O mercado financeiro global reagiu com ações em alta na quinta-feira, 29 de maio, horas depois de o Tribunal de Comércio Internacional dos EUA – uma corte federal pouco conhecida – ter decidido, na noite anterior, que o presidente americano Donald Trump não tinha autoridade para impor tarifas abrangentes recorrendo a uma legislação de 1977, a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, ou IEEPA.

A decisão, que representa a maior derrota política de Trump desde o “Dia da Libertação”, em 2 de abril - quando anunciou uma série de tarifas contra parceiros comerciais dos EUA -, está longe de pôr fim à sua estratégia tarifária, uma vez que o revés pode ser revertido pela Suprema Corte. Além disso, impostos sobre automóveis, aço e alumínio anunciados anteriormente seguem em vigor, pois foram baseados em outra lei.

Mas uma soma de fatores adicionados à decisão do Tribunal de Comércio Internacional expõe um momento de vulnerabilidade do presidente americano - entre eles, a decisão de Elon Musk de deixar o Departamento de Eficiência Governamental (Doge) e, no final da manhã desta quinta, o anúncio de que após revisão do PIB do primeiro trimestre, a economia dos EUA encolheu a um ritmo anual de 0,2% de janeiro a março, a primeira queda em três anos, graças à guerra comercial de Trump.

A reação logo cedo do mercado financeiro à decisão da Justiça, dentro e fora dos EUA, reforçou essa percepção. As ações das "Sete Magníficas" subiram nas negociações de pré-mercado em Wall Street nesta quinta, embora também impulsionadas pelos excelentes resultados da Nvidia no primeiro trimestre, anunciados na véspera.

As bolsas europeias e asiáticas também decolaram. Chamou a atenção a valorização ações europeias expostas a tarifas devido às suas vendas nos EUA, como as da marca de artigos esportivos Adidas, do conglomerado de artigos de luxo Kering e da montadora Stellantis.

Isso porque a decisão da corte americana ocorreu em meio a uma negociação entre EUA e União Europeia que acabou se mostrando decisiva para arranhar a imagem de Trump. Na semana passada, o presidente americano ameaçou impor uma tarifa geral de 50% contra o bloco europeu, a menos que as duas partes chegassem a um acordo comercial até 1º de junho.

Após uma conversa com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no fim de semana, porém, Trump adiou o prazo, remarcando-o para 9 de julho. A decisão apenas confirmou a estratégia de negociação do presidente americano, adotada contra o Reino Unido e a China, de ameaçar com tarifas elevadas visando obter concessões, para depois fechar um acordo com uma tarifa menor.

Para muitos analistas, porém, Trump acaba sempre recuando não por uma opção de estratégia de negociação, mas por pressão do mercado financeiro – que de início vinha oscilando de forma recorrente diante das bravatas do presidente americano e acabou “normalizando” a reação, ao notar que as ameaças nunca acabam sendo inteiramente cumpridas.

Essa previsibilidade, para os analistas, está deixando de suprir o efeito que Trump previa nas negociações. A ponto de Robert Armstrong, colunista do jornal britânico Financial Times se referir à reação do mercado com uma expressão, "taco trade" ( “Trump always chickens out” ou “Trump sempre se acovarda"), que acabou se disseminando, deixando furioso o presidente americano.

"Acreditamos que um dos motivos do impasse nas negociações bilaterais foi que os parceiros comerciais dos EUA podem ter previsto esse resultado", escreveu Aniket Shah, analista da Jefferies.

Estratégia sob risco

Especialistas em comércio acreditam que a decisão judicial pode minar a estratégia tarifária de Trump. A tendência é que muitos países fiquem menos dispostos a fazer concessões comerciais se os tribunais, em última análise, decidirem que a base para a decisão de Trump foi falha.

Além do bloco europeu, Japão e Coreia do Sul também não têm tido pressa em fechar acordo com a Casa Branca. Ou seja, a decisão judicial criará, no mínimo, semanas ou meses de caos e confusão, enquanto o governo Trump se debate tentando recuperar seus poderes tarifários.

No final, o sistema jurídico — não o mercado de títulos nem os indicadores econômicos fracos — pode ser a maior restrição à agenda comercial de Trump.

As tarifas, que causam enorme pressão econômica, também estavam gerando uma receita significativa para o governo, de quase US$ 23 bilhões neste mês. O consultor comercial Peter Navarro calculou que as tarifas gerariam até US$ 3,3 trilhões em receita na próxima década.

Além desse revés judicial, Trump saiu chamuscado com o anúncio de Elon Musk de deixar o Doge, que ele informalmente liderava. A saída do governo foi confirmada numa postagem no X na quarta-feira, 28.

Musk deixa o Doge antes do previsto e com poucos resultados. O homem mais rico do mundo prometeu inicialmente cortar US$ 2,2 trilhões, quase um terço de todos os gastos do governo. Até maio, Doge havia declarado apenas US$ 175 bilhões em economias.

Nas últimas semanas, o presidente-executivo da Tesla culpou os legisladores pelo lento progresso do Doge e criticou o projeto de lei tributária republicano da Câmara aprovado na semana passada — a principal prioridade do governo no Congresso, batizado por Trump como “o grande e maravilhoso projeto de lei”.

Estimativas apartidárias descobriram que o projeto de lei, que ainda precisa passar pelo Senado, acrescentaria mais de US$ 3,3 trilhões ao déficit dos EUA na próxima década. "Acho que um projeto de lei pode ser grande ou maravilhoso", disse Musk à rede CBS em uma entrevista que irá ao ar no domingo. "Mas não sei se pode ser as duas coisas."

Trump tem opções para reagir. Além de recorrer à Suprema Corte, as chamadas tarifas da seção 232, que atualmente abrangem aço, alumínio e automóveis, seguem em vigor.

A Casa Branca está conduzindo investigações da seção 232 em outros setores, incluindo o farmacêutico e o aeroespacial. Isso pode levar a tarifas adicionais significativas, mas não do tipo amplo que Trump impôs a todos os países em abril passado, com uma base de 10%.

Além disso, a revisão do resultado do PIB do primeiro trimestre (foi reavaliado de crescimento negativo de 0,3% para 0,2%) confirmou o efeito das tarifas na economia americana - a queda no PIB, comparada à expansão de 2,4% no último trimestre de 2024, foi causada em grande parte por um aumento nas importações, à medida que as empresas correram para comprar produtos fabricados no exterior antes do anúncio de tarifas do "Dia da Libertação".