pelo novo presidente. Sua coalizão de direita deterá 42 das 155 cadeiras na Câmara dos Deputados e sete das 50 cadeiras no Senado. A coalizão de centro-direita, mais moderada, à qual Kast também terá que recorrer, terá mais 34 deputados e 18 senadores.

Mesmo que esse grupo lhe dê respaldo, a eventual bancada governista ainda ficará a um voto de obter maioria para aprovar as medidas prometidas.

Um Congresso sem maioria governista, o tema da violência no centro do debate e a promessa de cortar gastos públicos em US$ 6 bilhões (aproximadamente 1,5% do PIB) nos primeiros 18 meses de governo devem tornar o primeiro ano de mandato de Kast uma espécie de laboratório para a campanha presidencial do Brasil - que deve aprofundar o debate sobre os mesmos temas da eleição chilena.

O início da gestão de Kast também será importante para entender a guinada à direita nos países da América do Sul, com o Chile se juntando à Argentina, Paraguai, Equador, Bolívia e Peru com governantes conservadores. Brasil, Colômbia e Peru realizam eleições em 2026 e a direita tem boas chances nos três países.

Em termos geopolíticos, o cenário latino-americano se mostra cada vez mais favorável ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cujo governo vem reforçando o interesse de ampliar a influência na região.

Kast, um admirador confesso do ex-ditador Augusto Pinochet, deverá ser assediado por Trump em sua estratégia de reduzir a dependência da economia regional da China, principal parceira comercial do país andino, e ampliar o acesso a minerais críticos - o Chile é o maior produtor de cobre do mundo e tem uma das maiores reservas de lítio.

Temas como a ameaça de Trump de derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro e a maneira como os países da região aliados ao presidente americano vão se posicionar também deverão ser explorados na campanha presidencial brasileira.

Mercado em alta

A agenda econômica de Kaust, porém, deverá ser acompanhada de perto por candidatos da oposição no Brasil.

O novo presidente chileno assumirá em um cenário de relativa estabilidade, a despeito de uma década de crescimento baixo. O peso se valorizou quase 10% este ano. A inflação tende a cair para a meta de 3,0% do Banco Central nos primeiros meses de 2026, e a economia tem apresentado bom desempenho, estando próxima do seu potencial.

Antecipando a vitória de Kast, o mercado financeiro vem acumulando altas desde a definição do segundo turno, com os spreads dos títulos em relação aos títulos do Tesouro dos EUA em níveis não vistos desde antes da crise financeira global de 2008, as ações em máximas históricas e o custo do seguro da dívida chilena contra inadimplência retornando aos níveis pré-pandemia.

Parte do otimismo se deve às promessas do novo presidente chileno de trazer o país de volta ao equilíbrio fiscal. Kast pretende reduzir a alíquota do imposto de renda para médias e grandes empresas de 27% para 23%, acelerar o crescimento econômico para 4%, ante os atuais 2,5%, e simplificar a regulamentação.

Uma de suas propostas mais controversas é a promessa de cortar os gastos públicos sem reduzir os benefícios sociais – meta considerada ousada para um governo sem maioria assegurada no Congresso.
Em nota a clientes, o banco Goldman Sachs apontou três desafios imediatos para o novo presidente chileno. O primeiro – e o que mais mobilizou os eleitores - é o de lidar com a percepção pública de deterioração das condições de segurança.

Embora o Chile permaneça relativamente seguro em comparação com seus pares regionais, a insegurança e a violência aumentaram nos últimos anos. As taxas de homicídio subiram de uma média de 3,4 por cem mil habitantes na década anterior para um pico de 6,8 em 2022.

O fato de os homicídios terem diminuído para uma média de 6,0 por cem mil habitantes em 2024 - e o primeiro semestre de 2025 ter apresentado uma melhora adicional –, a insegurança sob responsabilidade do atual governo de esquerda, de Gabriel Boric, foi o maior trunfo de Kast.

O segundo desafio apontado pelo Goldman Sachs é o desemprego, na faixa de 11%. “Em nossa avaliação, as recentes mudanças políticas tiveram um impacto significativo no mercado de trabalho, uma vez que os aumentos substanciais do salário-mínimo, as maiores contribuições previdenciárias e a transição para uma semana de trabalho de 40 horas elevaram os custos trabalhistas”, afirma o banco.

Em terceiro lugar, as finanças públicas estão a caminho de não cumprir a regra fiscal pelo terceiro ano consecutivo em 2025. “O desequilíbrio estrutural levou a um aumento da dívida pública, que subiu de menos de 5% do PIB em 2008 para mais de 42%, exigindo uma resposta”, adverte o Goldman Sachs.

Peter Siavelis, professor de ciência política da Universidade Wake Forest, afirma que a eleição de Kast ressalta a profundidade da crise de confiança nas instituições políticas do Chile. “O resultado é melhor compreendido como mais uma expressão de desconfiança em relação às elites políticas e aos mecanismos de governo, em vez de um mandato para uma transformação conservadora da sociedade chilena” diz o acadêmico, citado pela agência Bloomberg.

A equipe econômica de Kast deve contar com nomes fora do establishment tecnocrático chileno. Entre os aliados estão o principal assessor econômico, Jorge Quiroz, o economista Bernardo Fontaine, o ex-deputado Rodrigo Álvarez e o empresário Alejandro Irarrázaval.

Advogado de formação, fundador do Partido Republicano do Chile e deputado federal por 16 anos, Kast não possui experiência no Executivo – essa foi a terceira eleição presidencial que disputou. Pai de nove filhos e alinhado a uma agenda de costumes conservadora, prometeu governar para todos os chilenos.

Como é costume no Chile desde a redemocratização, o resultado das urnas foi reconhecido pela adversária e candidata do governo: “A democracia falou alto e claro”, disse Jeannette Jara, em uma publicação no X.