Passei os últimos dois anos estudando intensamente sobre empresas de bens de consumo. Companhias como P&G, Unilever e tantas outras. Você sabe como o modelo deles funciona?
A Procter & Gamble, mais conhecida como P&G, por exemplo, é uma holding com quase 200 anos de idade. O grupo foi fundado em 1837 e, até o momento, possui 65 marcas individuais que ficam dentro de cerca de 10 categorias de produtos. A empresa organiza o seu negócio e inclusive reporta suas demonstrações financeiras pela ótica de suas categorias de produtos.
Não nomearei todas aqui, mas, por exemplo, uma categoria importante é a de cuidados com roupas/tecidos. Nesta categoria, estão incluídas marcas como Tide, Downy e Bounce. Outro exemplo é a categoria de higiene, que tem no portfólio as marcas Gillette e Braun. Também existe a de cuidados para o cabelo, na qual encontram-se as marcas Head and Shoulders, Pantene, Herbal Essences e por aí em diante…
Para termos uma ideia de seu tamanho, durante o ano de 2021, a P&G gerou cerca de 420 bilhões de reais em receita. Outro dado extremamente importante é o fato deles serem detentores do maior orçamento de marketing do mundo. Em 2021, a P&G investiu algo em torno de 64 bilhões de reais em marketing.
Fazendo umas contas rápidas, ao dividir R$ 64 bilhões por R$ 420 bilhões, estamos falando que 15% da receita foi investida em marketing. Sendo que, em 2019, a empresa gastou R$ 35 bilhões em marketing, ou seja, em apenas dois anos, ela investiu quase 100% a mais na área.
Este vem sendo o modelo, com retornos marginais decrescentes, tradicional adotado por tais empresas de consumo para tentar se manter no mercado ou crescer.
A forma como investem em marketing é toda baseada em anúncios e aquisições de marcas. Eles literalmente aportam um caminhão de dinheiro em mídia e compram inúmeras marcas pequenas que demonstram alto potencial de crescimento para balancear o fato de que as suas marcas tradicionais não estão crescendo tão rapidamente - a menos que invistam uma tonelada de dinheiro em marketing. Algo absolutamente insustentável.
Acredito que incumbentes como P&G e Unilever passarão por grandes desafios para manter crescimento nos próximos anos
É por isso que acredito que incumbentes como P&G, Unilever, ou a “holding tradicional” passarão por grandes desafios para manter crescimento nos próximos anos. Vou além, acredito que marcas que se comportarem desta forma tradicional irão desaparecer por completo nos próximos 10, 20 anos.
Minha crença nessa análise resulta de dois fatores:
- O primeiro é com relação ao marketing. Acabei de falar sobre como R$ 64 bilhões das receitas da P&G em 2021 foram gastos em marketing e publicidade. Eles precisam gastar muito para tentar crescer, o que não é sustentável de um ponto de vista econômico. Simplesmente, não conseguem crescer organicamente.
- O segundo fator que reforça minha visão é com relação ao aumento sem precedentes nos custos atuais de marketing. Considerando o shift crescente da atenção do consumidor para mídias digitais, vemos o custo de veiculação de anúncios aumentando drasticamente em canais como Facebook, Instagram, Tiktok, Snapchat, YouTube.
A meu ver, existem algumas razões para isso.
- A primeira é a grande mudança do mainstream para online em anunciantes tradicionais. Tais grandes investidoras de marketing como as Procter & Gamble do mundo estão transformando investimentos em TV, canais lineares e de rádio para canais mais novos. Portanto, há mais demanda por uma oferta limitada de espaços digitais, o que aumenta significativamente os custos para todos.
- A segunda observação é que empresas como o Facebook ou Instagram, naturalmente precisam aumentar os seus CPMs ou custos de publicidade em suas plataformas ao longo do tempo, pois "essa é a alavanca que podem puxar para fazer crescer o seu negócio".
- E o terceiro motivo é o que o Andrew Chen, sócio e líder de consumo do a16z (um dos fundos de investimentos mais renomados do mundo), chama de “lei dos cliques de merda” (law of shitty click-throughs). Essa lei é basicamente a ideia de que hoje em dia, as pessoas são programadas para ignorarem publicidade e por isso os cliques na publicidade diminuem significativamente ao longo do tempo, o que significa que muito mais dinheiro tem de ser gasto para conduzir a mesma quantidade de tráfego/conversão para o seu site ou aplicativo.
Os custos de marketing, portanto, estão ficando cada vez mais caros e, eu não acredito que essa tendência vá parar tão cedo.
Em minha visão, o único tipo de marketing eficiente em 2022 é aquele onde você entretém as pessoas ao invés de interromper. Você entretém as pessoas quando (1) elas escolhem organicamente consumir a sua mensagem e assim decidem te acompanhar, e (2) quando você leva um conteúdo relevante para elas. Em geral, quando você fala para a sua comunidade "você é dono” daqueles olhares.
Do contrário, você interrompe as pessoas quando faz qualquer outra coisa: (a) anunciando em uma propriedade onde não te deram permissão para estar ali, (b) interrompendo o que as pessoas estavam tentando fazer, e fazendo isso num “terreno alugado'' que não é seu. Para quem está inserido no mundo do marketing e da publicidade, é nítido que há cada vez menos interesse em marketing de interrupção por parte dos consumidores.
