Um tênis “flat”, feito de couro e costuras grossas, contraindicado para a prática de esportes, ajudou a gigante alemã Adidas a “correr” em 2024 rumo ao melhor ano da companhia na última década. E a estrela dessa maratona só poderia ser ele, o Samba.

Lançado em 1950, depois de um longo período de esquecimento, no final de 2023, quando as redes sociais começaram a ser invadidas por celebridades exibindo orgulhosos seus Samba. Pronto, o tênis “chato” virou febre.

A Adidas fechou o ano passado com € 23,6 bilhões em receita líquida — crescimento de 12% em relação a 2023. O movimento foi liderado pelo setor de calçados, que cresceu 17%, como informa o relatório da companhia, divulgado no início do ano. E entre os modelos citados está lá o Samba, descrito como “icônico”.

Embora a empresa não revele os números específicos da receita do tênis, analistas de mercado, como a gestora de investimentos e consultoria financeira Bernstein, estimam que o tênis responde por cerca de 7% do total da Adidas, com o potencial para atingir € 1,5 bilhão em vendas.

E, em 2025, não deve ser diferente. No primeiro trimestre, as vendas da Adidas cresceram 13% para € 6,2 bilhões, enquanto o lucro operacional da marca atingiu € 610 milhões, um aumento de 82% em relação a 2024.

O hype em torno do Samba faz parte de um movimento maior, da retomada do estilo retrô. “O mundo está cada vez mais casual, com o tênis sendo usado em ambientes de trabalho, algo que era inimaginável há alguns anos”, diz Lorena Borja, designer de moda e professora do Instituto Europeu de Design (IED) e da ESPM. “Essa tendência se une ao momento no qual estamos olhando para trás em busca de referências de moda e artigos vintage, algo que foi percebido pelas marcas que fizeram bem a sua lição de casa, como é o caso da Adidas.”

Para se ter ideia, no primeiro semestre de 2024, o interesse pelo Samba no Brasil aumentou em 477% em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com dados do Google Trends. O pico da popularidade do modelo no mundo ocorreu há exato um ano, em abril. Desde então, as estatísticas não dão sinais de arrefecimento.

“Do ponto de vista psicológico, essa nostalgia traz uma sensação de segurança e estabilidade, mesmo que simbólica, para o consumidor que não precisa reinventar o seu estilo, mas sim procurar por tendências que já foram consagradas e provadas no passado”, diz Lorena.

A importância das collabs

A Adidas quer evitar que aconteça com o Samba o que aconteceu com o Nike Dunk. O tênis de basquete dos anos 1980, que já foi considerado o mais popular do mundo, está em franca decadência. Conforme análise recente da Piper Sandler, as vendas devem cair 70% ao longo dos próximos dois anos, em grande parte por falta de modernização, sobretudo de design.

A alemã tem apostado em uma estratégia diferente e mais “colecionável”: a das parcerias.

O primeiro modelo do Samba, lançado em 1950 para a Copa do Mundo do Brasil

Modelo desenhado pela estilista inglesa Grace Wales Bonner. Versão está entre as mais caras do mercado

O vocalista da banda Queen, Freddie Mercury, foi um dos primeiros a adotar o estilo e usou o calçado em sua apresentação no Live Aid

A evolução do Samba. de sua criação até 1995

Collab feita com o filme Toy Story, da Pixar

Tênis desenvolvido em parceria com a marca de cervejas Heineken

Colalb realizada com o jogador de futebol Lionel Messi, patrocinado pela Adidas

Ao longo do último ano, foram criadas edições especiais dos tênis com grandes marcas como a Heineken, além de celebridades como o jogador Lionel Messi, o multiartista Pharrell Williams e o ator e produtor Jonah Hill. A estilista inglesa Grace Wales Bonner também teve grande influência no desenvolvimento dos novos modelos.

Nomes do pop, como os cantores Harry Styles e Dua Lipa, não tiram o Samba do pé, o que também tem reforçado o branding da marca.

Com isso, as variedades do Samba são enormes. E seus preços também. No Brasil, variam de R$ 600 a R$ 25 mil, conforme o material, a coleção e, claro, o grau de exclusividade do modelo.

No rastro do Samba, ganham também os tênis de linha semelhante, como o Gazelle, também da Adidas, e os da americana New Balance, considerados até pouco tempo atrás old school e até antiquados, conquistando os consumidores mais jovens. Em especial, os adeptos do grandpa style, o famoso estilo vovô.

Sem Ye

A Adidas soube (e precisou) acompanhar a tendência. Até o final de 2023, o segmento de calçados estava bastante voltado para os tênis de solado alto. O redirecionamento foi importante também para enfrentar o fim de uma de suas parcerias de maior sucesso, a feita com o rapper americano Ye, o antigo Kanye West. A colaboração resultou na criação da linha Yeezy.

A quebra de contato foi determinada pelo péssimo comportamento do artista, useiro e vezeiro em comentários racistas e antissemitas na internet. A Adidas teve de se virar para vender os estoques de Yeezy. O estoque foi queimado em 2023, o que rendeu à companhia R$ 2 bilhões em receitas.

Agora, para atingir o público ainda mais premium e depender menos dos altos e baixos da moda, a Adidas lançou, no início deste ano, a sua linha A-Type, definida pela marca como “uma subdivisão artesanal, feita com tecidos premium em ateliês de excelência”.

Com ela, a marca cria versões “atemporais” de diversos modelos de seu catálogo — que vão além do Samba — e agradam os gostos mais refinados, em busca de peças únicas.

Desenvolvido para a Copa do Mundo de 1950, em homenagem ao Brasil, o Samba foi criado para ser uma chuteira. O modelo que hoje é sucesso de vendas foi criado, na verdade, para ser uma chuteira.

Após o evento, o tênis foi adaptado para o futebol de salão e teve suas travas retiradas. Em 1980, ele caiu no gosto dos torcedores ingleses aficionados pelo esporte, que passaram a utilizá-lo de forma mais social.

Não demorou muito para que o Samba conquistasse os famosos. O vocalista da banda Queen, Freddie Mercury, foi um dos primeiros a adotar o estilo e usou o calçado em sua apresentação no Live Aid, de 1985. Com o tempo, o tênis foi sendo deixado de lado, até ressurgir com força em 2023. O resto é história.