“Eu sou um maverick”. É com esse termo, usado nos EUA para descrever o gado que não foi marcado pelo dono, que Pharrell Williams explica a sua trajetória profissional, seja como rapper, produtor musical, beatmaker, designer de móveis, modelo, empreendedor de moda ou ícone fashion. “Sempre quis fazer todo tipo de coisa e já pensando no que vem depois. E faço tudo do meu jeito”, diz ele.
Essas declarações estão do documentário Peça por Peça – Uma História de Pharrell Williams, longa-metragem que chega aos cinemas brasileiros na quinta-feira, 9 de janeiro, confirmando a vocação não conformista do artista. Como um filme tradicional não lhe faria justiça, sua vida é repassada inteiramente no universo da animação. E com Williams e todos os demais personagens ganhando versões como bonequinhos de plástico da Lego.
É como se o artista tivesse sido transportando ao mundo dos tijolinhos para contar a sua história. A ideia, que partiu do próprio Williams, ganhou vida graças à computação gráfica, que dá a impressão de tudo ter sido realmente filmado com pecinhas montáveis. A franquia de filmes de animação Lego já existe, mas até então só personagens como Batman ou os heróis de Ninjago tinham sidos “legotizados”.
Peça por Peça começa com uma entrevista de Williams concedida em sua casa, ao diretor do filme, Morgan Neville, em que a dupla discute qual a melhor abordagem para o documentário. “E se a vida fosse um cenário de Lego e você pudesse juntar tudo do jeito que quisesse?”, pergunta Williams, com a sua voz, mas já na forma de boneco articulado.
Por mais que o artista se esconda por trás de uma máscara, ao ser projetado em um brinquedinho de cerca de 5 centímetros de altura, o resultado combina com o percurso trilhado pelo artista. Williams é uma grande influência criativa nos setores onde atua, sendo conhecido pelo poder de “transformar em ouro tudo o que toca”.
Na música, ele se firmou como um dos maiores produtores da sua geração, trabalhando com vários gêneros, como R&B, hip-hop e pop, e misturando-os, muitas vezes. Com um ouvido apurado para ritmos e melodias, ele é responsável por hits cativantes, como Happy, Beautiful e Get Lucky.
Com Williams produzindo ou cantando, as batidas de suas músicas são geralmente originais e carregadas de energia. São daquelas que, quando tocadas em festas, põem os convidados para dançar. Ao longo de sua carreira, ganhou 13 estatuetas no formato de gramofone do Grammy Awards.
Na música e na moda
Graças ao seu senso de estilo, o artista também entrou para a elite da moda, com vários empreendimentos. Ele lançou as marcas de streetwear (Billionaire Boys Club) e de calçados (Ice Cream), ao mesmo tempo em que colaborou com grifes como Chanel, Moncler, Tiffany & Co. e Adidas. Desde 2023, Williams é o diretor criativo de coleções masculinas da Louis Vuitton, grife que ele revitalizou, imprimindo mais energia, reinventando clássicos e apostando na moda multicultural.
“Eu sou o maior exemplo de um pensador híbrido”, conta o artista de 51 anos, no filme, onde toda a sua vida é revisitada, desde a infância humilde, em Virginia Beach. Ainda menino, ganhou o primeiro tambor (ou tarol) de sua avó e começou a desenvolver uma forte conexão emocional com a música. Foi com Chad Hugo, seu amigo de adolescência, que Williams deu o primeiro passo profissional, formando o Neptunes, em 1992.
São tantos os feitos de Williams que alguns deles certamente vão surpreender. Em uma cena de depoimentos sobre o protagonista, até seu pai demonstra que não sabia que o filho era responsável por jingle de sucesso do McDonald’s, o “Da-da-da-da-da”, da campanha “amo muito tudo isso”.
Assim como os pais, vários artistas e colaboradores são entrevistados aqui, contribuindo com insights sobre Williams. Entre eles, Timbaland, Pusha-T, Jay-Z, Justin Timberlake, Gwen Stefani e Snoop Dogg, entre outros – todos em versão Lego, claro. E tudo o que dizem é para exaltar as qualidades do artista, embora ele mesmo admita ser um cara “convencido” em suas declarações no filme.
Peça por Peça não abre espaço para polêmicas, como as geradas pela canção Blurred Lines, de 2013, que integra a trilha sonora brevemente. A música acabou banida, acusada de ter letra que promove a cultura do estupro, e ainda resultou em processo de plágio, no qual Williams e outros nomes envolvidos foram obrigados a pagar cerca de US$ 5 milhões à família do músico Marvin Gaye.
Um dos destaques do filme é a abordagem das batidas musicais criadas por Williams como pecinhas de Lego, tirando vantagem do seu diversificado conjunto de cores. Algo que seria tão difícil de ilustrar em um documentário tradicional é facilmente traduzido aqui como tijolinhos transparentes que brilham, dançam e podem ser guardados no armário – à espera da melhor música.
Essa coreografia de Legos ainda é perfeita para o entendimento da sinestesia, a condição neurológica da qual Williams sofre. Graças a esse fenômeno sensorial, em que o som ativa também a visão, ele diz não apenas ouvir a música, mas também percebê-la como cores. E o espectador tem aqui uma ideia do que é experimentar essa estranha sensação, o que talvez explique, em parte, a força criativa do artista: a de ver cores se movendo ao ritmo da música.