Para os que não focam em construção de comunidade, é preciso pedir emprestado uma audiência às plataformas que são donas dessa audiência (Instagram, Facebook, TikTok) para ter a possibilidade de produzir receita. Isso além de não ser sustentável economicamente, também não é construtivo a longo prazo. Se você não construiu essa audiência de forma orgânica e genuína, como poderia ter afinidade com as pessoas para quem está vendendo?
E vou além, em muitos casos isso gera desconfiança. É quase como se existisse uma correlação negativa com os gastos da publicidade interruptiva e afinidade com a marca. Agora, somando tudo isso: o modelo tradicional é (1) roubar tempo das pessoas, (2) investindo caminhões de dinheiro, (3) com uma taxa de cliques/resultado duvidosa, onde cada vez que se publica um anúncio, também estamos irritando alguém. De fato, é realmente muito difícil fazer esse modelo funcionar.
No final do dia, não acredito que os seres humanos tenham profundo amor pela maioria dos produtos de consumo que são vendidos sob o guarda-chuva das holdings tradicionais do mundo. Não creio que as pessoas tenham profundo amor pelo seu aparelho de barbear e acordem de manhã pensando “eu sou o maior adepto ou fã da história da Gillette e faço a barba todos os dias porque só quero ver a Gillette ter sucesso”.
Não estou dizendo que as pessoas precisam adorar seus bens de consumo. Mas penso que estas marcas que se encontram sob o guarda-chuva das “P&Gs” do mundo, não tem essência para as pessoas se agarrarem, para continuarem a ter uma razão para quererem seguir com essa marca.
A lealdade no modelo tradicional é basicamente inexistente para as gerações mais jovens
A lealdade no modelo tradicional é basicamente inexistente para as gerações mais jovens, nada prende as pessoas a uma marca versus a outra. Tudo isso para dizer que, para mim, o atual modelo é uma competição pela qualidade e por preço, um modelo que encontrará muita dificuldade daqui em diante na minha opinião.
Portanto, a tese aqui é que eu acredito que a próxima Procter & Gamble ou Unilever será uma holding de marcas de criadores de conteúdo. O que isso significa? Será uma companhia onde os criadores de conteúdo que construíram um nicho de fidelização, públicos de vários tamanhos, se tornam cofundadores de produtos. Neste caso, produtos físicos que lançam com operadores experientes. A realidade é que já estamos assistindo isso acontecer pelo mundo e, estamos no início desta evolução.
A celebridade global Kim Kardashian lançou a Skims em 2019. Em 2022, três anos depois, o negócio foi avaliado em R$ 18 bilhões. Em 2021, a empresa gerou R$ 1,5 bilhão em receitas. E espera realizar R$ 2,2 bilhões em 2022. Uma única marca, e claro, estamos aqui falando de um dos maiores influenciadores do mundo, mas acho que esta tese ainda se aplica a qualquer pessoa que tenha um nicho de audiência profundamente leal.
Outro exemplo é a tequila Teremana, a marca do famoso ator The Rock Johnson. The Rock é um cofundador da Teremana e lançou esta marca de tequila em março de 2020. Fun fact é que um dos principais motivos de fundar essa empresa se dá pelo fato de adorar beber tequila. Ele tinha uma tonelada de vídeos no seu Instagram em que bebia tequila. E alguém se aproximou deles e disse: "Rock, porque você não é dono da sua própria marca?"
Em 2021, a Teremana vendeu mais de 640 mil caixas de tequila. Agora, é comparada a algumas das maiores empresas de bebidas destiladas do mundo. As pessoas já estão comparando a Teramana com a Casamigos, que foi cofundada por George Clooney e vendida à Diageo por R$ 6 bilhões em 2017. Está também sendo comparada à Aviation Gin, que é cofundada pelo ator Ryan Reynolds, e foi vendida à Diageo por R$ 3,5 bilhões.
Reforçando, já estamos assistindo a isto acontecer nos EUA.
Acredito também que muito do sucesso de tais empresas se resumem ao fato de primeiramente encontrar o creator certo para o produto certo. Algo que chamo de CPF, ou Creator-Product-Fit. Ou seja, analisar uma série de indicadores e entender profundamente qual é o produto que o público do creator naturalmente está à procura e que seja naturalmente parte da história dele.
Faça um exercício: busque no Instagram por celebridades mundiais como Rihanna, The Rock, George Clooney, Ryan Reynolds, Conor McGregor e outros que já enxergam o potencial desse modelo e estão colhendo os frutos. Veja o que está escrito na bio desse pessoal. Agora busque por celebridades brasileiras e compare.
Nos Estados Unidos e na China bilhões de dólares em valor foram criados capturando e monetizando essa atenção. Um flywheel muito simples onde: quanto mais atenção, mais dados, mais ofertas relevantes, mais dinheiro, mais atenção... e assim por diante.
Acredito fortemente que a oportunidade aqui, no Brasil, é das maiores do mundo. Somos os maiores consumidores de redes sociais e onde os influenciadores têm mais impacto em nosso comportamento de compra. Permitir que esses ícones culturais, massivamente influentes no ambiente mobile e digital, tornem-se proprietários das empresas que eles apoiam é um game changer na indústria.
Uma revolução que, sem dúvida, não será televisionada.
Rapha Avellar é fundador e CEO da Adventures