O primeiro semestre está por um triz e as estatísticas revelam uma economia firme. O desaquecimento no segundo semestre é esperado, mas a surpresa positiva da criação de postos de trabalho muito além das projeções em abril – atestado de um mercado robusto – rifa apostas na desaceleração acentuada da atividade e coloca na berlinda a perspectiva de corte mais rápido do juro.
Estimativas de crescimento começam a ser revistas para melhor e fortalecem expectativas de que a agenda internacional em curso no País – e a ser “renovada” pelo presidente Lula nos próximos dias – poderá amenizar a crise instaurada pelo aumento do IOF que escancarou a fragilidade política do governo, do ministro da Fazenda e da política fiscal.
O presidente Lula retoma o circuito internacional ao embarcar na terça-feira, 3 de junho, para a França. Detalhes sobre a viagem serão divulgados pelo Itamaraty na sexta-feira, 30 de maio. Mas informações preliminares apontam uma agenda intensa, diversa e diplomática – sem o foco altamente comercial da viagem presidencial à China que rendeu R$ 27 bilhões em investimentos.
Na viagem de seis dias à França, Lula terá a oportunidade de defender o acordo Mercosul-União Europeia em fase de aprovação parlamentar nos dois blocos, mas sob forte resistência do país anfitrião, onde ele será homenageado na Academia Francesa e receberá o título de doutor honoris causa da Universidade Paris 8.
O presidente poderá comparecer ao Fórum de Economia e Finanças Azuis, em Mônaco e à 3ª Conferência da ONU sobre os Oceanos, em Nice. A seguir, se convidado, Lula marcará presença no Canadá, onde será realizada, de 15 a 17 de junho, a Cúpula do G7.
Durante a estada de Lula na França, no Brasil o Congresso Nacional estará com sessões e votações paralisadas porque vai sediar o XI Fórum Parlamentar do BRICS – espécie de antessala da Cúpula do BRICS presidida pelo Brasil e prevista para 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. Será a quarta vez que o País sedia a reunião que ocorreu, anteriormente, em 2010, 2014 e 2019.
O segundo semestre estará, então, instalado. E o presidente, como ele próprio acenou, deverá acelerar sua marcha pelo País para “fazer política”. Paralelamente ao périplo de Lula, o calendário da Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas – a COP 30 – seguirá seu curso não sem críticas e apreensão quanto à infraestrutura disponível a milhares de participantes.
A conferência será realizada entre 10 e 21 de novembro em Belém, sendo precedida pela cúpula de chefes de Estado na primeira semana do mês. Antes disso, em 13 e 14 de outubro, ocorrerá a pré-COP – um encontro que deverá reunir, em Brasília, ministros negociadores de clima à frente de meia centena de delegações internacionais.
“Calcanhar de Aquiles” volta ao foco
Essa massiva agenda internacional poderá ajudar a desviar atenção de questões estritamente econômicas. Mas não vai minimizar a relevância da política fiscal que, após descer a segundo plano no primeiro trimestre, voltou ao foco com o recente aumento do IOF recebido com críticas estridentes do mercado, entidades de classe, empresários e políticos.
“A questão fiscal é o calcanhar de Aquiles do Brasil. O governo está com dificuldade para fechar as contas e, não à toa, elevou o IOF para aumentar a arrecadação”, avalia Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia e política da Tendências Consultoria.
Ao NeoFeed, a economista observa que o recém-anunciado contingenciamento do Orçamento é claramente insuficiente. “As contas não fecham, inclusive, porque o governo optou por um modelo de aumento de gastos a serem financiados com aumento de arrecadação e tem poucos instrumentos para equilibrar essa balança. Isso quer dizer que o arcabouço fiscal é ponto sensível porque sua sobrevida é muito curta. E logo estará em discussão.”
Paralelamente, acrescenta, medidas que vêm sendo anunciadas de estímulo à demanda, sejam fiscais ou parafiscais, terão impacto sobre expectativas e, inclusive, no trabalho do Banco Central que batalha pela convergência da inflação e das expectativas à meta – outro ponto sensível sob observação.
Para a diretora da Tendências, a mobilização do presidente em fóruns internacionais, a exemplo de seus pares, é importante, dado o momento internacional “extremamente desafiador”, com o mundo reagindo à agenda protecionista de Donald Trump.
“Líderes se movimentam e reagem porque está claro que, independente de acordos, o mundo não será como antes. O ambiente de tarifas mais altas já está presente. Nesse sentido, é importante estabelecer e fortalecer pontes porque todos estaremos vivendo em um ambiente mais adverso. E a busca por mais comércio, atração de investimentos e mais parceiros é oportuna e necessária. Mas o cenário político doméstico é muito delicado”, alerta Ribeiro.
A economista entende que o governo é politicamente fraco. “O presidente promoveu mudanças ministeriais que não resultaram em nada. Não fortaleceram uma coalizão em torno de uma agenda propositiva para o País.”
“Na crise do IOF, assistimos ao Congresso tentando derrubar a decisão, numa ação bastante crítica ao governo. E, apesar de a economia estar indo bem, o momento exige maior dedicação do presidente na construção de relações para tentar melhorar minimamente o ambiente para que a agenda do Executivo prospere. Mas o que vemos hoje é paralisia no Congresso nesse sentido.”
Mesmo quando se trata de agenda externa do presidente ou do País há críticas, observa a diretora da Tendências que cita como exemplo a visita recente de Lula à Rússia para participar das celebrações de 80 anos do Dia da Vitória – ocasião em que boa parte dos líderes convidados não compareceu.
“O Brasil também virou algo de críticas, locais e internacionais, ao tentar se colocar como mediador da paz entre Rússia e Ucrânia. Portanto, embora a mobilização externa seja necessária, alguns aspectos da agenda brasileira não isentam de desgaste a imagem do Brasil”, alerta.